Morrer é se libertar

O ser existe porque nasce, e morre pelo mesmo motivo. A primeira não consiste na segunda, mas a segunda é consequência da primeira. O homem durante a sua existência não tem certeza e não detém a verdade, exceto a certeza que vai morrer, e isso é uma verdade.

A maior preocupação e enigma da humanidade é a morte. Ninguém a conhece, ninguém a ver, ninguém fala com ela, e de repente ela vêm e nos convida para tomar um vinho ao som de um tango argentino. Ela vem sem pedir permissão, vêm calada e determinada em seu objetivo. Da morte ninguém consegue fugir, não adianta esconder-se atrás da cortina, em baixo da cama, trancar a porta com a chave, e nem fechar os olhos e gritar não. Ela virá, e colocará fim na existência. Aquele que vive deve estar preparado para receber a morte, não é simples e quando chegar o momento é preciso estar bem consigo mesmo para entrar no trem sorrindo, e de fato, aceitar a condição. No decorrer da vida é necessário pensar nos valores. Quem somos? O que estamos fazendo aqui? Estamos sozinhos? Qual a essência? Porque nascer? E porque morrer? Como chegamos até aqui? São perguntas que talvez nunca terão respostas. É claro, que se a filosofia é a arte de pensar, não existe nada melhor do que pensar em algo tão instigante que é a morte, essa matéria escura que todos temem, que todos consideram como algo terrível, uma criatura abominável.

A morte anda com a vida, a vida anda com a morte. Uma é antônima da outra. Uma é a luz, outra a escuridão. Uma veste preto, outra veste branco. Uma conhecemos, outra não temos ideia do que seja. As pessoas tem medo daquilo que não conhece, daquilo que lhe é distante. Esse é o caso da morte, nossa velha e temível companheira. Não a vemos, mas ela está sempre ao nosso lado (prestativa, carinhosa e cuidadosa). A morte gosta de nossa presença, ela é solitária e a cada época leva alguém para lhe fazer companhia em sua tumula. Porque as pessoas temem a morte? Suas vidas são boas para serem interrompidas? E será se a morte vai interromper-las? E se ela prolongar? Será se a morte é outra vida? Será se morte e vida no final das contas tem o mesmo significado? Será se estamos mortos aqui agora? E quando morrermos, viveremos? Será se morrer é nascer? E viver é morrer? Em toda a nossa vida falam da morte como algo ruim. O padre divide a morte entre céu e inferno, eu divido-a entre acordar e dormir.

É preciso coragem para poder viver esse curto sonho que é a vida. É preciso coragem para morrer. A vida é finita, será se a morte é infinita? Porque seria? Porque viver para sempre? Porque morrer para sempre? Qual o sentido nisso tudo? Simplesmente não tem sentido, e o que não tem sentido causa medo, mas confesso que a morte é uma poesia fascinante. É tão bela, cheia de segredo, tão complexa, foi realmente uma ótima invenção, créditos àquele que a criou, qualquer dia vamos tomar um vinho. Como diria Raul, eu te detesto e amo, morte. Amo porque você é única, e detesto porque você não se revela, você não mostra sua face.

Estou trancado aqui no quarto, de pijama. Venha, entre, deite-se, abrace-me, beije-me, leve-me por onde for, deixe-me voar, deixe-me cantar e não pare o mundo, que eu não vou descer. Eu quero ver a lua mais de perto, sou apenas um humano, que não tem forma, nem sentido, fraco e frágil, e você por outro lado, é forte, sedutora e detém todos os sentidos. Você é o sentido das coisas, você é verdadeira, eu sou falso, Deus é falso, todos são falsos, o padre e suas palavras que te denigrem e te divide entre céu e inferno, também é falso, mentiroso, arrogante. Mas você morte, você não mente, você existe, você nasceu? Morte, você já viveu? Já morreu? Vendo daí o povo desesperado e rindo de suas caras. Ah morte, quantos segredos você revelará quando encontrar-me na esquina, ou no alto da montanha, ou na minha cama. Como você virá, morte? Através das drogas? Das doenças? Por um acidente? Venha, vou estar lhe esperando. Oh morte já te esperei tanto, no entanto, não sei se quero. Sou um messias indeciso. Oh morte, quantos segredos você revelará. Que destino, que liberdade? Quem será capaz de fugir? Pra onde ir? Que luzes, que vento, pois em sua presença tudo se perde, ou tudo nasce? Que caminho seguir? O que é o certo e errado? De qualquer modo você virá, para o bem e para o mal, quais valores serão levados, ou apagados, esquecidos, lembrados? Morrer é como fechar os olhos e dormir? Fale-me, não venha, não volte. Venha, e volte sempre.

Morte, como te evitar? Não saindo de casa num dia chuvoso? Comendo comida saudável durante a vida? Não fumar? Não beber? Tomar remédios? Sabemos que isso não lhe afastará. Afinal de contas, sei que devemos te aceitar, essa é a melhor forma de fazer essa situação ficar agradável, pelo menos para um de nós. Porque sorrir é melhor que chorar. Chorar deixa a situação constrangedora. A questão é, com que proposito a morte virá. Para que? Para quem primeiro? Para àquele que fez coisas boas? Para Àquele que foi à Igreja? Estes sofrerão? Sofreremos? De todo modo, todos morrerão, mas porque morrer? Pensando bem, a vida também não é boa. Espero que a morte seja melhor. Talvez eu esteja morto agora, e quando morrer, na verdade estarei nascendo. Eu morri no dia quatro de fevereiro de mil novecentos e noventa e oito.

Eu não pedi para nascer, não foi uma escolha, sou um vômito que foi jogado para fora do útero materno. Quero a liberdade, quero a morte, ela é a liberdade dessa existência compulsória. A liberdade é concedida pela morte. Isto não é aceito a ideia que haverá uma vida pós-morte. Essa tese implicaria em se tornar preso na existência novamente, e viver em um círculo existencial. Desse modo a morte vem para libertar desse círculo. Enfim livre, enfim inexistente, enfim morto e enterrado, sem valores, sem problemas. O que não existe não sofre, e o que sofre existe. O fim e o principio agora se encontram. A morte e a vida entram em conflito. A morte sempre vence.

O homem tem tanto medo de morrer. O homem tem medo da morte. A morte é uma sala escura, grande. É uma sala sem paredes, sem teto, sem porta e nem janela, sem obstáculos. A morte é um mar sem água. A morte é tudo aquilo que se imagina, mas não pode ser e nem ter, porque com a morte ninguém tem desejo, ninguém quer ser, ninguém quer ter, esse ninguém não existe. Estar preso na existência é poder ter e não ter. É mar com água, sala com teto janela e porta, viver é estar preso, e morrer é se tornar livre. A morte é a liberdade dos desejos, enquanto a existência é a necessidade e ao mesmo tempo a negação dos desejos. Viver traz necessidades, morrer acaba com as necessidades.

As horas são longas e uma coisa é certa; devemos preenchê-las até a morte chegar. Esperar a forma da morte, esperar seu abraço, esperar sua voz vindo longe, chamando, convidando para um passeio sem volta. Espero a minha liberdade, espero sorrindo a minha morte, ouvindo musica, lendo livros, molhando na chuva, trabalhando, sofrendo. Sabemos que chega um momento que cansa, e surge a necessidade de algo novo, a morte é a roupa nova que irei vestir, e meu sapato velho ficará perdido na lembrança do esquecimento...

Tahutihator Frigus
Enviado por Tahutihator Frigus em 15/11/2016
Reeditado em 24/02/2017
Código do texto: T5824452
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