A Filha Do Rei
Sereias são criaturas mitológicas que já renderam uma volumosa cinematografia ao longo da história do cinema. Criaturas que na atualidade, mesclam traços de uma construção mítica que as modificaram em prol das conveniências de cada época deste mundo em constante evolução, elas encontraram na aventura histórica A Filha do Rei, produção em desenvolvimento desde 2014, mas que ganhou lançamento apenas em 2022, um lugar de razoável destaque, com algumas aparições visualmente interessantes, mas sem o protagonismo/destaque que estas belas e enigmáticas figuras ficcionais costumam ter quando são parte de algum enredo focado em seus atributos “mágicos” e misteriosos. Aqui, humanos e seres mitológicos estão sob a direção de Sean McNamara, cineasta guiado pelo roteiro de Ronald Bass, Barry Berman, Laura Harrington e James Schamus, sala de roteiristas lotada para a estruturação de um enredo dramaticamente simples, parte de um conteúdo que possui seu diferencial pelo investimento massivo em efeitos visuais e pontos do design de produção, suntuoso, assinado por Michelle McGaley.
No desenvolvimento de sua história, temos o seguinte mote: o Rei Luis XIV (Pierce Brosnan), geralmente cruel e obcecado pela longevidade da vida, decide investir na captura de uma sereia (Fan Bingbing), pois segundo algumas afirmações nada científicas, mas oriundas de pessoas de sua confiança, a carne da criatura concede a imortalidade tão desejada. As coisas se complicam quando o rei tem uma nova hóspede, Marie-Josephine (Kaya Scodelario), jovem considerada bastarda, começa a desenvolver uma conexão com a sereia, compreendendo a sua forma de se expressar e outras peculiaridades comportamentais do ser alado. Defensora ferrenha dos sentimentos do ser capturado para o abate, a filha do rei segue em sua jornada, obstinada por manter as coisas dentro de seu planejamento, isto é, salvar e libertar a sereia. Basta saber se esta jornada vai dar certo. No processo, outros obstáculos surgem para atrapalhar a jovem mulher.
O casamento é um deles. Mulher, prometida numa cultura de uniões arranjadas, a personagem de Scodelario, carismática em seu desempenho dramático, precisa saber lidar com as conveniências da cultura francesa de sua época, pois a postura de mulheres que habitam o Palácio de Versalhes precisa ser assegurada por todos que estão ao seu redor, defensores das ideias do rei, e mais, tementes por suas vidas numa era de puro absolutismo. Pronto. Isto é o que os realizadores nos contam ao longo dos 90 minutos de A Filha do Rei, aventura que toca em temas sensíveis da contemporaneidade, tais como emancipação feminina, autoritarismo oriundo de gente insana, poder concentrado em poucas mãos, em detrimento dos que ocupam a posição de “súditos”, dentre outros tópicos temáticos, numa narrativa funcional enquanto entretenimento, mas relativamente morna em seu desenvolvimento, nos deixando sempre à espera de um grande momento que, infelizmente, não chega, afinal, os envolvidos parecem focados na linearidade de tudo, em especial, das emoções. Uma lágrima ali, um sobressalto acolá. Mas só, no geral, ninguém sobe o tom.
Narrado pela belíssima voz de Julie Andrews, assertiva contribuição para o estabelecimento da atmosfera simpática da história, A Filha do Rei goza dos privilégios de uma boa equipe de produção, profissionais responsáveis por transformar o texto num panorama de imagens envolventes, capturadas nas filmagens entre a França e a Austrália. Inspirado no romance A Lua e o Sol, de Vonda N. McIntyre, a produção conta com a eficiência do geralmente ótimo Conrad W. Hall na direção de fotografia, profissional conhecido por transformar as passagens dos filmes que assina em molduras narrativas. Basta lembrar o excepcional trabalho para Sam Mendes nas imagens de Beleza Americana, um dos pontos altos de sua carreira como fotógrafo de cinema. O design de produção, como já mencionado, é um dos pontos cruciais para o bom desenvolvimento da história, em especial, os figurinos de Lizzy Gardiner, a “cara” da época que radiografa. Ademais, a trilha sonora delicada traz a tripla assinatura de John Coda, Grant Kirkhope e Joseph Metcalfe, textura percussiva que ajuda no acompanhamento das emoções, sem se portar intrusiva ou dispersa da proposta apresentada pelo filme que encanta, mas bem que podia ser mais empolgante e ousado.