Os narradores surdos da história mal contada

Estou sem fazer nada, vou tencionar um relato discritivo sobre um percurso que faço. Não é nada fiel à realidade, e nada fiel à imaginação. Não sei, só vou descrever. Se achares isso tudo de algum modo parecido com seu caminho, então é verdade que vivemos no mesmo inferno.

Desci a escadaria que me leva à rua. Nas costas, o violão descansa. É noite, a lua insiste por detrás das nuvens. Avisto uma casinha onde o lixo humano é depositado, e onde o humano lixo deveria estar. Mais adiante, um bar... Um bar... Para que serves um bar? Ou melhor, que utilidade tens um bar? Não é senão um lugar de refúgio para os desesperados da vida. Lá encontramos os que sofrem. O que sofre por amor, o que sofre por não amar, o fiel e o traído, o alegre e o triste, o jovem e o velho, e sempre há um som tocando, ou uma tv transmitindo o futebol do dia.

Sigo em frente, sempre olhando a rua, pois sempre há um louco de motocicleta, isso me preocupa. Também passa os carros, pessoas, os ventos, os gatos. Aliás, há muito gatos por aqui, nunca percebi; em cima do telhado, no muro. Há também cachorros, ah, estes sim existem. São os donos da rua, há vários que brigam, correm, latem, pedem carinho, mordem. Há os insetos também, esses sim sabem a verdade do universo! São eles, os animais que agem por desejo e instinto. Aí está a única diferença entre eles e os humanos; estes tem os instintos, porém têm a capacidade de deliberar a vontade moralmente, digo que alguns têm, não todos. Ainda há psicopatas que não pensam com a razão e agem por instinto, aqueles inclusive que estão no bar, são assim. Não todos, há pessoas que bebem um pouco para distrair, e há aqueles que bebem porque não pensam, para estes, a vida é só prazer, desejo, e isso cabe a animais. A única diferença é que os animais não são más, isto é, não são humanos.

A capa do violão é mais pesado que o próprio violão. Avisto uma moça de cabelo crespos, óculos grandes, braços cruzados, passos por vezes lentos, por vezes rápidos, e vem em minha direção. Olha para frente, disfarça, olha para o lado direito e depois para o esquerdo, olha para o chão e passa. Acho que ela estava com medo, de alguma forma, tímida. As pessoas vivem com medo. Tudo está perdido. Bom se todos agissem de modo que achasse que o outro deveria agir da mesma forma, assim não teríamos tantos problemas.

Outra moça na sacada de sua casa, digita no celular, ao seu lado, outra pessoa é deixado no esquecimento. Mais um bar ao lado, cheio de desesperados... As pessoas me olham, e as olho de volta; " boa noite" ", que horas" " qual és o nome dessa rua"? "Algum general sanguinário, provavelmente." Um senhor recolhe lixo, parece feliz. O que significa a vida na visão de cada uma dessas pessoas? Do alegre, do triste, do amante, do não amante, do fiel, do infiel, da moça que teme, da moça ao celular, do outro esquecido, do que recolhe o lixo, dos gatos, dos cachorros, dos insetos, e do sujeito que segue a rua com o violão nas costas? Sobretudo, o que significa viver bem? Viver mal? Qual a boa conduta? A má conduta?

Confesso que estou com preguiça de explicar essas questões, portanto, vamos seguir adiante com a rua, fica então, a critério do leitor, refletir sobre essas indagações. Para tanto, Kant, Nietzsche e Sartre serão necessários. Necessários, e não verdadeiros, não me critiques. Pois a rua oferece desejos que não são necessários, e muitas verdades que não são verdades, tudo isso não passam de opiniões próprias que estão longe de serem universais, certas. Portanto, pense você mesmo sobre o ideal de vida, de moral, conduta e felicidade que deve-se ser seguido. Já lhe adianto que o ideal de vida, o que a vida significa para qualquer um destes, é também que ela tá longe de ser igual para todos. Uma vida feliz para o amante é amar, para o não amante é não amar, para o fiel é também ser tratado fielmente, para o jovem é se divertir, para o velho é ter uma boa conversa, para a moça que passa na rua é não sentir medo e que nada lhe acometa, para a moça da sacada é ser respondida de modo rápido, do outro ao seu lado é ser lembrado, e do que anda na rua com o violão nas costas é chegar ao seu destino e tirar o violão das costas, do gato é comer o pombo, do cachorro é ser acariciado, do senhor que recolhe o lixo é recolher o máximo de lixo possível.

Subo o morro, os carros passam. Do lado direito; um cemitério. Nesse noite, tive um pesadelo. Não irei contar os fatos, mas digo que cemitério me trás um medo medonho. Não medo de quem está lá morto, mas sim, um medo dos que ainda não foram, e não quero que vá. Outro dia tirei até uma foto gótica deste cemitério, esse medo sempre estará comigo. Não temo a morte para mim, temo a morte daqueles que amo. Um dia todas essas pessoas estarão lá; o amante e o não amante, o fiel e o infiel, o triste e o alegre, o jovem e o velho, o gato, ( talvez o pombo em pança!) O cachorro, a moça que teme, a moça da sacada, o outro que é esquecido, o que recolhe o lixo, o humano lixo e o que anda pela rua com o violão nas costas, e também o bar irá se destruir, o motoqueiro também. Para tanto, a vida é isso, um aprender a viver, e um aprender a morrer.

Tahutihator Frigus
Enviado por Tahutihator Frigus em 05/05/2017
Reeditado em 05/05/2017
Código do texto: T5990478
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