O CIRCO

 
 
 
 
                    Faço esse preâmbulo para esclarecer que naquele tempo ao qual ora me reporto para redigir esta crônica ainda era criança de cinco anos de idade. Eu vivia e era muito feliz naquele imenso paraíso de sol e céu sempre azul. Aprendi muito com os mais velhos e principalmente com os meus pais. Ouvia os causos e as anedotas [piadas] que os mesmos contavam e morria de rir com aquelas que eu entendia.
                      Outras eu ficava meditando sem entender e só depois de algum tempo, às vezes anos, quando já estava na escola, no terceiro ano do grupo escolar e aprendi ler e escrever é que comecei relembrá-los. Daí rememorando entendia o fundamento do causo ou da piada, então ria sozinho. Os que me viam assim chegavam a pensar que eu não batia bem da cabeça.
                    Vez ou outra eu escrevo e publico um conto, um causo ou uma piada, baseado naquilo que ouvia. No entanto neles uso termos atualizados e mais adequados para os dias de hoje, dando-lhes um colorido diferente, pois naquela época, como antes falei, eu só tinha quatro ou cinco anos de idade.   
                    Ouvia o pessoal contando os causos numa linguagem bem diferente da que atualmente ouvimos. Por isso muito antes de escrever e publicar um texto, normalmente já pesquisara bastante o assunto. Faço isso desde 1.967 quando vim morar em Poá, na grande São Paulo.
                    Aliás, até hoje eu pesquiso e confiro antes. Se bem que existem coisas, números e nomes que sempre acabam passando batido. A rigor nunca encontrei nada desses contos ou mesmo parecido com os meus, publicados em nome de outros autores. Portanto o que escrevo é da minha autoria, até que seja provado o contrário.
                    Na minha querida São Sebastião eu fui ao circo assistir um espetáculo pela primeira vez quando tinha apenas nove anos de idade. Sai de lá maravilhado. Encantado. Foram surpresas agradáveis uma após outra. Coisa linda e maravilhosa. Acho que tudo aquilo hoje me inspira a escrita desta modesta crônica.
                    No ano de 1.949 mudamos de Ilhabela para São Sebastião, eu, os meus irmãos e os meus pais. Fomos morar no bairro da Prainha Preta. A casa situava-se entre a Praia Preta e a Praia Grande, na única estrada que existia que finalizava na Praia de Boracéia, divisa de São Sebastião e Santos. Aquela estradinha é a atual BR 101-RIO/SANTOS.
                    Naquela época era apenas um caminho por onde só passavam os viajantes a cavalo ou os jipes do pessoal mais abastado e motorizado. No local onde estava a nossa casa praticamente terminava a estrada. Depois só se via
uma trilha por onde passava a linha do telégrafo.
                   Nos fundos da nossa casa existia uma gamboa, a qual nos períodos das chuvas enchia muito e o povo pedia para ir lá caçar rã. Haviam muitas. Existia também um pessoal de São Paulo, do bairro do Cambuci, senhor Vicente, seu Pedro, Sr. Luiz, Sr. Afonso e mais umas oito pessoas, todos italianos ou descendentes que pediam e o meu pai os autorizava a acamparem com suas barracas no nosso quintal.
                    Assim os facilitava saírem para pescar em alto mar ou nas costeiras e também caçarem rãs. Naquela época a pescaria era muito farta e produtiva, dado a abundância de peixes. O pessoal voltava pra São Paulo ou outras cidades abarrotados de peixes, camarões, crustáceos e rãs.
                 Meu pai trabalhava na roça, mas para ajudar no orçamento, até para pagar o aluguel, ali à beira da estrada instalou um pequeno comércio, ou melhor, uma venda, onde tinha um pouco de tudo. Sempre no fim da tarde ali o pessoal reunia-se para tomar sua cerveja, sua pinga, contar seus causos, suas piadas, passar o tempo até para refrescar um pouco, pois mesmo no inverno fazia muito calor.
                     Alguns jogavam palito [porrinha].  Ao irem embora muitos deles compravam alguma coisa de primeira necessidade para levar pra casa. [pão, banha de porco, mortadela, azeite, querosene, fumo, enlatados, salsichas, ervilhas e quase sempre na lista estava um litro ou uma garrafa de pinga].
                     Foi assim que esses mesmos freqüentadores carinhosamente apelidaram a nossa venda de “O ÚLTIMO GOLE”, uma vez que depois não se encontrava mais nada para comprar, comer ou beber no caminho dali pra frente. Não tinha mais nenhum outro comércio adiante até chegar à praia de Barequeçaba.
                    Agora, já beirando os sessenta e seis anos de idade, modéstia a parte bem vividos, recordando o quanto fui feliz na infância, juventude e adolescência na minha terra natal, escrevo com a maior alegria sobre O CIRCO, que foi, ainda é e sempre será a grande escola da vida de muitos artistas.
                    O circo é também a maior, a melhor e a mais importante escola de teatro do mundo. Sua história remonta mais de 2.000 anos. Há cem anos o circo era o principal meio de diversão do povo mais pobre das periferias de pequenas e grandes cidades. Lá em São Sebastião quando chegava um circo era motivo de festa. Os fins de semanas estavam garantidos até que eles levantassem os seus acampamentos.
                    Para mim, esse modestíssimo escrevinhador, o circo representa a grandeza da arte. Amo os circos de coração e de paixão. Os palhaços e os trapezistas eram e sempre serão os esteios de cada pedaço de lona existente. Se eu pudesse teria um circo e até viveria num deles. Os artistas circenses atuais são verdadeiros guerreiros. Muitas vezes você assiste uma apresentação de trapezistas de fazer a gente voar com eles pelos ares.
                    Não imaginamos entretanto, o quanto naquele momento ele está angustiado. Triste e tenso por inúmeras preocupações. A começar pelo cachê que ganham que é quase nada e mal dá pra comprar o alimento do dia. O meu querido amigo, palhaço e trapezista BOLA SETE morreu trabalhando. Não vi, mas me contaram que ele caiu do trapézio sem rede. Saudades meu irmão. Que Deus te proteja esteja você onde estiver agora.
                    Quando criança convivi com muitos artistas circenses, principalmente o pessoal do circo IRMÃOS CAMPOS que muitas vezes se instalava em São Sebastião. Daí esse meu carinho especial, até por que nele por várias vezes me apresentava, onde toquei cavaquinho e violão. Tive o privilégio de conhecer e ver de perto muitos artistas, cantores e apresentadores de rádio e televisão que naqueles tempos lá iam buscar seu ganha pão. Muitos deles ainda estão em plena atividade e em evidência na mídia. Escrevo este texto com bom humor e alegria para homenageá-los.
                    Registro aqui a minha saudade de um violonista cantor que sempre se apresentava nos circos em São Sebastião, que se tornou meu amigo querido, o ADALTO SANTOS.
                     O palhaço e trapezista Bola Sete e também o trapezista Elias me deram de presente um violão mexicano. Onde estiverem agora sabem do meu eterno carinho por eles.  Que Deus abençoe esses dois irmãos queridos.
A Valderiza que era cigana e malabaris de circos e que quando coincidia de o circo Irmãos Campos estar em São Sebastião e o seu povo nômade também, quase sempre fazia suas apresentações para angariar uns trocados. Ela foi a musa inspiradora do meu primeiro poema que também é a primeira música que compus, qual seja: “ BELEZA TRISTE SEM VOCÊ “. Por essa razão aquela bela cigana de cabelos pretos e longos, faces rosadas e tão meiga nunca saiu dos meus pensamentos.

 
“que vivam todos os nossos irmãos
e artistas circenses, pois o circo
nunca há de acabar”