Som alto / Carros e Auto-Estima Baixos

A depender do local em que reside, o caro leitor já deve ter se deparado com belas rimas como: "iê/iê/infiel/motel/papel" ou palavras de baixo calão repetidas incessantemente, enquanto as janelas de sua morada vibram e não é possível ouvir seu próprio pensamento.

Existe uma impressão de que a maioria das pessoas gosta de funk, sertanejo universitário e congêneres. Será mesmo? Certa vez, em um jornal ou palestra, alguém (Mário Sérgio Cortella se não me falha a memória) disse que, em uma ocasião esteve na Suécia ou Finlândia e notou que, em todos os lugares que visitava, encontrava várias pessoas com muletas e cadeira de rodas.

Pensou algo como “Nossa! Neste país grande parte da população possui deficiente física!”. Depois de analisar e refletir viu que, na realidade, a proporção de deficientes era a mesma de outros países como o Brasil. A diferença é que, nestes países desenvolvidos, os deficientes físicos, visuais, auditivos etc. têm cidades com acessibilidade e, por conta disso, conseguem ter uma vida normal: vão à biblioteca, ao cinema, ao bar, lanchonetes etc. Em suma, são vistos. Não ficam enfurnados em suas casas.

De forma análoga, grande parte da população brasileira gosta de música, em sentido amplo, seja ela de qual estilo for: MPB, bossa nova, funk, rock, sertanejo, hip-hop, eletrônica etc. O fato é que, geralmente, uma parcela considerável daqueles que ouvem funk e sertanejo universitário o fazem através de carros equipados com sistemas de som potentes e executam tais músicas em volumes altíssimos. Aliás, é algo que coloca em xeque a função precípua de um carro, ao menos para tais pessoas.

Com isso, temos a impressão de que só se ouve tais gêneros musicais, mas esquecemos que existem pessoas mais sensatas (e que tem algum nível de empatia), que ouvem música com fones de ouvido ou em volumes moderados, sem incomodar terceiros. Muitas vezes, não fazemos a menor ideia do que estão ouvindo e de qual estilo musical gostam.

Outro fator deveras curioso é que, hoje, grande parte das pessoas não possui mais um aparelho de som dedicado em suas casas. E para este perfil aqui descrito, mesmo em ocasiões nas quais poderiam ouvir música dentro de suas residências, usam seu celular ou vão até a garagem ou calçada, ligar o som de seu carro.

O barulho se propaga mais pelo fato de que as festas, para determinado perfil de pessoas, não ocorrem mais dentro de casa, mas na calçada e no meio da rua. E, dentro de uma cultura onde é comum ouvir a frase "estou pagando!", muitas pessoas passam a confundir o direito de usar um espaço público com o de propriedade. Logo, temos o que chamo de "Donos da Rua".

Considero que a culpa pela expansão deste comportamento seja, em parte, minha (nossa?) também. Acredito que muitas dessas pessoas tenham uma auto-estima baixa e que não conseguem ser vistas no mundo como "alguém". Podem comprar roupas, smartphones e carros de luxo mas, mesmo diante de toda ostentação, são invisíveis sociais. Talvez daí surja o motivo para apelarem ao canal auditivo. Confesso que se não fosse o barulho que produzem, nem notaria sua existência no mundo.