ZAZOU - O trágico fim de uma estrela.

ZAZOU

O trágico fim de uma estrela.

A cidade do Rio de Janeiro ansiava pela chegada da grande prima-dona da companhia de dança flamenca mais famosa de toda a Espanha, Zazou. Uma mulher citada por todos os jornais europeus como a mais atraente dama de todo o continente, dizia-se até que, ninguém antes conquistara uma legião de fãs tão poderosa e anunciavam honrosamente que não havia homem no mundo que pusesse os olhos em Zazou e não jogasse suas riquezas a seus pés logo em seguida.

Agora a cidade maravilhosa receberia com honra a tão encantadora dama no seu mais rico cabaré, um lugar de muita pompa, onde só eram bem-vindos os coronéis do ciclo do café, homens que podiam pagar as mais caras jóias para as suas concubinas, homens que não se importariam em dar o que fosse para ter Zazou nos braços, porém, Zazou não era uma qualquer, Zazou jamais fora meretriz e jamais precisaria ser, afinal, tudo o que desejava de um homem teria atrás de sua dança, a fantástica dança flamenca, capaz de enfeitar a todos os seres que pusessem seus olhos sobre a dançarina.

Zazou entrou em cena no Rio de Janeiro então, a casa estava lotada e ela não se fazia indiferente ao progresso de sua fama, Zazou sabia reconhecer o amor de sua platéia e sabia retribuir a ela sua verdadeira gratidão, entretanto, não aturava ver alguém que não correspondesse as suas expectativas. Jamais aceitaria a indiferença de alguém em relação a si, afinal, como poderia haver alguém na face do globo terrestre que não erguesse seus braços aos talentosos pés da mais cobiçada senhora européia.

Zazou trazia em sua certidão de nascimento o nome de Maria de las Pueços, nascera em Madrid e fora muito pobre quando criança, no entanto, um dia apareceu-lhe a frente um coreografo que muito bem conhecia aos palcos espanhóis, Fernando, e este, que entendia a arte das danças espanholas como ninguém, a fez dama dos teatros e cabarés. Não havia casa de danças neste mundo que não fizesse de tudo para receber a belíssima Zazou. Mas Fernando, que já era bem velho, acabou falecendo e deixando a companhia nas mãos de sua prima-dona. Para sua sorte, Zazou não precisava mais dele, a sua personagem sensual e apaixonante já estava pronta.

No Brasil o seu espetáculo de estréia foi um dos maiores sucessos já vistos na cidade de apresentação, quando chegou ao palco todos voltaram os olhos para ela que estava deslumbrante. Vestida no clássico vermelho sobreposto numa renda preta que lhe chegava aos pés. Os sorrisos suntuosos de Zazou era de uma beleza incomparável e ela mantinha-se bela ao observar aos lados que os coronéis não paravam de lhe ver. Ela olhava para todos os lados e todos viam apenas a ela, da maneira como estivera acostumada por toda a vida, mas, repentinamente Zazou virou os olhos e viu um homem, um homem que chamou sua atenção de um jeito que ninguém nunca havia chamado, um homem do qual não conseguiu tirar os olhos, tudo porque este fora o único que a assistira dançar, mas não caíra aos seus pés, o único que tinha coragem de ler um romance qualquer no instante em que ela dançava, um homem que perecia afrontar-lhe e despertava o que havia de pior em si, sua ira.

– Como ele pode? – Perguntava-se Zazou ao entrar no seu camarim.

– O que aconteceu Maria, seu espetáculo foi divino, todos aplaudiram. – Comentou Almerinda, a cantora da companhia que lhe fazia companhia no camarim.

– Nem todos, nem todos me aplaudiram, ora como ele teve coragem, como teve coragem de não me aplaudir. – Continuava atordoada andando de um lado para o outro. – Deixes-me Sozinha.

– Não estou compreendendo o que dizes Maria.

– Não me chames de Maria, meu nome é Zazou, e é assim que devo ser chamada, Maria morreu a muitos anos atrás e junto com sua morte veio o meu nascimento. Zazou, a grande dama dos palcos europeus, a mulher que arrasa as platéias do mundo, a mulher que não se pode deixar de assistir, ora, não há o que me conforme, como ele pode? Como ele pode não prestar atenção em mim?

– Então é por isso que estais assim, alguém não prestou atenção na tua dança?

– É claro que ele prestou atenção. – Gritou ferozmente. - É claro, ninguém jamais deixara de ver Zazou quando esta estiver a dançar. Ninguém Almerinda, ninguém. Ele estava disfarçando, estava tentando me irritar.

– E pelo jeito conseguiu, não é mesmo?

– Vamos ver se ele conseguiu. Vamos ver. – Zazou enfim sentou-se. – Saias já! E mandes que ele me traga um drinque.

– Mas ele quem?

– Ora quem, o garçom, diga-lhe que desejo que venha pessoalmente, aí veremos quem vencerá esta batalha.

– Bem, se é o que desejas?

– Já, Almerinda, já! Não sei o que ainda esperas.

Alguns minutos mais tarde a porta do camarim de Zazou foi alvo das batidas de alguém que precisava entrar, e ela, com sua voz mais doce mandou que o fizesse. Neste instante a bela Maria estava deitada sobre um divã, em seu robe-de-chambre de seda cor de pérola, que tão bem caia sobre seu corpo, muito bem destacando seus cabelos loiros. Maria já deveria completar algo mais de quarenta anos, tinha um rosto afinado e uma pele muito branca. O belo corpo de Zazou trazia braços bem claros e finos, o que lhe ajudara bastante na hora de dar vida a sua mais fantástica personagem.

Ele entrou e ela sorriu sensualmente, tudo que necessitava era que ele grudasse definitivamente seus olhos sobre ela, para que ela pudesse descansar vitoriosa e logo em seguida o pusesse a rua. Mas não foi bem isso que ele fez.

– A senhora pediu um drinque? – Perguntou.

– Exatamente.

– Onde posso deixá-lo? – Ele respondia rapidamente sem apresentar-lhe nenhuma atitude diferenciada da qual seu trabalho permitia.

– Traga-o aqui. – Zazou estendia o braço.

Ele seguiu até ela e entregou-lhe a taça retirando-se em seguida.

– Espere. – Ela ordenou. – Para quê tanta pressa? Tome um drinque comigo.

– Eu não posso senhora, deveria estar no bar do cabaré neste instante.

– Não te importes com o bar, fique, depois deixes que eu me responsabilizo pela audácia perante o dono deste lugar.

– Senhora, eu não posso e não quero ficar.

– Por que você não admite que esta louco por mim? Não consegue perceber que está jogando ao lixo a maior oportunidade de sua vida, tem idéia de quantos homens desejariam estar em seu lugar?

– Com licença senhora. – Ele retirou-se imediatamente e ela revoltada atirou a taça contra a porta, no mesmo instante Almerinda apareceu no camarim.

– Estais doida. – Declarou Almerinda. – Estais doida, vais fazer um escândalo no dia de nossa estréia?

– Não me chames de louca, eu não admito que ninguém me chame de louca, louco é ele, louco é aquele moleque que ousa virar seus olhos para Zazou.

– Maria! Não te confundas com Zazou. Tu não és Zazou, Zazou é uma personagem, Zazou é uma personagem criada pelo magnífico Fernando, tu não podes te confundir com ela, no palco tu és Zazou, aqui tu és Maria, uma mortal, uma mulher como outra qualquer.

– Jamais repitas isto. Jamais digas que sou uma mulher comum. Eu sou incomparável Almerinda, ora, tu sabes quantos reis não puseram toda a sua fortuna em troca de uma única noite comigo?

No dia seguinte, à tarde, Zazou ensaiaria no palco do cabaré, e ele já estava lá, no bar, lendo alguma coisa, mas ela não aceitaria que assim acontecesse.

Zazou entrou no palco rapidamente e uniu os braços sobre a sua cabeça. Imediatamente foi descendo uma mão na outra que descia até estender-se na linha dos ombros. Caminhou um tanto para a frente e deu um sorriso sensual. Mas ele permanecia com os olhos presos no livro.

Para chamar sua atenção Zazou pisou firme dos pisos de maneira com o objetivo de fazer mais barulho e começou a flexionar os joelhos, ajoelhando-se no chão e jogando todo o seu corpo para trás depois retornando apenas a mão. Mas ele permanecia com os olhos presos no livro.

Zazou ficou em pé novamente e acelerou continuamente seus passos para que o jovem leitor a enxergasse e com passos cada vez mais bruscos dançou como nunca. Mas ele permanecia com os olhos presos no livro.

Zazou, em pé como estava virou-se de costa para a platéia e jogou continuamente seu corpo para trás. Mas ele permaneceu com os olhos presos no livro. Zazou virou seu corpo ainda mais para trás. Mas ele permaneceu com os olhos presos no livro. Zazou caiu do palco e fraturou uma costela.

– Acudam! – Gritou Almerinda.

– Já vou. – Respondeu o jovem. – Estou a terminar o ultimo capitulo. Quem sabe agora ele não responde se ela traiu.

Com a costela fraturada Zazou jamais pode retornar aos palcos. Restou-lhe apenas desfazer a companhia. Com esta desfeita Zazou terminou seus dias como cartomante numa rua antiga da cidade maravilhosa. O que é certo é que certa vez Zazou teve um cliente especial, ao qual já conhecia, porém, este não parecia lhe conhecer, era o garçom leitor, ao qual teve vontade de matar, entretanto as cartas lhe mostraram uma novidade especial... Ele era gay.

Luiz Mário Burity
Enviado por Luiz Mário Burity em 27/01/2010
Reeditado em 27/01/2010
Código do texto: T2054818
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