Discussões com Deus

Léo é o professor. Léo é o homem que ensina português e não sabe por que essa perda de tempo, esse estar olhando o céu por uma janela agora. Tinha era que estar preparando um estudo de texto para o dia seguinte.

Leonardo se lembra dos outros tempos. Antigamente, não sabia de infinito-para-mais nem de infinito-para-menos e, nem por isso, era mais infeliz. Se há infinito das galáxias, das superestrelas azuladas, dos "quasares", há também infinito do átomo, dos neutrons, elétrons e prótons. Porque, se não houver o infinito do mínimo, o infinito não será mais infinito. Se Leonardo – Léo para os íntimos – fizer uma viagem em direção ao centro do átomo e alguém lhe pedir cuidado porque há uma barreira mais adiante, Léo vai ficar louco. Ou, então, há de largar as aulas de português e estudar Astronomia, Física Nuclear, Filosofia purinha, para assim comprovar que existem fim e fronteira na direção do mínimo.

Leonardo se ri. Sabe muito bem que está ficando louco. Como poderá prová-lo, ele, o simples professorzinho do Ginásio São Sebastião, meio tímido e encaramujado? E, se prová-lo, o que virá depois? Você dirá que o Universo é curvo. Você pode dizer muitas coisas, senhor professor Leonardo. Você pode até encaixar o Nada em sua teoria, mas vai sempre insatisfazer. Depois da fronteira, existe o Nada. E o Nada, mesmo ele, é alguma coisa. Você não explica, nas suas aulinhas, tanta coisa com o Morfema Zero?

Você, Leonardo, como todos de todas as épocas, é fraco. E, na sua angústia e fraqueza, criou Deus. Deus é um ninho confortável das angústias dos homens. É, também, infelizmente, caro senhor professor Leonardo, uma das fraquezas deles.

(Belo Horizonte, MG, 1971)

William Santiago
Enviado por William Santiago em 27/03/2017
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