O Arrependimento

Estava lendo texto, corrigindo os trabalhos dos meus alunos, somando notas, pois sabe como é final de bimestre, os professores tem que dar duro em casa pra corrigir tudo, e se os alunos colaborassem entregando o trabalho na data correta, não haveria atraso nenhum, comecei a sentir algo estranho, um aperto tão grande no meu peito, esses apertos que dão quando agente sente que tem algo de errado, ou que alguém precisa de você.

Não sei o por que mas comecei a lembrar de um fato que ocorreu na sala hoje, adoro todos os meus alunos, tudo bem que nem todos me adoram porque nem todos eles gostam de português, mas hoje em especial percebi que minha aluna Ana estava muito distante, parecia que só seu corpo estava ali e que sua alma estava bem longe, viajando através dos seus pensamentos, ou seria preocupações? Talvez fosse namorado, pois eu já vivi essa idade e sei como é agente fica nas nuvens quando esta apaixonada, eu mesmo vivia suspirando.

Mas eu me preocupei com ela, porque eu não sei o que se passa na cabeça dela, ela não é de conversar muito, esta sempre calada, eu também nunca puxei uma conversa, nunca perguntei como ela estava. Acho ás vezes que ela precisa de mim, por isso sinto esse aperto, mas quando tiver uma oportunidade eu quero falar com ela, me tornar alem de sua professora uma verdadeira amiga.

Hoje tive uma reunião na sala dos professores, quando bateu o sinal peguei minha pasta disse até tchau para meus alunos, e ao sair da sala ouvi uma voz me chamando, parecia uma voz de alguém que não tinha forças para gritar, amedrontada, triste: -Professora Vera... Quando olhei para trás era Ana e estava atrás de mim e eu morrendo de pressa disse:

-Fala rapidinho meu bem porque estou atrasada para reunião,e depois tenho que ir para a casa corrigir os trabalhos, lançar as notas para que o boletim seja entregue no dia marcado.

-Não nada não professora, bobagem.

-Então está bem, até mais.

Estava tão preocupada com meus afazeres que nem dei atenção a Ana, só agora que estou em casa relembrando o que ela me disse que eu percebi que poderia ter dado um jeitinho de falar com ela, vai que ela esta precisando de mim?! Estou arrependida e amanha a primeira coisa que irei fazer é falar com a Ana.

No outro dia fui mais cedo para a escola para que eu pudesse conversar com minha aluna, entrei na sala sentei-me no meu lugar, coloquei o livro de chamada em cima da carteira, toda hora olhava no relógio, enquanto isso os alunos iam chegando, e nada de Ana chegar. Passou do horário da aula começar, e percebi que Ana não estava na sala, meu coração disparou, fiquei nervosa, preocupada, pensando no que havia acontecido com ela.

Precisava saber dela, então perguntei aos outros alunos:

- Pessoal alguém sabe me dizer o por que a Ana não veio para a escola hoje?

Alguns meninos mal educados responderam, como sempre querendo chamar a atenção:

- Aquela menina que não abre a boca pra nada?! Parece uma múmia, vive com os braços enfaixados, não sei como que consegue se machucar tanto. Deve ser de tão feia que é todo dia quando ela se olha no espelho leva um susto tão grande que o próprio espelho bate nela! Começaram a zombar de Ana, no mesmo momento disse:

-Parem com isso agora!!! Vocês não são melhores do que ninguém , tenham respeito com seus colegas seja ele como for!

Senti naquele momento que não conseguiria mais dar aula sossegada, deixei a sala e fui para a orientação procurar o telefone da casa de Ana. Achei o número e liguei, uma senhora atendeu:

-Alô.

-Olá, por favor gostaria de falar com a Ana ela está?

-Olha minha filha eu nem moro aqui, só vim dar um adeus e velar pela alma de minha vizinha.

-Desculpe mas quem faleceu?

-Foi a Roseli, todos os dias eu ouvia os gritos dela e da filha, o marido dela bebia muito e a espancava sempre, ela já estava muito mal e não resistiu.

Fiquei chocada com a história, minha pressão começou a baixar, estava muito nervosa e arrependida por não ter dado atenção a Ana ontem. Ás vezes eu poderia ter ajudado ela em alguma coisa, dar um conselho, ou fazer algo que a ajudasse.

Mesmo assim continue a perguntar:

-A senhora sabe aonde que eu posso encontrar a Ana?

-Realmente eu não sei não moça, desculpe.

-Tudo bem, obrigada.

Tinha que procurá-la, pois ela deve estar muito abalada. Saindo da orientação, veio até a mim uma professora colega de trabalho, dizendo que Ana teria me deixado um envelope ontem antes de ir embora. Peguei o envelope, abri-o rapidamente, e comecei a ler:

“Oi querida Professora Vera, sei que a senhora é muito ocupada, e não pode perder muito o seu tempo, mas precisava muito de sua ajuda. Por isso resolvi escrever o que se passa comigo, pois confio muito na senhora. Eu e minha mãe temos muito medo do meu pai, ele bebe todos os dias tem vezes que dorme até na rua, e quando isso acontece comigo e com a minha mãe podemos dormir em paz. Porque naquele dia nenhuma das duas apanha, mas quando ele volta é sempre a mesma coisa, surra e mais surra, e ainda não podemos nem gritar se não ele fica ainda mais furioso.”

Minha mãe esta muito fraca e doente, se ela levar mais uma surra é capaz de não agüentar, por isso peço sua ajuda, seu conselho pois não sei o que faço, quero tirar minha mãe lá de casa antes que ele volte, faz dois dias que ele não aparece, hoje com certeza e vai pra casa, tenho muito medo do que possa acontecer.

Espero que leia esta carta ainda hoje, e que possa me ajudar estou desesperada.”“.

De sua aluna : Ana.

BeatrizTolotto
Enviado por BeatrizTolotto em 25/01/2007
Código do texto: T357972