Em Dois Tempos
I
Estou me sentindo estranho
Meio que sonhando acordado
Extratos de um pesadelo agradável
...eu aqui excitado!
Ando fazendo muito pouco e de tão pouco
Já estou me vendo a ser vigiado
Gravo e me escondo em novelas de época
Esquisito que estou agora respiro o quarto
Me envolvi com algo incontrolável
Um mal que me faz tão bem suado
Vejo melhor o nada e quase por inteiro
Reparto os casos e brinco com o vento
Me tornei ostra e eu que um dia fui herói
Agora sou melado molusco de pedra
Os que se arrancam com canivetes
É sal...um caldo pardo...é ostra!
E assim desenho linhas de rabiscos
Palavras leves de afundamentos
Profano todo espaço em branco
Desmistífico os loucos, magos e santos
E paga-se as contas e chora-se as despesas
O verbo assim no sentido exato da matéria
Não mais me cubro ou visto só me esqueço
Um chega e um basta pro idiota tempo
Perverso o instinto puro do letrado
Resmungo as entranhas da má intenção
Parece malícia de onça pintada
Mas é só talento de quem não é do mato
Penso nocivamente o bastante
Pra quem já esta beirando os trinta
E ainda não largou a mamadeira
A chupeta e o grande tanque de guerra!
II
Não me caso com vicíos incuráveis
Sustento apenas o que me serve de possível
Entendo a noite mas respeito o amanhecer
Continuo no mesmo instante que abro e cerco
Mas um trago e um gole amargo
Olho para os lados e tudo se aquieta
Estico as pernas em dor latente reumática
E a gripe chega junto com a neve
Reparo as pessoas que não me notam
Não me faço por enganar que já passo do ponto
Se me colho agora morrerei até o jantar
Quase uma tolice de se levar a sério
Não me esquento e menos me esfrio
Fico estático parado morno
O meio maldito do fim do começo
Quando escrevo pra dentro
Mantenho o fora a me irritar
Completo paradoxo de um progresso
Me canso sempre me afasto
Fujo de mim mesmo e me encontro feliz
Ao lado sempre de meus sonhos de fumaça!
(Dezembro de 1999)