Super-herói, geleia e a voadora dupla

Eram quase meia noite e o tumulto estava formado no meio da praça. A multidão estava disposta em círculo se aglomerando e gritando por sangue. Dois caras trocavam socos e pontapés como se aquilo fosse um duelo de morte, mas sem uma donzela para o vencedor. Neb se aproximou e foi se enfiando no meio da massa humana. Dois caras ficavam recolhendo o dinheiro das apostas enquanto o lado animal dos apostadores aflorava através de expressões de ódio e brados de guerra. Um dos lutadores caiu e o outro ficou cambaleando. Então um dos bookmakers entrou no centro da roda e levantou o braço direito do que ficou de pé cambaleando. “Marreta! O nosso campeão!” O povo se dividia entre o “foi marmelada” e o coro de “Marretada! Marretada! Marretada!” Dois peões entraram no picadeiro e retiraram o perdedor como se ele fosse um saco de bosta encharcado de sangue. O Marreta pegou uns trocados com o bookmaker e saiu se arrastando para cair num banco um pouco mais a frente.

“Vamos para a próxima luta desta noite: pagando 2 para 1.........Sangue nos Olhos contra Punhos de Aço!” Sobe o som da platéia ovacionando os gladiadores e um gigante aparece de um lado do corner dando socos na própria cabeça e urrando como uma loba no cio. No outro canto um magrelo fortinho pulava de um lado para o outro apoiando a mão no chão como um primata desafiando todo bando. Não tinha juiz, nem conversa, nem regra. Mas antes do fight o bookmaker entrou no meio do ringue e convocou: “Quem vai para o próximo páreo?” Um gordão com cara de estivador surgiu do meio da torcida derrubando dois ou três lorpas e estufou o peito como quem diz “chegou o macho alpha”. “Alguém aqui acha que pode vencer o He-Man!?” Neb pediu licença para um pedreiro que estava na sua frente e deu dois passo curtos com o braço levantado. “Eu.” Fez-se o silêncio, e todos olharam quietos por um segundo para aquele gordinho de um metro e setenta e 100kg de geleia. No segundo seguinte todos riam e apontavam para Neb. “Para de brincadeira.” “Chama um homem para brigar.” “Tira este bibelô da vovó daí antes que ele se machuque!” Neb não mudou sua expressão e ficou olhando fixo para o bookmaker. “Você sabe onde esta se metendo?” Ele perguntou. Neb acenou que sim com a cabeça.

A batalha começou e Neb ficou num canto observando os primeiros momentos do combate entre Sangue nos Olhos e Punhos de Aço. Eram um grandão lento e um magricelo articulado se testando. Pareciam estar trocando socos amigavelmente até que um conseguiu derrubar o outro e a coisa esquentou. No meio do empurra-empurra Neb sentiu alguém puxando seu braço para fora da agitação. Era um dos bookmakers. “Vamos fazer um acordo: você cai quando levar o primeiro soco e te pago e mesmo que pago para os vencedores. Não quero mortes aqui, elas atrapalham os meus negócios.” “Acho que não vou morrer aqui hoje.” O bookmaker deu um sorrisinho irônico. “Você que sabe. Mas antes de começar a briga saiba que o perdedor não leva nada, e você ainda tem tempo de sair daqui sem nada e andando.” Depois disso ele começou a agitar a mão com o maço de notas e voltou para o meio da baderna. Neb chegou até o limite do círculo e viu que os Punhos de Aço não eram o suficiente para abater o Sangue nos Olhos. O sonho acabou num gancho de baixo para cima que fez o maxilar do Sangue chacoalhar como uma máquina de lavar roupa velha.

Dois palermas levaram o perdedor desmaiado para longe. Sangue nos Olhos se propôs a lutar mais um round. O oponente seria um velho mau encarado e com marcas que diziam que esta não seria a primeira vez que ele se arriscava a levar uma surra. Antes de anunciar a próxima briga o bookmaker olhou para Neb como quem diz: é sua última chance. Ele levantou um pouco as mangas da camisa e virou o boné para trás. “Do meu lado direito, pagando 2 para 1, o esmagador de ossos He-Man!” O brutamonte estufou o peito e gritou com gosto: “Vou acabar com você monte de banha. Você nunca mais vai conseguir andar!” E a galera apoiava. “Mata, mata, mata.” Discretamente, Neb tirou um pó branco do bolso e mandou tudo para o nariz. Depois começou a se contorcer como um robô enferrujado. “Do meu lado esquerdo, pagando 20 para 1, o desacreditado Peixe Ensaboado.” Ele entrou no círculo debaixo de risadas, mordendo a gengiva e com a boca escorrendo sangue. “Volta para lagoa senão vai virar abóbora esmagada!” “Hoje vai ter peixada!”

O bookmaker abandonou o rinque e o He-Man acertou dois jabs de esquerda em Neb, que não tentou desviar nem acusou o golpe. O brutamontes levantou os braços chamando a galera e começou a fazer chacota. “Vamos lá, você já tinha que ter caído.” Neb não se mexia muito, apenas se contorcia e mascava a gengiva. Vieram então mais dois jabs e um cruzado de direita que fizeram Neb bambiar no rumo do chão e fazer malabarismo para não cair. “Acabou marreco, sua hora chegou.” He-Man foi para cima com raiva e urrando. Neb abriu passagem para o touro, mas deixou o pé no caminho. O grandão tropicou e fui direto para a galera, que o impulsionou de volta para o centro da roda. Incorporando as habilidades de Shawn Michaels Neb deu uma voadora dupla na boca do estômago do big boy, que caiu para trás como uma banana podre e começou a se retorcer com falta de ar. Com uma agilidade inesperada ele levantou e bateu um tiro de meta na cabeça do He-Man, que dormiu na hora. O silêncio que se seguiu foi atormentador. Neb virou ofegante para o bookmaker, que estava parado com a boca aberta e a mão para cima cheia de dinheiro, numa espécie de transe. Lentamente ele entrou no ringue e anunciou o vencedor. Neb pegou o pagamento do campeão e saiu se contorcendo.