Demônios Pessoais
Demônios Pessoais: tenha já o seu!
Entre os corpos que queimaram na inquisição estavam aqueles dos condenados por viverem ao lado de um demônio que cumpria as funções de conselheiro, espião e protetor. As vezes estes demônios eram retratados possuindo um corpo humano, mas quase sempre assumiam a forma de animais: Corujas, Sapos, Lagartos, Morcegos, Cães e Gatos, entre os mais populares. Segundo o livro 'Martelo das Bruxas', o guia geral desta insanidade histórica, estes companheiros eram espíritos guardiões da arte da bruxaria e estavam sempre vigiando ou acompanhando os feiticeiros. Eles recebiam o nome de Familiares, uma vez que estavam tão próximos que era como se fossem da sua família. Na prática, qualquer oponente político da igreja podia ser condenado por ter gato ou cão doméstico. E mesmo se não tivesse era possivel que um corvo, coruja ou sapo rodeasse sua casa e visitasse este discípulo de Satã quando ninguém observava. Isso poderia ser comprovado caso a pessoa possuísse alguma mancha, ferida ou cicatriz no corpo, a "marca do Diabo" por onde ele alimentaria seu pequeno demônio com o próprio sangue. Em caso de nenhuma ferida ser encontrada, ainda era possível que o familiar e a marca fossem invisíveis e que esta só poderia ser encontrada usando as ferramentas de tortura costumeiras. Enfim, todo bruxo ou bruxa estava sempre acompanhado de seu demônio familiar. Veremos a seguir, que ao dizer isso, a Inquisição estava absolutamente certa.
Phrin, Rapho, Robin, Zewuiel, entre outros... Durante as seções de tortura as bruxas até identificavam estes familiares pelos seus nomes, que eram então registrados pelos demonologistas da época. Bem verdade que se confessa qualquer coisa quando quem pergunta tem uma bíblia na mão e uma pinça com brasa quente na outra. Entretanto a ligação dos animais serviçais com a feitiçaria tem mesmo seu fundo de verdade. Cornelius Agrippa possuia um cão negro chamado Monsieur com o qual conversava enquanto LaVey, mais extravagante, preferia amizade com seu tigre Togare. Relata-se que no século XIV, Leopoldo, irmão do duque Frederico III da Alemanha tentou usar Truwesniet, o espírito familiar de um feiticeiro contratado para libertar seu irmão da prisão. Um século antes, já houve ainda um papa chamado Bonifácio VIII, entusiasta do estudo da feitiçaria que era conhecido por possuir um espírito familiar. Não por coincidência este papa tornou-se um dos personagens a habitar o Inferno descrito por Dante Alighieri em sua Divina Comédia.
Um demônio pessoal, portanto não é uma idéia nova e não se deve apenas a fértil imaginação dos caçadores de bruxas. Ela remonta a antiguidade. Homero usou a palavra δαίμων (dáimon) para descrever este tipo de ser divino. Enquanto θεóς (theos) expressaa personalidade do poder ou força divina, dáimon designava sua atividade, via de regra uma intervenção sobrenatural súbita de alerta ou advertência não originada de nenhum deus do panteão. Sócrates, mentor de Platão, alegava ter seu próprio dáimon. Sócrates dizia ouvir freqüentemente uma voz que lhe advertia contra algumas coisas e lhe transmitia mensagens e ensinamentos. O ponto que quero destacar aqui é que este demônio nunca entrava em argumentações racionais com Sócrates, conhecido por seu gosto a conversação, mas simplesmente dava suas mensagens como um alerta da consciência.
Isso não causava qualquer espanto na época, era crença comum entre os gregos acreditar na existência destes daimons que acompanham um indivíduo desde o seu nascimento e que muitas vezes influenciava o curso da sua vida. Um daimon era considerado um intermediário entre os deuses e os homens, sempre pronto a falar para aqueles com ouvidos prontos para ouvir. Como vimos, para Sócrates seu demônio não era dado a racionalismos, entretanto Platão, este percursor da degeneração cristã, identificou o demônio pessoal com os elementos da razão. Antes não havia preocupação moral, um daimon poderia ser bom ou mal para os padrões humanos dependendo do ponto de vida, mas Platão em Timaeus lhes deu o cargo de guia espiritual, de modo que praticamente os igualou ao que chamamos hoje de super-ego freudiano. E na minha opinião ao fazer isso ofendeu grandemente meus amigos demônios.
Chamar contudo os demônios pessoais de irracionais é errar de novo pelo extremo oposto. Mais do que isso, é tentar entendê-los pelos critérios errados. Os familiares, como também gosto de chamá-los, não são irracionais, são anteriores a razão e estão acima dos ditames da lógica. O fato dos inquisitores o identificarem sempre com animais é muito significativo. Os animais representam a porção mais antiga de nossa mente que já estavam por ai muito tempo antes de acharmos que nossas abstrações mentais poderiam conter todo o universo. Por este motivo eles sempre foram respeitados nos templos da antiguidade, mesmo os deuses eram em geral retratados com caracteristicas animalescas. Anúbis com sua cabeça de coiote. Frey como um javali. Chifres para Pã e Asas para Belzebu. A lógica das religiões da luz branca perverteram este entendimento e não apenas transformaram os deuses animais em demônios como também exigiam que os animais, antes adorados fossem sacrificados ao seu Deus. Veja Genesis 4:4, 8:20, 22:13 só para citar alguns exemplos.
O problema é que por mais que alguém tente matar o animal dentro de si, sua própria animalidade não pode ser extirpada sem extirpar-se junto a própria vida. O mais controlado dos ascetas ainda vive sempre na companhia de seu animal interior, especialmente quando está sozinho. É neste sentido que digo que todo homem e toda mulher estão sempre acompanhados de um demônio familiar. Este guardião aparece em momentos de vida ou morte, e é aguçado sempre que experimentamos sensações próprias de quem tem um corpo de carne. Não é interessante o fato que os gregos também identificaram diversos daimones com estes estimulos? Sono, Líbido, Alegria, Ödio, Medo, Morte, Velhice são alguns bons exemplos desta enorme família.
Modernamente foi Carl Gustav Jung um dos homens que resgatou a importância do contato com nossos demônios pessoais. Para Jung, estes guardiões são parte do inconsciente coletivo para diferenciá-lo de nossa consciência normal. Ele os via como "substratos psíquicos comum de natureza suprapessoal", que não é adquirido, mas herdado. Ele mesmo tinha um destes guias, de nome Philemon, que segundo ele mesmo teve participação crucial no desenvolvimento de sua vida e obra. Jung não entendia Philemon como um fenômenos objetivo que podia operar internamente por meio de seus sonhos, inspirações, pensamentos e fantasias, ou externamente por meio de visões e aparições. Vale ressaltar que ele não tratava este seu demônio como unicamente interior classificando as todas as aparições exteriores como meras projeções, pois considerava que a psique humana não estava limitada pelo nosso corpo. Essa é a idéia que quero propor de demônio pessoal, ou familiar. Não uma mera metáfora para uma parte da personalidade, mas como um ser trancedente. Mas cuidado com esta última palavra; por "transcedente" não quero dizer além da realidade, a distinção não é entre o interior e o exterior, mas entre o pessoal e o impessoalidade. Em certo sentido os demônios podem ser os dois ao mesmo tempo.
Este demônio pessoal pode ser experenciado, portanto é tão real quando o amor ou um pedaço de picanha. Ele está mais próximo de você do que sua veia jugular, mesmo quando o negamos ou tentamos fingir que ele não está lá. Durante a existência da Igreja de Lúcifer, em meados dos anos 90 aprendi com o notável Lord Ahriman uma técnica para se conscientizar deste animal guardião que está sempre conosco. Não era preciso preparar o altar nem mesmo necessariamente ser feito dentro da camara ritual previamente arrumada.
Ritual de Contato com o Demônio Familiar
Sente-se confortavelmente e feche os olhos em um ambiente calmo, silencioso e que não esteja iluminado demais. Assegure-se também que a temperatura esteja normal e que você não será incomodado por ninguém. Concentre-se então nas manifestações de seu corpo, preste atenção em sua respiração, o batimento de seu coração e em todas as funções internas que você normalmente não presta atenção. Busque despertar a consciência que existe um lado seu que permanece constante desde que você nasceu. Perceba que independente de suas crenças ou modo de vida, você vive constantemente em dois mundos e que o mundo interior, ignorado ou não está sempre lá.
Estando dentro deste outro mundo, invoque mentalmente seu familiar para se manifestar. Mantenha a mente limpa para que ele possa surgir por si mesmo e aguarde surgir em sua mente uma manifestação de sua forma, usualmente no corpo de um animal. Se desejar poderá perguntar então o seu nome, para usos mágicos futuros, nome este que deve vir também por meio de uma resposta mental.
Esta é um processo interior e talvez nas primeiras vezes o demônio pessoal não se manifeste, especialmente se até hoje você nunca buscou um contato maior com este lado de sua vida. Nada, entretanto que a persistência não resolva.
Como utilizar seu Demônio Familiar
Sabendo a forma e o nome de seu familiar você poderá utilizá-lo como uma ferramenta muito interessante para acessar recursos ocultos de seus instintos e intuição. Seguem alguns exemplos de como isso pode ser feito:
Quando estiver a caminho de algum lugar e estiver indeciso sobre a qual o melhor percurso, feche os olhos e veja o seu demônio familar em algum lugar próximo a você, pergunte então e ele: "Qual o melhor caminho a tomar". Mantenha a mente receptiva e a resposta virá por meio de uma resposta intuitiva mental imediata.
A próximas vez que quiser saber que horas são. Feche os olhos e pergunte ao seu demônio familiar "Que horas são?" visualizando sua imagem tal como ele se revelou. Depois limpe a mente e mantenha-se receptivo para receber a resposta mental. Ela vira de súbito a sua mente. Preste atenção a primeira impressão intuitiva e então verifique sua exatidão no relógio.
Quando encontrar uma pessoa pela primeira vez, antes do primeiro contato imagine a forma de seu Animal demoníaco avaliando, cheirando e rondando o individuo em questão. Pergunte a seguir "Qual sua impressão desta pessoa?" Espere com a mente aberta e receba então a avaliação de seu companheiro. Nas primeiras vezes esta avaliação pode ver como mera simpatia ou antipatia, mas poderá ser aperfeiçoada conforme você e o familiar ganham afinidade.
Caso você seja do tipo que gosta de jogos de azar, leve seu familiar para a mesa na próxima rodada. Fique atento a suas advertências e sugestões. Lembre-se de acatar suas dicas sem tentar entndê-las. Em um outro dia jogue sem a ajuda do seu companheiro. Compare os resultados.
Quando receber uma mensagem, carta, ou quando o telefone tocar ou receber um torpedo, feche os olhos e antes de ver quem é imagine novamente a forma de seu familiar e pergunte: "Quem está entrando em contato?". Aguarde um pouco e a resposta virá por meio de uma resposta intuitiva, Adicionalmente você poderá perguntar em um segundo momento, qual é a intenção do contato.
Quando for a um lugar ou ambiente que não conhece, envie seu familiar na sua frente. Espere ele voltar e então receba as impressões do local que ele apresentar. Compare posteriormente com suas próprias impressões do lugar. Compare novamente com suas impressões depois de uma semana.
Outros usos semelhantes poderão ser encontrados. É muito importante que as respostas sejam aceitas de pronto mesmo se parecerem estranhas a princípio. Evite racionalizar sobre elas quando consultar seu guardião, não permita que pensamentos posteriores modifiquem a sugestão intuitiva que receber. O seu demônio pessoal opera em um nível anterior ao do processo lógico e da argumentação. Pode existir certa dificuldade para receber as respostas precisas num primeiro momento, mas a repetição destas praticas e o reforço do ritual de contato com seu interior pode fortalecer suas aptidões e exatidão das respostas.
Você perceberá com o tempo que as respostas ficarão cada vez mais acuradas. Demônios pessoais não são imutáveis, eles demonstram se desenvolver e se aprimorar tanto quando os individuo que acompanham, com o passar dos anos verá que o nível de comunicação e interação atingem patamares antes insuspeitos. Em um segundo momento poderá perceber que o guardião passa a se manifestar por si mesmo, e não apenas quando é consultado. Um alerta em momento de perigo, uma impressão inesperada revelam que estão se tornando parceiros mais intimos. Jung entendeu isso pois ensinou que no curso da nossa individualização nós nos movemos entre o inconsciente para o inconsciente coletivo impessoal, ou em outras palavras do vegetativo para o divino. O demônio pessoal reflete e acompanha este desenvolvimento.
Para concluir, devo dizer que com o uso do demônio pessoal não quero fazer uma apologia ao uso exclusivo dos instintos em detrimento dos meios convencionais da razão. Instinto puro é também aquilo que adolescentes terem ereções olhando para um pedaço de planta morta e bebês tartarugas sairem da praia rumo as luzes da auto-estrada. O poder do raciocínio e do planejamento não deve ser negado. Graças a eles descortinamos muitos mistérios e conquistamos muitas coisas de valor. A razão é um poder luciferino que deve ser considerado um aliado poderoso. Mas considere apenas que este é um aliado bastante recente evolutivamente falando. A intuição é uma boa e velha amiga que nos acompanhou por milênios e pode ser resgatada e exercitada na forma de um familiar. Minha proposição é apenas que nossa amizade com a razão não nos faça esquecer nossos amigos mais antigos.
AGIOS SATAN!