CONTOS REFLEXIVOS DO ANDARILHO O MASCATE.
Um caminhão seguia por uma rodovia deserta no nordeste do pais, e durante forte subida cheio de muambas, o sol e quente a jornada e longa, o homem começa a diminuir a velocidade do caminhão, pois percebe um ser que anda vagarosamente sobre a alta temperatura e espera pelo viajante solitário. Aos poucos o andarilho o alcança.
O homem oferece uma carona ao andarilho, pois vê que o ser caminha com dificuldade, e ajuda por ali por tão cedo não aparecera. O homem para e o andarilho sobe na boleia do caminhão.
Após algumas horas de viagem o homem faz uma parada para esticar as pernas sentam-se ao lado do caminhão aproveitando a sombra da carroceria para descansar, o homem tira um cigarro de palha do bolso e ascende.
Tom calmo voz serena, o homem tira uma vasilha de plástico de dentro do caminhão, da um pouco a sua companheira e divide o resto da farofa com o andarilho.
E ali sentado debaixo da sombra da carroceria as margens da rodovia os dois começam a comer e conversar.
O homem se apresenta como Paraíba, pois sempre o chamaram por este nome, e um ambulante, vende rede colheres de alumínio e vários utensílios de madeira.
O andarilho já viu quase de tudo, mas um ser que viaja longas distancias buscando objetos quase que insignificantes, suportando todas as intempéries de uma longa viagem não e para qualquer um.
O homem diz que nasceu na Paraíba, vivia de casa em casa, pois não tinha família, e um dia entrou dentro de um caminhão para ir vender rede em são Paulo.
No começo foi bom, apesar da pouca leitura sabia fazer conta e dar troco, e assim foi seguindo seu caminho.
Foram muitas idas e vindas, em varias cidades por todo o pais.
Ate que em uma dessas viagens conheceu uma conterrânea sua e começou a namorar.
Lutaram muito, juntaram cada centavo que puderam, comiam farinha com rapadura, mas apos cinco anos conseguiram comprar uma caminhoneta velha.
A vida seguiu e pouco a pouco comprando e vendendo redes, cobertas, colchas conseguiram juntar uma pequena quantia.
E com esse dinheiro e a caminhoneta deram entrada em um caminhão, e começaram o próprio negocio.
Enchiam o caminhão de redes e outras bugigangas, contratavam varias pessoas no interior da Paraíba e seguiam rumo a festas de cidade em cidade, por todo interior do país.
Com o passar dos anos e a vida mais tranquila compraram uma chácara e encheram de barracos, onde eles colocavam os imigrantes trazidos do nordeste e suas famílias para morarem.
Ela ficava na capital cuidando de tudo e ele seguia para o nordeste em busca de mercadorias.
Com os anos de serviço e muita dedicação conseguiram juntar um patrimônio razoável.
Ela ficou muito vaidosa com as conquistas e começou a ir a salões de beleza de gente rica, e se empetecar toda, eu por ter vindo de uma infância difícil preferia economizar,enquanto ela se esqueceu de suas raízes.
Vivia dando conselhos a ela.
Mulher pare de gastar, dinheiro não aguenta desaforo.
Ela nem se importava, e cada vez gastava mais, vivia me dizendo para aproveitar a vida.
Ate que em uma das viagens ao sertão encontrei um sobrinho dela, moço bom e humilde, muito trabalhador, e acabei trazendo ele para morar conosco.
Ela ficou muito feliz, e vivia agradando o rapaz era só presente caro, ele ia com ela de um lado a outro, ate nos salões de beleza.
E eu continuei minha rotina, só viajando em busca de mercadoria, economizava ate no lanche para sobrar mais.
Mas não adiantava ela ficava cada vez pior, e ate o sobrinho entrou na dela, mudou o jeito de vestir, de falar, o corte de cabelo, ficou parecendo um boneco.
Mas eu não dava importância achava tudo normal, não demorou muito os boatos começaram a surgir.
E em uma das viagens o velho Chico, companheiro de jornada me abriu os olhos e me disse que quando eu estava fora à relação não parecia ser de tia e sobrinho, os dois eram um chamego só.
De inicio não acreditei, mas fiquei com a pulga atrás da orelha, mas preferi ficar quieto e esperar o momento certo para tirar a historia a limpo.
O andarilho pergunta ao homem.
Paraíba como você conseguiu se controlar diante de tanta desconfiança.
O homem abaixa a cabeça e fala ao andarilho.
Meu caro tudo na vida tem o momento certo para tudo, de nada adianta se desesperar, já passei por coisa muito pior, e suportei calado sem me manifestar.
Mas voltemos à história.
Em uma das viagens passei mal, custei chegar, e depois de entregar a mercadoria o velho Chico que era meu funcionário mais antigo me levou ao medico.
Eu estava com problema de hérnia, a cirurgia foi no mesmo dia, o medico me disse que se tivesse passado mais tempo eu teria morrido.
Foram alguns dias no hospital e ela não foi me visitar.
Voltei para casa e fui ficar de repouso, ela só ficava me pressionando para voltar a viajar, pois as mercadorias estavam no limite, quase acabando, e se eu não repor não poderíamos continuar os negócios.
O andarilho somente ouve, prefere não expor sua opinião.
O Paraíba continua.
Bem viajante, não gostei do tratamento que ela me deu, e os dias que eu fiquei quieto dentro de casa parecia tirar o sossego dela, ela ficava sem canto, e com isso gastava cada vez mais.
O boneco do sobrinho dela nem me cumprimentava, parecia ter raiva de mim, eu estranhei a transformação do moleque, pois ele era humilde e prestativo, e agora corroído pela ambição fingia não me ver.
Eu acabei me contrariando com toda aquela situação, e resolvi dar um tempo nas viagens ate que tudo se resolvesse.
Ela ficava cada vez mais furiosa, e me falava que se eu não me movesse ela ia enfiar o pé na minha bunda, e ia me colocar para fora de casa.
O andarilho contrariado com o desenrolar da historia pergunta ao Paraíba.
E ai amigo o que você fez.
O Paraíba sorrindo disse ao andarilho.
Ora meu caro eu me fazia de surdo, e quanto mais ela me provocava mais eu ficava quieto.
E nos últimos dias fui morar em um dos barracos feitos para nossos funcionários, não tinha como ficar dentro do nosso sobrado.
E isso fez muito bem a ela, ela se rejuvenesceu comprou mais roupa nova e trocou de carro.
Ate que em uma noite de sábado fui procurar ela para conversar, pois eu estava sem dinheiro, e os cartões do banco ficavam com ela, e quando precisava ela sacava pequenas quantias e me dava.
Ela mal me olhou, pois estava se arrumando para ir a uma festa, e disse que eu me virasse, pois tudo era dela. Ela e quem dava o duro para manter nossa vida.
Não consegui dormir naquela noite, não sai de casa por não ter para onde ir, onde me abrigar de forma digna, fiquei muito mal. Só eu que não via o que estava acontecendo, ou ao menos fingia não ver.
Aquilo foi à gota d’água, cheguei a uma situação que não tinha como piorar mais, não tinha nem o que comer.
O andarilho baixa a cabeça e pergunta ao homem.
E ai meu amigo o que você fez.
Eu procurei o meu velho amigo Chico e fui me aconselhar.
E ele me perguntou sobre o caminhão.
Eu disse a ele que era a única coisa que estava em meu nome era o caminhão, pois era eu quem fazia as viagens, e ela nunca havia se importado com peça tão insignificante.
O velho Chico me deu uma idéia.
O andarilho curioso pergunta.
Que idéia seu amigo te deu.
Ele me falou que estava juntando dinheiro para comprar um lote, havia muitos anos, e que se eu quisesse poderíamos pegar esse dinheiro e sair comprando mercadorias nos antigos conhecidos.
Já que tínhamos como vender e tirar um lucro razoável para eu ir vivendo, a principio achei uma idéia meio louca, mas acabei concordando.
Na terça feira a tarde peguei o caminhão, coloquei o amigo dentro e saímos atrás de mercadorias, viajamos para o nordeste, no domingo a tarde eu cheguei, guardei o caminhão no posto de gasolina de um velho conhecido e fui descansar.
O andarilho pergunta pela mulher.
O Paraíba continua.
Olha meu amigo, ela não me procurou, e imagino que nem sentiu minha falta.
Comecei a viajar novamente, e saia na segunda feira, abastecia o caminhão e pegava a estrada, eu e o Chico, andavamos o dia inteiro, e como éramos bem conhecidos, começamos a comprar e vender nossa mercadoria. E logo apos a primeira viajem vendemos mais que o suficiente para cobrir os custos.
O que sobrou era o lucro, e ao final de três dias pouca coisa restava, dividi meio a meio com o amigo, depois fui a uma agencia bancaria e abri uma conta e assim consegui dinheiro para ir me mantendo.
Fiz tudo no mais absoluto sigilo, não falei nada para ela, e como eu não significava nada ela nem me procurou para saber se eu precisava de alguma coisa.
E assim os meses se passaram, guardei cada centavo, pois queria sair daquela situação o mais rápido possível.
Em uma tarde quando chegamos de viagem um parente do meu novo sócio nos levou para ver um lote na periferia da capital, o Chico gostou muito principalmente pelo tamanho do imóvel, pois cabia ate o caminhão.
Depois fomos para a casa do parente dele comemorar nossas vitorias, e eles acabaram me convencendo de comprar um lote também.
Três meses depois me mudava para minha nova casa, sai do meu antigo lar sem ser visto, e com uma mão na frente e outra atrás, me senti o pior dos seres, mas não corri atrás do que era meu por direito, fiquei apenas com o caminhão.
O andarilho reflete sobre os fatos que se deram na vida do homem, e vê a ingratidão do ser humano, e o quanto a vaidade e a ambição corrompem os seres despreparados para a realidade.
Como uma mulher pode fazer aquilo com ser tão humilde e simples, que passou por tantas privações na vida, mas a lei do retorno não perdoa quem age tão levianamente com os inocentes.
E de forma simples o humilde homem continua sua história.
E depois de refazer minha vida continuei fazendo o que sabia fazer, reduzi o número de viagens, pois não sabia que ganhava tanto dinheiro, e o que estava ganhando era mais que o suficiente para manter uma vida tranqüila.
Ate que um dia quando cheguei de viagem ela estava na porta da minha casa, quando me viu já veio me chingando de ladrão e traidor, que eu tinha tomado tudo que ela tinha.
De inicio não entendi, e quando ia tentar conversar chegou uma viatura da policia militar que o sobrinho dela tinha chamado.
O andarilho pergunta ao Paraíba o porquê do sobrinho dela ter chamado a policia.
O Paraíba rindo com o cigarro de palha na boca lhe responde.
Olha meu caro o rapaz achava que eu estava roubando ela com o fruto do meu suor.
O andarilho agora sorrindo, pergunta. Roubando como.
O Paraíba da mais uma baforada no cigarro e continua.
Com a minha saída de casa ela se sentiu mais a vontade ainda, e resolveu curtir a vida, o que ela parecia não saber e que o dinheiro acaba, pois ela nunca viajou de caminhão comigo.
Eu ia de porta em porta comprando pequenas quantias de mercadoria, e que ate eu me firmar demorou anos.
Anos estes que ela estava esbanjando sem saber dos sacrifícios que eu passava na estrada, com sol, chuva, caminhão quebrando.
Ela apenas recebia a mercadoria e vendia, e nunca se preocupou com minhas necessidades, com a fome o frio a sede a poeira, as noites dormidas na carroceria do caminhão.
Pois os lugares aonde eu ia não tinha hotel ou banho, fazia minhas necessidades no meio da caatinga.
Enquanto eu passava por tudo isso ela ia a salões de beleza e festas, só curtindo a vida sem se preocupar com o amanhã.
E deu no que deu acabou sem nada, agora as amigas de salão de beleza, e das futilidades sumiram.
Bem meu caro andarilho voltemos a porta da minha casa.
O andarilho sorrindo diz.
Então voltemos à história.
Com a chegada da policia o alvoroço estava formado, a rua cheia de vizinhos, ate que o comandante da viatura da policia militar me chamou em um canto para conversar, e o cabo chamou ela para o outro lado da rua para separar a contenda.
O sargento calmo e educadamente me perguntou o que estava acontecendo.
E eu com muita calma e resumidamente lhe expliquei.
Depois ele foi ter com ela.
Ela estava histérica e gritando muito com ele.
Ao final ele nos reuniu e perguntou se queríamos ir ao distrito policial para registrar uma ocorrência.
Ela a principio fazia questão de ir, mas como o policial lhe explicou como as leis funcionam e como deveriam ser feitos os procedimentos ela acabou desistindo, pois viu que ela não tinha a mínima razão.
Ela quando viu que estava tudo perdido tentou reatar, eu vi os olhos de fúria do sobrinho dela.
O andarilho agora vibrando com o desenrolar da historia pergunta ao Paraíba.
E ai Paraíba o que você fez.
Olha meu caro apenas pedi que ela seguisse a vida dela, e que procurasse outro meio de vida, pois vender os produtos que vendíamos não tinha mais como.
Pois ela não sabia como comprar.
Ela começou a chorar, entramos para dentro da minha casa e eu contei a ela tudo que passei para construir nosso patrimônio, de todas as necessidades e aflições.
E no final ela e o sobrinho reconheceram os erros e as traições, me pediram perdão, eu perdoei, sem um pingo de remorso no coração.
Ela viu que não tinha mais jeito, se despediu e resolveu seguir sua vida.
Agora com o novo marido, que era o sobrinho dela por quem ela estava muito apaixonada.
Fiquei feliz em ter resolvido tudo de forma pacifica e tranquila.
Arrumei uma nova mulher no sertão da Paraíba, e hoje ela me acompanha de cidade em cidade enquanto o velho Chico cuida de tudo para nos aqui na capital.
A cada ida e volta que faço em busca das mercadorias, o sócio presta conta de cada centavo do que entrou e do que saiu.
E assim vivemos todos como uma família, em clima de harmonia e muita prosperidade.
O andarilho sente-se feliz pelas conquistas de homem tão franzino e humilde, que passou por tantas adversidades e conseguiu manter a cabeça no lugar.
Pois se fosse outro no lugar dele ia viver cheio de revolta e amargura.
Talvez em um presídio.
Talvez caído no meio da rua dominado pelo álcool.
Talvez. Muitos talvez.
Mas o pobre Paraíba resolveu acreditar em deus e com muita força e trabalho tomou o que era seu por direito.
E a mulher Paraíba. Pergunta o andarilho.
Ah.
Ela vive feliz.
Trabalha dia e noite de diarista, enquanto o boneco fica dentro de casa sem mover uma palha, ele só bebe cerveja e vê televisão.
O importante e que ela se sente bem assim.
E eu daqui trabalho e gasto o necessário para sobreviver, não tenho planos de me aposentar, apenas de diminuir o ritmo do trabalho, para viver mais com minha mulher e meus filhos.
Assim o Paraíba termina de contar sua história ao andarilho.
O caminhão para em um posto a beira da estrada para mais um pequeno descanso, todos comem no humilde restaurante que tem por ali como uma família que se acaba de reunir.
Todos riem de piadas sem graça e sem sentido.
Mas coração e alma leve traz felicidade no simples respirar.
Imagine os seres de luz se confraternizando.
O universo sopra o ar da alegria felicidade e contentamento.
E assim se segue ate o fim da longa viajem.
E quando tudo termina só restam lembranças de momentos felizes que o andarilho nunca ha de se esquecer.
Paulo César de Castro Gomes
Graduado em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira Goiânia, pós-graduado em docência universitária pela Universidade Salgado de Oliveira Goiânia, pós graduando em Criminologia e Segurança Publica UFG. (email. paulo44g@hotmail.com)
LIVRO PRONTO AGUARDANDO EDITORA PARA PUBLICAÇÃO.