La Marea Va Subiendo

A falta de sorte resulta em uma existência insignificante. Cheguei esta conclusão com 21 anos. A maioria só se toca aos 40. Sorte é essencial para uma vida bem sucedida. As pessoas acham que são boas, que acertam nas escolhas, é tudo balela. Foi sorte. Ninguém é confiante o suficiente para ter certeza que vai se dar bem. No fundo todo mundo sabe que é questão de sorte.

Não tenho sorte. Se sei o que escrevi no parágrafo acima, sei o que esperar do meu futuro. Não sei o que escrevi no parágrafo acima, eu acho. A esperança é um sentimento cretino. Mas sou um ser humano, e todos desta maldita raça têm a droga da esperança. Ninguém tem azar a vida toda. Devia ser reconhecido de alguma forma por isso, ter azar a vida toda.

Bati de bicicleta na traseira do carro do sindico do meu condomínio quando tinha nove anos. Rachei o fêmur e segundo testemunhas só não morri por que enfiei a perna na lanterna traseira do carro e rachei o fêmur. Quando tinha uns 12 anos ganhei uma mobilete. Me fudi tanto com ela que meu pai vendeu com medo que eu me matasse. Bati, cai, voei e não consegui manter ela inteira por mais de três meses. Depois tirei carta. Incontáveis peripécias. Meu pai nunca me emprestou o carro. Fui morar com a minha tia. Ela deixava eu sair com o carro dela. Adverti do perigo, mas ela não me escutou. Bati o carro voltando do primeiro dia de aula.

Não existe um jeito de atrair a sorte. Acho que ela que tem que te escolher. Não sei o que me tira da lista de eleitos. Não roubo. Não mato. Não bebo. Não reclamo. Não tenho sorte. Talvez o fato de eu permanecer vivo nos últimos 21 anos tenha sido sorte. Afinal, “são tantas emoções”. Alguém deve dar risada de mim antes de dormir. Deve pensar: “como alguém pode ser tão azarado”.

Todos que me cercam são uns imbecis. Sentimentalismo falso e escroto. Como se alguém tivesse preocupado com a causa Palestina. Ou se importasse com 10 milhões de pessoas que vão morrer de fome na África em 2004. Será que não tenho sorte por causa disso? Hey, senhor da sorte, eles são todos mentirosos. Eu pelo menos sou honesto e não fico tentando te ludibriar. Lembre-se de mim no próximo sorteio da mega-sena.

Sai do meu último dia de trampo e fui tomar café com o cara que me dava carona. Ficamos duas horas falando sobre as merdas em nossas vidas. Ele ganha dois mil por mês. Eu não ganho nada. Então as merdas dele fediam mais e eram maiores. Quanto mais se tem mais merda se faz. Ai a sorte fica com pena dele e dá pra ele um emprego de dois paus. Será que se eu fizer umas merdas muito grandes a sorte vai olhar pra mim e me ajudar a sair dela? Vou pegar um empréstimo de dez mil reais na Zogbi. Não vou ter grana pra pagar e alguém vai me ajudar a arrumar um trampo?

Meu ex-chefe disse uma vez que a sorte é a mistura de capacidade com a oportunidade. Mentira. Tenho capacidade (?), tive oportunidade e não tive sorte. Todos os chefes que tive me elogiavam. Falavam que eu era bom. Que tinha futuro. Me jogavam responsabilidades que não eram minhas nas minhas costas. Me sugavam. Mais nunca me promoveram. Tinha um que me fazia escrever a noite inteira enquanto jogava xadrez no computador. O outro ficava lendo contos pornográficos.

Tem um cara na minha classe que tirou a sorte grande. Casou com uma velha rica. Ele tem vinte e ela quarenta. Mora em uma mansão no Morumbi e tem um lep top de onze mil reais. Ele anda de Audi A3. Que merda! Eu nunca vou ter esta sorte. Acho que não trepo bem. Não tenho um pinto grosso de 23cm. O cara deve ter. Ele é o cão chupando manga. Nenhuma mulher com menos de três graus de miopia encarava ele. Não ria de mim seu desgraçado. A menos que tenha pagado para ler isso. Ai pode rir a vontade. Se esbalde, compre outro livro meu e ria mais. Compre um pro seu pai. Outro pra sua irmã. Todos vão rir de mim. E vou ter dinheiro para ir à zona comer uma puta gostosa.

Eder Capobianco
Enviado por Eder Capobianco em 09/04/2008
Reeditado em 03/10/2008
Código do texto: T937681