O POBRE RICO E O RICO POBRE
 
 
 
                    Tião era um trabalhador braçal. Ganhava pouco mais de um salário mínimo por mês. Para reforçar e ajudar no sustento da família, esticava suas tarefas após a jornada obrigatória da empresa onde era empregado, fazendo o que nós chamamos de “bico” vendendo frutas de época nas ruas do bairro onde morava. Todos os dias, principalmente nos sábados, domingos e feriados, quando estava de folga, levantava-se antes do sol raiar. Rapidamente, após um modesto desjejum corria até o mercado onde comprava os produtos de melhor qualidade e com preço razoável para revenda; voltava para casa, guardava tudo e seguia para a labuta diária.
                    De segunda à sexta feira cumpria uma jornada de oito horas na empresa, ou seja: das sete horas da manhã às quatro horas da tarde. Voltava pra casa, pegava um carrinho de mão já adaptado e saí às ruas com suas frutas. Por volta das oito horas da noite retornava para casa, quase sempre sem nenhuma mercadoria, vez que era um cidadão muito simpático, educado e sabia como cativar os seus clientes. Já estava no ramo a mais de dez anos e nunca recebeu nenhum tipo de reclamação. Em casa banhava-se e sentava à mesa com a família, esposa e três filhos para o jantar. Conversavam, trocando idéias sobre o dia de cada um, já que a esposa também trabalhava como empregada doméstica na mansão de uns ricaços e as crianças em idade escolar freqüentavam escolas públicas tranqüilas. Nos fins de semanas e em dia de feriado o ritual no horário de levantar-se era o mesmo. Entretanto já ia direto para os locais onde estacionava o seu carrinho e vendia sua mercadoria. Voltava três ou quatro horas depois e o resto do dia dedicava-se à família, levando as crianças ao parque ou a um riacho que existia perto, onde passavam horas pescando e se divertindo com tudo o que tinham disponível na natureza.
                    Tião era uma pessoa muito simples de pouca escolaridade. Só cursara o ensino fundamental. Mas tinha uma cultura geral muito aprimorada. Quando conversava com alguma autoridade ou personalidade pública de destaque expressava-se com um português impecável. Delicado falava calmamente com voz branda. Se lhe pediam alguma informação ele sempre era sucinto e claro. Explicava tudo detalhadamente. Se não sabia a resposta imediatamente informava essa condição ao seu interlocutor.
                    Ele, a esposa e os filhos estavam sempre bem vestidos e arrumados adequadamente para cada ambiente aonde iam. Na escola as crianças eram tidas como ricas pelos seus colegas de classe, tal a forma como se apresentavam. Às vezes nas reuniões de pais a diretora se dirigia ao Tião como doutor Sebastião por conta da sua conduta e reconhecimento. Tião com a sua simplicidade pedia à diretora para tratá-lo apenas de Sebastião, pois ele não chegara a tanto para ser doutor.
                    Só tinha uma coisa que contrariava, se é que isso seja motivo de contrariedade: Tião a todos afirmava ser uma pessoa muito rica e feliz. Que tinha tudo o que um homem precisa para ser feliz. Segundo o seu ponto de vista ser rico é ter o suficiente para viver bem com dignidade. Dar alimentação aos filhos e esposa, conforto no lar e educação. Do resto a vida se incumbe e Deus sabe o que é melhor para cada um. Nem é preciso falar que isso incomodava muita gente. Mas a maioria dos seus vizinhos, familiares e amigos concordavam plenamente com ele.
                    Como Tião não gastava um único centavo com coisas fúteis; não bebia, não fumava, não jogava e não freqüentava a alta sociedade onde as aparências conta muito, fazendo com que o cidadão muitas vezes gaste mais do que as suas posses para manter-se bem diante dos figurões e muito menos ia a ambientes reprováveis, as suas economias se multiplicavam. Afinal, vivia com a família e para a família.
                   Já o doutor Paulo, gerente da empresa onde Tião era empregado vivia reclamando da sorte. Para ele o casamento e a família era um desastre. Um desajuste quase impossível de consertar. Cada um dos seus filhos tinha seu quarto decorado a contendo com aquilo que existe de melhor, desde aparelho de televisão de última geração até a estante decorada com troféus de inúmeras competições em que eles participavam com êxito. Mas era uma riqueza quase miserável. Tudo individualizado, já que há muito tempo não sentavam todos à mesa para fazer uma refeição juntos, pois cada um comia num horário; não conversavam. Os ricos sofás e estofados ricamente espalhados pelo salão da mansão viviam às moscas. A esposa na maioria das vezes estava em reuniões ou chás com as amigas ou jogando cartas no clube. Realmente muito difícil viver assim.
                    Certa vez o doutor Paulo foi à casa do Tião busca-lo para uma tarefa extra em sua residência. Ficou impressionado com tudo o que viu. A forma com que a família se comunicava o carinho e o respeito entre um e outro, a delicadeza nos olhares e o ambiente extremamente harmonioso. Tudo com muito asseio e gosto apurado, mesa posta para cinco lugares bem organizada, toalhas decoradas, com um vaso de flores bem no centro mostrando que ali o amor estava presente.
                    Dispensado do trabalho na empresa por uns dias por ordem e autorização da chefia, Tião no outro dia cedinho estava na casa do seu gerente direto para fazer alguns reparos e manutenção naquele palacete. Imediatamente após ser orientado no que devia atuar Tião começou trabalhar sem questionar horário, valores ou outra reivindicação qualquer. Às dezesseis horas pediu licença e saiu para a sua segunda etapa do dia. No dia seguinte chegou uns dez minutos antes do horário pré-estabelecido e igualmente reiniciou as tarefas com o intuito de terminar o que o seu gerente lhe pedira. Prestimoso e dedicado como sempre foi cumpriu a sua obrigação em quatro dias. O doutor Paulo ficou muito satisfeito com o que viu e o serviço que o seu subordinado lhe prestara. Assim sendo não
resistiu à tentação de voltar à casa do Tião para agradecer e levar-lhe um agrado posto que achasse justo.
                    Era sábado e passava das catorze horas quando tocou a campainha. A esposa do Tião veio atender e com naturalidade muito cordial o convidou para entrar, inclusive informando que acabara de por a mesa para o almoço e se quisesse a família teria muito prazer e orgulho de que ele almoçasse com eles. Sentado à cabeceira da mesa Tião o chamou insistindo para que aceitasse, justificando que era uma comida caseira e simples, mas muito apetitosa porque fora feita com amor. Aquele gesto, aquela acolhida sincera fez com que o doutor Paulo aceitasse o convite. No começo ficou meio acanhado, mas depois observando a postura do casal e dos filhos ficou mais a vontade. O almoço transcorreu normal e com muita paz. Ressaltamos que antes de começarem a comer Tião pediu licença e fez uma prece de agradecimento: “Senhor Meu Deus, obrigado pelo pão de cada dia que nos alimenta e que por certo nos alimentará sempre. Obrigado pela graça e a harmonia da nossa família. Concedei Pai, a todos os povos e seres humanos, principalmente os menos favorecidos esta bênção. Faça Meu Pai com que todos os nossos irmãos que perambulam pelas ruas sem ter um lugar para ir ou para voltar e um pedaço de pão amanhecido para mastigar encontrem no Seu Santo Nome esta mesma paz e o reconforto que nos é dado”. Esse gesto que para aquela família era comum, para o visitante foi mais do que uma grata surpresa, aliás, tão inesperada que lhe fez chorar intimamente. Pensou consigo: Deus me perdoa pelo meu egoísmo, mas estou envergonhado pela inveja que sinto desse pessoal. Que família linda. Ah! Meu Deus, se a minha família fosse assim.
                    Após o almoço a esposa do Tião serviu um cafezinho feito na hora e sentaram-se todos na sala para conversar quando o doutor Paulo falou do objetivo da sua visita. Entregou ao anfitrião um envelope contendo uma importância em dinheiro correspondente a quatro meses de salários que o seu subordinado ganhava. Em seguida apanhou um bloco de rascunhos que trazia, destacou uma folha na qual escreveu: “Senhor Sebastião, muito obrigado por tudo”. Estou escrevendo porque não consigo falar. Já estou chorando muito por dentro de tanta alegria e emoção. As minhas mãos estão trêmulas que quase nem consigo escrever. O senhor me ensinou hoje uma lição que nem os meus pais me ensinaram. Acabo de descobrir que o senhor é o pobre mais rico que eu conheco e que eu sou o rico mais pobre do mundo. Amanhã quando chegar à empresa não precisa trocar-se. Vá direto para a minha sala, pois de hoje em diante será meu secretário particular. Quero ter o prazer da sua companhia e convivência. Talvez assim consiga aprender o que é enriquecer. O que é ser feliz. O que é o amor e amar. Parabéns. Permita-me chama-lo de amigo e de irmão.