O Tronco
O TRONCO
Nasceu de uma árvore frondosa em uma pequena enseada na Ilha Grande.
Quando jovem, gostava de brincar com a brisa marinha e enfrentar, com coragem, as ventanias de tempestades. Seu corpo ainda delgado e flexível, curvando-se a qualquer tipo de vento.
Ao crescer, observou que já não se curvava aos ventos, e sim, resistia aos mesmos com seu corpo endurecido.
Nessa idade começou a ampliar o horizonte de sua visão, e verificou que além do pequeno trecho de terra e a grande extensão de água, existia outra terra.
Foi quando começou a se perguntar sobre o tamanho do mundo que havia à sua volta.
Um dia, apareceram seres estranhos, que se diziam serem humanos. Passaram horas a mirar a terra de além do mar, e a comentar: “como seria bom estar de novo no continente”.
Depois daquele dia, várias vezes a cena se repetiu, e o tronco percebeu que havia nascido e vivia em uma ilha-presídio.
Ouvindo, sempre, as conversas entre pessoas, aprendeu tudo sobre a ilha e o mundo. Abateu-se em seus pensamentos: “estou preso em uma ilha presídio, sem nunca ter cometido nenhum crime. Ah, como gostaria de ser livre e conhecer o mundo”.
Seu destino estava traçado. Em uma noite de tempestade, um raio caiu sobre a árvore e descolou o tronco, que veio ao solo.
Sem suas folhas, sentiu-se o mais injustiçado dos seres vivos. Ali caído ao chão, a secar. Porém observou que estava cada vez mais resistente. Solitário, começou a pensar como seria a vida no continente. Suas esperanças se faziam em sonhos: “um dia vou conquistar este mundo”.
Algum tempo depois, ao nascer do sol, apareceram humanos, que o arrastaram para a beirada da água e nele se sentaram. Era hora de maré baixa e os humanos comentavam que ali era o ponto mais próximo para fugir e alcançar o continente.
Com a chegada de outros humanos, munidos de armas, o tronco foi abandonado, pelos primeiros, à margem da água.
Ao entardecer, com a subida da maré, o tronco se viu a navegar ao sabor das ondas. Porém notou que toda vez que chegava a terceira onda, ele era devolvido às águas rasas da praia. Lutou vários dias até que em uma tarde de tormenta, conseguiu vencê-la e adentrou-se ao mar.
Passado algum tempo, à deriva no mar entre a ilha e o continente, o tronco foi recolhido por um pescador. Seu pensamento foi que,” agora sim, conheceria o continente e o mundo”.
Só que o destino lhe reservava uma surpresa. Foi parar como mourão de cerca em um lote da vila dos pescadores.
Seu coração e seu pensamento se dirigiam a Deus, que aprendeu a conhecer após tanto tempo de convivência com os humanos. Dizia uma só coisa: “estava preso na ilha e agora estou preso no continente. Porque?”.
Ficou preso ali por muito tempo, até que um dia um humano, ao passar por perto, perguntou ao pescador: “o que este tronco está fazendo aí? Quer vendê-lo?”.
A negociação foi feita, e aí o tronco descobriu que era nobre. Não um nobre da realeza, mas sim uma madeira especial que era chamada de nobre.
Seu novo “proprietário” o levou a uma serraria e o tronco foi lapidado e transformado em uma tábua. Esta tábua foi instalada como piso no convés de um iate de luxo.
Depois de instalado no navio, o tronco viajou por todo o mundo. Conheceu praias paradisíacas e oceanos profundos. Enfrentou calmarias e tempestades, foi ‘pisado’ por homens e mulheres, por nobres e comuns.
Estava lá o tronco a realizar seu sonho de liberdade e conquista, quando foi arrancado e substituído por outro. Estava ficando velho.
Era, agora, um pedaço de madeira jogado nas docas de Angra dos Reis.
Ali, velho e sem forças, olhava para uma ilha no horizonte. Mirava, em especial, uma pequena enseada e se perguntava; “será que um dia terei uma terceira onda para lá voltar?”.
(Luiz Alberto)