Saudoso Cenário

Deslocando-se rapidamente através da selva cinza, o carro seguiu isolado no alto da colina. Havia uma larga extensão de capim áspero e irregular pontilhado aqui e ali por moitas espinhosas. Senti o coração latejando impiedoso atrás dos meus olhos. Do meu lado no carro, Jota observava o corredor de árvores desfalcadas que começava a se formar assim que adentrávamos na floresta. Sua respiração quente batia na janela fria. Perguntei se estava bem, o qual ele simplesmente respondeu com um aceno leve de cabeça. O silêncio continuou subterrâneo, quase subversivo. Preferi assim.

Prosseguimos sem curvar o trajeto, sempre num avanço linear. Após alguns minutos, chegamos ao que parecia uma clareira revestida de grama e folhas ressecadas. No centro dele, erguia-se um casarão de dois andares, castigado pelo tempo e pelo abandono. Permaneci no carro, petrificado de lembranças nostálgicas. Jota olhou para mim, seus pequenos olhos cor de âmbar analisando minha expressão de dor. Pai? Ele me chamou. Respirei fundo e olhei para ele, lhe dirigindo um sorriso reconfortante.

Depois de encontrar forças, saí do carro e me permiti sentir a mata roçar meus pés descalços, como costumava fazer antigamente. Jota correu até meu lado, pegando minha mão direita. Na outra, carregava um buquê de lírios rosa e branco. Contornamos o casarão, em sintonia com o vento úmido do outono, e seguimos até o quintal dos fundos. À nossa frente, uma lápide coberta por musgos de diversos tons suspirou ao som de nossos pesados passos. Parei a alguns metros, sentindo que se me aproximasse, seria engolido pela fenda que começava a se abrir em meu peito. Mas o calor da mão de um pequeno humano de 10 anos me fez despertar, enquanto me encarava complacente. Em seu olhar, eu podia vê-la.

Agachei diante da lápide de minha esposa. Meu sonho estava ali, enterrado. O desejo de ser feliz coberto por um piso terroso. Depositei o buquê de lírios em frente à pedra, e fiquei ali em silêncio, engasgado em palavras que não conseguia pronunciar em voz alta. Olhei para Jota. Meu filho, sem dizer nada, me abraçou carinhosamente e eu pude sentir que ele estava me dizendo “tudo bem pai, está tudo bem”. Então, ele se dispersou pela campina, analisando cada perímetro dela, nos deixando a sós.

Depois de muito tentar, dos meus lábios saíram “Me desculpa”, num cântico rouco, e que a brisa do fim da tarde tratou de carregar para o céu. Esqueci quanto tempo fiquei ali, pedindo-lhe desculpas. Por não conseguir ajudá-la a ver seu sonho se tornar realidade. Por ela ter sido tirada de nós antes ver seu filho nascer. Por não ter estado naquela noite, protegendo-a, quando um inimigo meu entrou em nossa casa e atirou em seu peito sem cerimônias. Mas, como já diziam: “a vida não é como a gente quer: entre o sonho e a realidade, existe um anjo mau que resiste ao nosso desejo”. E em meio às lágrimas, eu lhe agradeci. Agradeci por ter deixado um anjo em minha vida. Um que carrega o seu sorriso e seu bom coração.

Recompondo-me, chamei por Jota, que foi até meu encontro com um semblante de preocupação. Passei o braço por seus ombros, e caminhei com ele pela clareira que ia aos poucos sendo revestida com o laranja do pôr-do-sol. Ele estava me contando como havia encontrado um ninho de esquilos nas forquilhadas da árvore e como teve que subir nela para poder vê-los de perto, fazendo um esquilo assustado pular para bem longe. Sua emoção era tão contagiante, que não pude deixar de rir ouvindo-o relatar sua rápida jornada na campina. E, antes de entrar no carro, olhei para trás e sorri como não fazia a um bom tempo, sussurrando palavras que sabia que o vento carregaria até ela: “Obrigado por ainda fazer parte da minha vida”.

Lady Prissa
Enviado por Lady Prissa em 28/04/2013
Reeditado em 29/12/2015
Código do texto: T4263834
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