CONTOS REFLEXIVOS DO ANDARILHO MEU PASSADO ME CONDENA

Noite longa e fria, os ossos doíam, talvez não pelo excesso de frio, mas por roupas inapropriadas para o clima, assim foi mais uma noite na vida do ser que vaga.

A caminhada e longa e o destino e onde estiver, o passo e lento e as idéias flutuam em freqüência multicosmica, tempos variados se comunicam, o fator tempo e referencial o ontem e o hoje são uno.

O caminho e guiado pela mente superior, se vale ou não a pena quem decide e quem esta vibrando em freqüência multissonica, assim e aquele que não tem nome e um espírito materializado na forma humana com destino incerto e uma missão a cumprir.

O andarilho segue sua jornada e sente que um espírito amigo tenta se comunicar, mas onde e uma incógnita, a caminhada continua e alguns quilômetros a frente um homem em uma carroça lhe oferece carona.

O andarilho do pluriverso aceita, mesmo não sabendo aonde ir deixa que as forças superiores lhe guiem.

O homem e alegre aparenta uns 80 e poucos anos, cabelos brancos pele morena olhos cor de mel, um ser aparentemente comum, a não ser pela energia que emana.

O andarilho sente que e um ponto de reconexão entre o eu e o intra cosmo.

A carroça continua, a conversa flui naturalmente, almas gêmeas em freqüência uníssona em sentimento comum, alegria contagiante.

O carroceiro olha para o andarilho e diz.

Conheço-te de algum lugar, só não sei de onde.

O andarilho olha para o homem e diz. Também tenho a mesma impressão.

O homem pergunta ao andarilho. Para onde esta indo.

O andarilho da uma risada e diz, para onde a estrada for.

O homem brinca. Ela não vai nos e que vamos nela, e os dois seguem sorrindo da piada.

E logo entram em um vilarejo, se despedem e o andarilho busca uma sombra para acender um fogo em um fogareiro improvisado para cozinhar um resto de macarrão que será seu alimento diário.

As horas se passam e o carroceiro retorna pelo mesmo caminho, e vê o andarilho se alimentando, o homem desce e acende um cigarro de palha e ali a conversa continua.

Ele fica impressionado com a história do ser que vaga, e lhe convida para que descanse uns dois ou três dias em sua casa antes de seguir viajem.

O andarilho aceita, pois está muito cansado e com os pés inchados, recolhe seu caldeirão, e os dois desconhecidos sobem na carroça e seguem rumo a morada do ser que apareceu no acaso da jornada de rumos incertos.

Passam se uma hora e meia e o destino final daqueles seres e uma casa antiga com um rego d’água a frente e um velho monjolo desgastado pelo tempo que insiste em continuar se movendo em batidas frequenciais, TOC, TOC, TOC.

Os dois descem da carroça e uma senhora com aparência jovial os recebem com um largo sorriso.

O carroceiro abraça a mulher e diz que um velho amigo de outros tempos vai ficar um ou dois dias com eles.

Ela não reconhece o andarilho, mas não diz nada.

O carroceiro olha para o andarilho e da uma piscada, o andarilho entende, e sabe que homem sábio não contraria a companheira.

E assim todos entram na casa em perfeita harmonia multicosmica, pois todas as forças agem pelo bem da evolução continua.

O andarilho não tem como prever como será sua jornada, mas as dificuldades e que nos moldam nessa trajetória terrena, pois viemos ao mundo para somar.

O dia transcorre naturalmente, a tarde some com prenuncio do anoitecer e na pequena varanda os dois novos amigos iniciam uma conversa que entrara noite adentro, enquanto que a mulher some para concluir seus afazeres diários.

E depois de ouvir as histórias do andarilho agora e o homem que resolve contar a sua.

Era final dos anos 40 quando eu era um jovem rapaz e resolvi sair da cidade onde morava, era uma cidade do interior e fui tentar a sorte na capital, mesmo contra a vontade dos meus pais.

Viajei três dias e três noites na carroceria de um velho caminhão, e acabei por chegar ao destino escolhido.

Como não sabia fazer nada fui trabalhar na construção civil de servente de pedreiro, e não demorou muito acabei indo morar com alguns recém-conhecidos no intuito de dividir o aluguel.

A casa era pequena e dormíamos amontoados em colchões espalhados pelos cômodos, tudo parecia estar dentro da normalidade, mas tínhamos alguns companheiros que não se conformavam em viver naquela situação sub-humana.

Viviam jogando na loteria e falando em riqueza fácil e sonhos fantasiosos, a ambição tinha tomado conta de suas almas.

Mas como não conhecia ninguém tive que me sujeitar a viver com aqueles seres de alma negra, fui covarde comigo mesmo.

O andarilho olha para o homem e diz.

Às vezes deixamos de tomar certas decisões por medo e covardia, a fuga da solidão se depara com pessoas ruins e sem escrúpulos, que quer apenas se dar bem na vida, e nos usar como escudo e desculpa para suas fraquezas.

O homem baixa a cabeça e continua.

O tempo passou e eu acabei por me acostumar com a situação.

Ate que em uma noite de sábado cheguei em casa cansado e com meu pagamento no bolso, todos tínhamos recebido juntos, dei minha parte no aluguel e o suficiente para repor os mantimentos.

A euforia era geral, todos faziam planos de sair naquela noite para beber e encontrar mulheres fáceis para diversão passageira.

Como estava muito cansado resolvi dormir mais cedo, pois no domingo de manhã eu lavava minhas roupas.

Eles se foram e eu cai no sono, mas no fim da madrugada acordei com disparos de arma de fogo, ouvi intensa gritaria, a porta se abriu e apenas dois deles entraram no barraco, ofegantes e assustados.

Não entendia o que estava acontecendo, só levantei da cama e vesti uma calça, o barulho das sirenes das viaturas policiais era intermitente, e os disparos continuavam em direção da nossa casa.

Meus companheiros revidavam os disparos, mas o número de policiais só aumentava, ate que acabaram por invadir o barraco.

Os dois companheiros tombaram frente à ofensiva policial, e eu acabei sendo preso sem dever nada, fui levado a uma delegacia e reconhecido por uma das vitimas.

Aleguei minha inocência, mas foi em vão, fui autuado em flagrante por roubo, sequestro e cárcere privado, e por três homicídios.

Mais tarde um agente leu meu auto de prisão em flagrante que fui obrigado a assinar, onde me acusaram de invadir uma casa de um rico empresário e fazer sua família de refém, e depois ter roubado vários pertences e dinheiro.

E para piorar minha situação todas as vitimas foram mortas, e a empregada que se escondeu durante o roubo acionou os vizinhos que chamaram a policia.

Meus companheiros roubaram o carro da família e se evadiram do local sendo perseguidos e mortos em frente e no interior da nossa residência.

E o pior de tudo e que a empregada alegou ter me reconhecido e eu acabei respondendo pelos fatos que ate então te contei meu caro viajante.

O andarilho fica estarrecido, o pensamento vaga tentando se conectar com aquele dia, o sentimento de ter presenciado a tudo aquilo e latente, pois outrora fora observador para tentar entender a mecânica de vidas interrompidas.

O homem segue seu relato.

Apos a prisão e o flagrante me transferiram para o presídio para aguardar julgamento, não foi fácil aceitar a nova realidade, mas não tinha outra saída, com o tempo fui encarando a nova realidade e acreditando que tudo aquilo seria desfeito no dia do julgamento.

Passaram se dois anos três meses e dois dias, e minha hora chegou, sentaram-me naquela cadeira solitária com um vento frio percorrendo meu corpo, a noite dos acontecimentos fatídicos foi reescrita pelo promotor e pela acusação nos mínimos detalhes.

Colocaram-me onde eu não estava e me culparam pelo que não fiz, entramos noite adentro a cobertura da mídia e seus comentaristas já havia me condenado, o povo pedia justiça.

E antes de amanhecer o veredicto foi pronunciado pelo juiz.

O andarilho sente se ansioso, mas não esboça qualquer reação, pois quando ouve algum relato mergulha nos acontecimentos esperando que tudo mude e o final seja diferente.

Mas as forças que movem os multimundos não podem interferir no que já aconteceu, apenas usar tudo aquilo para criar um futuro diferente naqueles que venham a ler aqueles relatos na multiplicação dos dias.

O homem com olhar entristecido profere o veredicto.

Meu caro andarilho fui condenado a 75 anos de prisão, senti meu corpo desfalecer e minha mente voltou no tempo, e eu mesmo cobrei de mim o porquê de não ter saído daquelas companhias de almas negras.

Eu percebi a personalidade daqueles com quem eu dividia meu aluguel, por que não me afastei daqueles seres o mais rápido possível.

E para piorar a situação minha família assistiu ao julgamento anonimamente para não se expor, não sabia se eles achavam que eu era culpado daquela barbárie, minha mãe envelhecera de uma maneira inexplicável.

E eu já estava em estado de loucura, depois de ouvir o que eu ouvi no julgamento estava convencido de ter participado de todo acontecimento.

Da mesma forma que minha família entrou ela saiu, anonimamente, procurei os, mas não os vi.

Ao fim de tudo os policiais que faziam minha escolta me conduziram a uma escadaria fria e solitária pelos fundos da sala de audiência, descemos ate o subsolo e ficamos aguardando a viatura que me conduziria de volta ao presídio.

Os policiais estavam cansados e com fome apos longas horas de espera, conversaram entre si e resolveram subir um andar onde era o alojamento dos policiais para tomarem um café e comer um pedaço de pão.

Deixando-me sem algemas em uma cela, sentia me desanimado e solitário, mas com o destino em andamento.

Fui ate a porta da cela e senti que estava aberta, de inicio pensei que era uma armadilha, abri a lentamente e olhei para os lados, vi que não tinha ninguém.

Acabei por tomar a decisão de fugir, mas estava sem forças, e vi uma pequena sala ao longe, corri como as forças davam e me escondi entre vassouras e produtos de limpeza.

O cansaço era tanto que adormeci, senti a alma desprender do corpo e vagar indo de encontro a pessoas e lugares antes nunca vistos, pessoa estranhas me pediam perdão por não terem interferido e vindo de auxilio no momento que selou minha vida.

Mas que daquele dia em diante iriam interferir na minha freqüência mental e iluminar meu caminho, a noite terminou e eu continuei imóvel, ouvia passos agitados e muita conversa.

Um homem gritava e acusava a escolta, culpando eles pela minha fuga, e a todo o momento bradava.

Aquele vagabundo deve estar longe, como vamos explicar para a sociedade da fuga de elemento tão perigoso.

Mil desculpas surgiam a todo o momento, mas com o passar das horas tudo foi se desfazendo e aos poucos o silencio voltou a reinar, eu estava com fome e sede, mas travado pelo medo continuei imóvel.

E naquele cubículo passei mais uma noite, na manhã seguinte vi um macacão azul velho e descorado dependurado em um prego preso a porta, e junto dele um velho boné.

E movido por uma força estranha vesti aquela roupa e coloquei o boné na cabeça, me muni de uma vassoura e um balde e subi as escadas, cada degrau ficando mais distante a cada passo.

Não demorou muito e cheguei ao final da escada, estava próximo a um jardim na lateral do fórum, deixei a vassoura e o balde e caminhei em direção a um pequeno portão onde era utilizado para descartar o lixo daquele local.

Um catador de papel vasculhava aquele amontoado de sacos de lixo em busca de algo que lhe fosse útil para arrecadar uns trocados, ele me cumprimentou como se eu fosse funcionário do local.

E eu resolvi a ajudar aquele homem a fazer sua carga preciosa, e ao fim saímos andando e conversando, estava com medo e me sentindo inseguro, mas não deixei transparecer.

Andamos por mais de duas horas e ele descarregou os objetos recolhidos em suas andanças, tudo foi pesado e ao receber pequena quantia ele me convidou para acompanhá-lo em um lanche.

Aceitei com enorme alegria, e algumas quadras a frente paramos em um boteco de esquina, eu fiquei aguardando no carrinho dele catar papel, alguns minutos depois lá vinha ele com o lanche.

Era pão com ovo e uma garrafa com suco, sem duvida foi uma das melhores refeições que fiz em minha vida, apos o lanche fomos ate um prédio abandonado para descansar.

Aqueles escombros eram a moradia de muitos seres que vagam pela cidade durante o dia, encostei-me a um pedaço de papelão e dormi um sono de muita luz e paz, aqueles seres desprezados viviam um dia após o outro sem esperança de dias melhores, mas com muita alegria.

Por ali passei o dia e com achegada da noite nos reunimos em volta de uma fogueira, à garrafa de pinga era companheira inseparável daqueles que não planejam o amanhã.

E durante uma das varias histórias que ouvi me conectei com um deles, pois sua história era muito parecida com a minha, pois ele era fugitivo da justiça e encontrou o anel de giges no anonimato do desprezo.

Eu me fiz de desentendido e ele todo feliz por alguém que quisesse ouvir sua história me contou tudo, e eu passei a perceber que como catador de papel eu teria tempo para pensar no que fazer da minha vida.

O andarilho da um leve sorriso e diz. Continue homem continue.

E o locutor prossegue.

Daquele dia em diante passei a viver nas ruas, o único lugar fixo era aquele prédio abandonado, onde todas as noites passei a me reunir com o que era minha nova família.

E assim os anos foram se passando, e aquele que um dia ajudei a carregar o carinho de papelão no dia da minha fuga se tornou meu protetor, sempre estávamos próximos.

Onde um estava o outro também estava, ele sabia de toda minha história, e o tempo fez seu papel, todos se esqueceram de mim, me tornei mais um anônimo em meio a multidão.

Os cabelos estavam longos a sujeira já havia impregnado em meu corpo, me tornara um estranho para comigo mesmo.

Ate que um dia de chuva forte fui ajudar o amigo a arrastar seu carinho da enxurrada e ele acabou por ser atropelado, senti a perca daquele ser como se fosse meu próprio irmão.

E durante o caminho ate o hospital ele me entregou seu único documento que era uma certidão de nascimento, e me pediu para que a usasse, pois ele era sujeito limpo sem passagem pela polícia.

Relutei de inicio, mas diante daquele olhar acabei por aceitar, com a morte do amigo sai vagando pelas ruas sem destino, parei em uma barbearia e cortei o cabelo, em seguida comprei uma roupa usada.

A chuva continuava incessantemente, e assim foi por quase uma semana, acabei por procurar a repartição pública competente e fazer minha carteira de identidade, tive medo de ser descoberto, mas deu tudo certo.

Fui para a rodoviária e deixei o destino conduzir minha vida, peguei o dinheiro que tinha fui ate o guichê e olhei os valores das passagens, meu dinheiro daria para comprar uma passagem de ida para um local que nunca tinha ouvido falar.

Não tive duvidas comprei a passagem e embarquei, com o fim da viajem cheguei ao meu destino, arrumei emprego de carregar caminhão em um deposito de material de construção, o serviço era pesado por isso às exigências eram mínimas.

E com o passar dos dias coloquei a documentação em ordem, me matriculei em uma escola noturna e voltei a estudar, e de vez em quando eu ouvia minha história ser contada na televisão.

O andarilho não se contem e pergunta. Como assim ?

Para não assumir o fracasso da minha fuga inventaram minha morte afogado durante a perseguição, e meu corpo nunca havia sido encontrado, falavam que minha história ia virar filme.

De inicio achei ruim pela minha família, mas depois vi que era o melhor para mim, pois todos iriam sentir que a justiça havia sido feita e me esqueceriam.

E assim toquei minha vida, estudando e trabalhando usando um nome que não significava nada para o mundo, um ser que foi apenas estatística, nunca teve família foi criado nas ruas, não tinha nem o nome do pai em sua certidão de nascimento.

Apaixonei-me por uma colega de escola que também procurava direcionar sua vida através dos estudos, e depois de algum tempo juntos contei-lhe toda a verdade.

Acabamos nos casando e ela me incentivou a procurar minha família para abrandar o coração daqueles que eram meu próprio sangue e minha antiga realidade.

Já haviam se passado quase dez anos quando resolvi procurar minha família, no reencontro com os meus foi momento de extrema alegria, minha mãe me falou que sabia que eu não estava morto e que um dia voltaria.

Como eles moravam de favor nas terras de um velho conhecido deixaram tudo para trás e me acompanharam, mudaram se todos para minha casa, papai mamãe e dois irmãos.

E juntos seguimos nossa jornada, como papai entendia tudo de manejo com o gado logo ele se ajeitou, e aos poucos aprendi com ele, e com o pouco que conseguia guardar comecei a comprar e vender gado.

E assim construí meu patrimônio aos poucos, me tornei muito conhecido entre os criadores de gado da região e com meus contatos fiz varias parcerias, que me rendeu muitos amigos e dinheiro suficiente para comprar estas terras e ajudar toda minha família.

E nessa jornada cheia de altos e baixos consegui me conectar com forças que sempre me direcionaram, e hoje sei se não estivesse acontecido tudo como aconteceu talvez não tivesse a vida que tenho hoje.

Sei que tudo que acontece e para nosso crescimento, e se passamos por tantas provas e por que tem algo maior por trás, somos todos frutos de nossos próprios fracassos e vitórias.

O andarilho sente aliviado com o final daquela história e acaba por agradecer aquele homem por ter a confiança de lhe ter dito tudo aquilo.

O homem sorri e diz ao andarilho.

Meu caro você se parece muito com aquele catador de papel que me deu a oportunidade de seguir minha vida, dando seu próprio nome a um desconhecido, quando o vi sabia que uma reconexão do destino estava dando-me a oportunidade de agradecer aquele ser que tanto me ajudou.

O andarilho sente se consternado com tudo aquilo e diz ao homem.

Sabe lá não meu amigo, vai ver que a missão daquele homem era te redirecionar em seu eixo, e te preparar seguindo você em múltiplas existências, te guiando no plano terrestre e orientando no plano superior.

A história termina, e já e alta madrugada, o vento frio sopra obrigando aqueles seres a buscarem o descanso necessário para a continuidade da carne, os dois levantam sorrindo e cada um procura o local de repouso.

E assim a jornada continua o andarilho não sabe onde será o amanhã, mas não se preocupa, pois o plano superior ira direcionar seu caminho para que ele leve a luz e a paz aqueles que sofrem e buscam entendimento.

O livro contos reflexivos do andarilho do pluriverso se encontra pronto, aguardando editora para publicação.

Paulo César de Castro Gomes.

Graduado em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira Goiânia, pós-graduado em docência universitária pela Universidade Salgado de Oliveira Goiânia, pós graduando em Criminologia e Segurança Publica pela Universidade Federal de Goiás. (email. paulo44g@hotmail.com)