Gafanhoto tonto e as tigresas famintas

Aquele era um tempo onde as pessoas não tinham medo de sair na chuva e sujar suas botas de barro e andar na lama. Os homens ainda podiam carregar sua segurança no coldre, e senhoras distintas não frequentavam ambientes noturnos. Não existia assistência social, e os bêbados exerciam livremente seu direito humanitário de viver como melhor lhes convir sem serem incomodados só por serem chatos e inconvenientes. O Jaime abriu o bar e cutucou com a vassoura o corpo que estava estatelado no chão. Totó abriu os olhos um pouco atordoado, como se não entendesse muito bem o que estava acontecendo. Olhou para cima e o velho jogou um copo de água na sua cara e esticou a vassoura. “Que tal um pouco de trabalho de verdade em troca do café?” Ele estrebuchou um pouco mas aceitou.

Varreu a calçada e o salão, depois se apoiou no balcão para receber. Tentava de alguma forma lembrar o que tinha acontecido a noite passada. Prestou atenção e percebeu que estava usando cuecas limpas. Não era normal. “Existe alguma coisa sobre ontem que valha a pena lembrar?” “Existe. Você apareceu tão mamado aqui que não conseguiu carregar o lixo! Fudeu com tudo!”, resmungou o dono do buteco. Ele saiu, passou no seu barraco, pegou algumas ferramentas e foi para a estrada das chácaras atrás de um mato para carpir ou algo do tipo. Sempre tinha trabalho para quem não tinha medo da enxada lá. Enquanto passava na frente da chácara da Dona Tonha, uma senhora muito aprumada, se recordou que talvez tivesse aparado o jardim dela em algum momento no dia anterior. Parou para perguntar se ela precisava de alguma coisa, e aproveitou a chance para investigar. Ela disse que ele havia estado lá dois dias antes, e que sabia que a Dona Cotinha precisava de alguém para carpir o quintal.

Para lá ele foi. Já era perto da hora do almoço, e antes de começar ele aceitou uma pratada para forrar o estômago. O mato estava alto, e ele queria voltar logo para cidade, então aplicou um ritmo acelerado. Antes das três já estava tudo terminado. Dona Cotinha era uma jovem senhora quarentona casada com o Seu Antenor, detentor de uma grande coleção de pingas. Ela pegou uma diferente, que ficava numa garrafa escondida no fundo do armário da cozinha, e ofereceu para Totó um trago, que ele nem pensou em negar. Só depois de beber e sentir um gosto amargo diferente ele reparou num pó branco estranho no fundo do copo. Mas jamais reclamaria de uma pinga especial de colecionador. “Sabe que a Dona Lurdinha estava te procurando para colher algumas maçãs do pomar dela?” “É sempre um prazer ajudar a Dona Lurdinha.” A cachaça parecia que fazia um efeito diferente, ele estava alegre e disposto.

Andando rápido pela estrada ele foi para a chácara da Dona Lurdinha. Chegou lá com a boca seca, e a elegante senhora providenciou um copo de água, que ela foi buscar na cozinha, direto do filtro. Desta vez ele não sentiu o gosto amargo, nem viu o pó branco que ficou no fundo. Também não percebeu quando Dona Cotinha e Dona Tonha chegaram. Começou a sentir como se o sol tivesse queimando seu corpo, olhou para baixo e percebeu que seu pau estava duro como uma pedra. As três senhoras apareceram usando camisolas, saltitando como adolescentes e carregando garrafas de tequila. Para Totó estava tudo brilhando e elas pareciam fadas que tinha vindo resgatar ele das terríveis garras da vida. Chegaram até uma casa abandonada no meio de uma plantação de cana. Lá os quatro meteram de todas as formas possíveis. Dona Cotinha e Dona Lurdinha gostavam de curtir juntas, e Dona Tonha não dava um minuto de descanso para Totó. Depois que ele desmaiou ela trocou a cueca suja dele por uma limpa.

Já era noite quando ele acordou completamente desorientado no meio de um canavial. Saiu sem rumo tentando descobrir como tinha chegado até ali naquela situação. Quando Totó entrou no bar já não sabia bem da onde vinha nem para onde ia. Titubeando para lá e para cá ele chegou até o balcão. Tentou falar alguma coisa sobre um pó branco e velhinhas taradas, mas não era possível entender uma palavra que saia da boca dele. O Jaime já estava querendo encerrar as atividades, e deduziu que ele queria uma birita. “Você ganha um copo de pinga se colocar o lixo que esta na cozinha para fora e sumir daqui depois.” Ele não entendeu bem o que o velho quis dizer, mas obedecendo um extinto natural foi pegar os sacos. Quatro. Naquela hora pareciam pesar duas toneladas. Na primeira tentativa ele rasgou a parte de baixo. Percebeu dois passos a frente, com chorume para todo lado. O velho veio gritando e gesticulando lá da frente como um retardado alucinado. Agora para levar a cachaça ele tinha que limpar a cozinha também.