O que é História?

" Memória é vida. Seus portadores sempre são grupos de pessoas vivas, e por isso a memória está em permanente evolução. Ela está sujeita à dialética da lembrança e do esquecimento, inadvertida de suas deformações sucessivas e aberta a qualquer tipo de uso e manipulação. Às vezes fica latente por longos períodos, depois desperta subitamente. A história é a sempre incompleta e problemática reconstrução do que já não existe. A memória sempre pertence a nossa época e está intimamente ligada ao eterno presente: a história é uma representação do passado.

Pierre Nora".

O historiador Marc Bloch inicia seu clássico livro com uma frase que se eternizou juntamente com seu livro, “papai, para que serve a história”? perguntou, de forma instigante, seu filho mais novo. E assim o Sr. Bloch escreveu o seu livro apologia da história ou o ofício do historiador com pretensão de responder, minimamente, essa pergunta. Em cárcere nazista, viria a ser morto antes do término do livro, o qual ficara inacabado, faltando o último capítulo. Todavia, o livro se tornara quase que um manual para a formação de uma nova geração de historiadores que iriam encampar uma reconstrução da ciência histórica, seus métodos, fundamentos, teorias e porquê não, seus objetivos. A assim chamada Escola dos Annales inaugurou uma renovação no fazer histórico, reformulou perguntas centrais a respeito do que é história, de como fazer história e para que esta serve.

Evidentemente uma tarefa complexa e que prosseguiu por todo o século XX. A história problema, como consistia a abordagem de pesquisa e leitura das fontes defendida pela primeira geração dos annales, foi muito importante para problematizar as concepções extremamente metódicas da escola positivista inspirada em Auguste Comte. A história estuda o passado afim de constatar os fatos históricos, diria um clássico positivista. E mais, ela estuda os grandes personagens, pessoas importantes, governos por meio de fontes como arquivos de Estado, livros de memórias, fontes oficiais. Essa sentença muito assertiva para os séculos XVIII e XIX, começou a ser duramente questionada e revista pelos historiadores do século XX, na figura dos annales, ao menos de início.

Não obstante, não foi essa explicação que Marc Bloch dera ao seu filho. Na tentativa similar ao positivismo de resumir o que seria história, Bloch também resumiu de modo igual, mas com a problemática feita: “história é a ciência que estuda os humanos no tempo”. Ela não se limita mais a estudar os grandes personagens, mas também cidadãos comuns, o cotidiano, as mentalidades sociais. Como viviam as pessoas que construíram as pirâmides do Egito Antigo? Como eram suas casas? Quais eram as suas experiências sociais?

Suas fontes não se limitariam mais às fontes produzidas pelo Estado, mas se alongaria para todo o conjunto que expressa a vida das pessoas em sociedade: literatura, música, jornais, vestimentas, comidas, moradias, a oralidade, objetos, etc. até o lixo pode nos dizer muito sobre uma determinada sociedade no tempo.

Se daqui há 500 anos um arqueólogo escavar uma metrópole e encontrar vestígios da nossa alimentação, das nossas roupas e objetos, o que essas fontes diriam sobre o nosso modo de vida e relação com o ambiente? Foi esse tipo de percepção que os annales permitiram inovar para a ciência histórica a partir das perguntas formuladas a um tempo e a determinadas fontes. A pesquisa histórica se dá por meio da investigação, reconstruindo os retalhos de um tempo por meio das fontes, questionadas por perguntas do presente. Aí está o esboço da história-problema.

A história permite interpretar sociedades, disputas, conflitos, relações sociais e políticas, comportamentos, modos de viver e de pensar de um tempo. E diria mais, a história não se limita a estudar o passado, sendo impossível compreendê-lo por si mesmo sem se localizar no tempo presente. Fazemos perguntas ao passado afim de compreender os dilemas do presente, as mudanças e as permanências para nos orientar e compreender o nosso próprio tempo. Entendemos o passado a partir do presente e o presente a partir do passado, eis o método regressivo de Marc Bloch.

Tahutihator Frigus
Enviado por Tahutihator Frigus em 05/04/2024
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