Uma última prece

A noite foi longa ou curta demais para sentir.

O medo me atravessa a garganta, me fere o dorso.

Antes que de mim se apodere, dilacerador de corpos

tomarei para mim seu fôlego.

Assim, antes que o labor desse dia termine terei perdido a razão.

Mas não chorem por mim rosas, não chorem por mais um que se perdeu.

Antes de mim não o era e antes de o caos me consumir me perdí.

A noite que se põe sobre mim dessa forma

apenas revigora minhas fátidas retinas que hoje hão de reverberar.

O sangue, ainda vivo em minhas veias, começa a jorrar de meus átrios internos.

Flúidos de vida encandescente que transmitidos por mim perdem a cor.

O campo está vazio, não há mais luta, não há mais morte.

Os corpos dos nobres guerreiros foram levados em carroças rumo a cidade

onde noivas, filhos e mães choram sua perda

perda essa trazida por outros nobres guerreiros que em sua terra

hão de ser velados e, no valor do tempo, esquecidos.

Ó lágrimas minhas, que de mim escapam como sangue de uma ferida aberta.

O tempo ainda não pode apagar a dor de abandonar minha alma,

de esquecer minha vida e apenas seguir em frente.

Deus que em sua infinita misericórdia venhas a tomar posse desse corpo

quando apodrecer, e quando já os vermes o tiverem como seu.

Deus que seus olhos não se distanciem de mim

pois os meus já se tornaram pó pelo tempo que esperei por sua tardia

mas esperançosa visita.

Sendo assim, me deito para mais uma noite escura e úmida

nos braços da morte que me tem e assim sempre será

amém.