CONTOS REFLEXIVOS .O ANDARILHO E O CATADOR DE PAPEL
Era um dia de domingo como outro qualquer, pouco transito, ruas vazias, pouca gente andando, ônibus vazio, enfim tudo dentro dos parâmetros normais, o sol estava forte queimando a pele de quem ousava desafia lo, ventos fracos, calor escaldante, o andarilho parou próximo a um restaurante, que por sinal estava muito movimentado, famílias inteiras chegando, e outras aguardando seus familiares, alguns com presentes nas mãos, foi ai que o nosso caminhante se deu conta que era dia dos pais, uma lembrança nada mais, o andarilho lembra se que um dia teve um também, a imagem do pai lhe vem à mente, homem bom, grande mestre, foi um exemplo, hoje, apenas luz e fonte de inspiração, o caminhante afasta se e abriga e debaixo de um arbusto no meio do canteiro central de uma ilha, para aguardar a hora de o restaurante fechar, com a intenção de pedir um pouco de comida, ele tinha nas mãos uma vasilha que era de plástico branco, que outrora vinha cheia de sorvete, as pessoas o vêem, mas não o enxergam e um ser invisível ao sentimento dos que por ali transitam, as horas passam, no momento oportuno ele se aproxima para pedir o alimento, e junto a ele outro caminhante, com a mesma intenção, era um catador de papel. Vem um homem pega a vasilha de ambos e logo retorna com os recipientes cheios de comida, os dois se entreolham, satisfação mutua, e mais um dia, somente isso, pois quem mora nas ruas vive um dia apos o outro, sem garantia nenhuma do dia seguinte, vivem o hoje, o amanhã uma incógnita, sai os dois em direção a uma praça dois quarteirões abaixo, um puxando um carrinho de papelão e o outro carregando os recipientes vitais ao seguimento existencial, o catador de papel para novamente caminha ate uma lixeira e pega uma garrafa pet que outrora veio cheia de refrigerante de marca muito conhecida, a pequena jornada ate a praça tem outra interrupção, o homem vai ate um posto de gasolina enxágua a garrafa em uma torneira e enche de água, pronto chegaram na praça, o carrinho do catador fica estacionado próximo ao meio fio, procuram uma sombra e ali se encostam e cada um com sua vasilha e começam a comer, momento sagrado nem se olham, os minutos se passam, pronto, corpo e alma satisfeitos, sorriso nos lábios essa e a satisfação de quem consegue comer o suficiente para matar sua fome, e naturalmente começam a conversar. Todos sentimos essa necessidade, mas quantas vezes na vida paramos para conversar com um catador de papel, saber sua historia o que levou aquele ser humano aquela situação. O homem do nada começa a contar sua historia, o andarilho ouve atentamente como se estivesse ouvindo um filho, em poucos minutos o homem transmite conhecimentos de uma vida, ao caminhante de universos paralelos,o locutor continua, olha moço eu era casado, tinha dois filhos uma mulher dedicada, tinha uma eletrônica, vivia de fazer reparos em aparelhos de som e televisão com defeito, minha vida era tranquila não tinha do que me queixar, sempre rodeado por familiares, tomando uma cervejinha e outra, era normal sempre que fechava a eletrônica passava em um bar próximo e tomava duas ou três, e com o tempo o numero de garrafas foi aumentando, ate que perdi o controle, comecei a passar o dia inteiro no bar, era só pegar dinheiro já começava a beber, as brigas em casa se tornaram cada vez mais frequentes, começou a atrasar a água, energia, não tinha nem para comprar o gás,as cobranças da esposa só foram aumentando ate chegar ao limite, a vida a dois se tornou insuportável, os filhos já sentiam vergonha de mim, o fim do relacionamento se tornou algo certo, com o fim do casamento tentei me reerguer mais foi inútil não tinha forças, fizeram de tudo tentaram ate me levar para uma clinica de recuperação de alcoólatras, mas eu não aceitei, achava que poderia sair daquela situação sozinho, foi ai que o inevitável aconteceu, acabei indo morar nas ruas, sozinho e sem dinheiro, parti em busca do que fazer, de inicio tentei vigiar carros, mas não deu certo pois todos os locais que tentei já tinha alguém, a disputa e Acirrada vence sempre o mais forte, mas eu não tinha forças para enfrentar a tantos e tão bem armados homens, tomei ate uma facada de um jovem rapaz, quase morri pois perdi muito sangue, se não fosse um policial que passasse por ali no momento dos fatos já não estaria eu aqui a lhe contar minha historia, não demorou muito e me recuperei, a vida seguiu, e como não tinha mais nenhum documento para buscar um emprego de carteia assinada resolvi ir a um deposito de material Reciclado junto de um amigo que conheci nas ruas, e com suas referências consegui este carrinho para dar continuidade a minha jornada existencial, catava lixo que pudesse ter alguma valia durante todo o dia, era cobre vindo de pedaços de fio, torneiras velhas, pedaços de alumínio, papelão e tudo mais que encontrasse, vendendo no final de cada jornada, depois comprava o que comer, e quando a noite cobria o mundo com o manto escuro eu me encostava em qualquer lugar que me oferecesse abrigo e por ali sempre passando as noites e no dia seguinte tudo sempre recomeçando, essa e minha rotina, o andarilho olha para aquele homem e vê uma pessoa determinada, mas sua luz se apagando lentamente pela desesperança existencial, e pergunta ao homem se teve noticias da família alguma vez, o homem então com a paciência de quem não tem um relógio no pulso da continuidade a sua historia, amigo um dia me enchi de coragem e fui em busca do recomeço, tomei um banho em uma torneira que havia em uma construção abandonada próximo ao deposito de recicláveis, vesti uma roupa nova que comprei dos ambulantes que povoam as avenidas centrais desta cidade, enchi de coragem e fui ate minha antiga casa, parei em frente ao portão tremendo por dentro mas controlando as emoções, bati palmas chamei em voz alta pelo nome do meu antigo amor e nada, chamei pelos filhos, o silencio continuou, insisti novamente, surgiu uma mulher na fresta do portão, perguntei pelos moradores da casa, ela me disse estar morando ali a pouco tempo e não conhecer as pessoas que eu procurava, entrando em seguida para dentro de casa e só me restou o barulho de uma porta se fechando, desci a rua vagarosamente fui ate o bar que frequentava, parecia ter um aspecto antigo, ao entrar respirei aliviado tudo parecia ser tão diferente não era definitivamente o lugar que vivi outrora , mas ali estava um rosto conhecido, era o dono do bar e antigo amigo, ele não me reconheceu eu então relembrei da época em que era seu freguês, e ele Vagarosamente foi se lembrando de mim de acordo com que eu ia falando sobre o passado, e quando falei da eletrônica tudo veio à mente, ele se lembrou de tudo novamente, então perguntei pela minha família, o dono do bar começou a falar, olha amigo com sua partida a situação da sua esposa foi ficando cada vez mais difícil, ela adoeceu seu filho saiu em busca de emprego e também não retornou mais, ela chegou a passar fome junto com seu filho caçula, sobrevivia com ajuda de antigos amigos, ate que vencida pela desesperança, resolveu partir, ela sempre esperou seu retorno, mudou se em uma noite chuvosa não vi nem o momento em que ela partiu, fiquei muito triste ao ouvir tudo aquilo, e o dono do bar prosseguiu, você parece não se dar conta de que o tempo passou já se foram mais de vinte anos, tudo mudou, alguns morreram outros já estão velhos e cansados assim como eu, e preferem ficar dentro de casa vendo televisão ou cuidando dos netos ou de suas plantas, saem de casa para ir a igreja, e os rapazes que hoje circulam por aqui são filhos e netos dos antigos amigos, e que ocupam o lugar que um dia foi nosso por direito, e que hoje pelas forças da natureza não nos pertence mais, caro amigo creio que você não sentiu tanto por estar sempre vagando, e não ter se encaixado em lugar algum pois quem mora no mundo, as ruas são o quintal de sua casa, e por não ter preocupações rotineiras não se dão conta do correr dos dias, você não fixou raízes, vive sobre a terra levado pelas necessidades diárias, vagando sem compromisso, onde o amigo de hoje e um desconhecido do amanhã, e se algum dos seus filhos passarem por você aqui neste momento, com certeza não será capaz de reconhecelo, o ouvinte baixa a cabeça e diz, e verdade não me dei conta que se passaram tantos anos, e com o semblante pesado pergunta ao dono do bar, amigo você nem imagina para onde ela possa ter ido, não poucas pessoas devem se lembrar dela, ate porque era uma mulher que não saia de casa, e o assunto foi chegando ao Fim, pois a imutabilidade temporal age pesadamente sobre aqueles que fraquejam em sua missão terrena, são devedores de si mesmo diante dos erros e das decepções causadas a si e aos outros companheiros de caminhada, o tempo cósmico e o tempo dos mortais corem pelas ampulhetas do criador, e não tem como voltar ao passado para possíveis reparos, a conversa chegou ao fim, agora me dei conta do que fiz da minha vida, retornei as ruas e continuei fazendo o que havia me adaptado a fazer, vivendo um dia apos o outro, sem a certeza do amanhã, a única verdade que tenho e a fome, ela e que me faz sentir vivo, e ir em busca do alimento que me da a certeza que ainda faço parte deste plano, o homem se cala, o tempo parece ter parado algo de incomum, mas uma verdade constante na vida do andarilho, o homem não parece ser tão velho mas o espírito esta curvado e de joelhos,vencido pelo cansaço e pelo remorso, e como ele quantos na mesma situação, cada ser em seu mundo próprio, galáxias que não se comunicam, cada um com uma impressão digital, um numero de CPF, uma carteira de identidade, o que e comum para todos e desnecessário para o universo, cada ser e único, assim como cada coisa, e que se acaba na coisificação do ser, somos um rosto, todos iguais internamente, nosa diferença esta no lado externo,e ao final alienígenas em nosso próprio planeta, quando se busca por alguém busca se pelo numero, te perguntam qual o numero do seu RG, ou qual e o numero do seu CPF, assim também e a natureza, pois cada folha de uma mesma arvore tem sua impressão digital, e única, pensar de mais me confunde, não pensar em nada não faz parte da minha espécie, e com suas indagações o andarilho segue seu caminho, buscando a razão da existência do ser, e da sua própria.
Paulo César de Castro Gomes
Graduado em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira Goiânia, pós-graduado em docência universitária pela Universidade Salgado de Oliveira Goiânia, pós graduando em Criminologia e Segurança Publica pela Universidade Federal de Goiás. (email. paulo44g@hotmail.com)
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