Não sei o que sou, mas sei o que quero. Quero para mim a pureza das crianças, que deitam seu olhar em tudo e cada coisa como se fosse pela primeira vez. Quero manter em meu coração o fogo aceso do entusiasmo; em minha alma, a esperança e a atenção; em meu corpo, a energia e a vontade; e em meus olhos, o brilho e o encanto da poesia que habita o âmago de cada objeto e ser deste universo. E se no mundo porventura não sobrar qualquer beleza, encanto, mistério ou fascínio, que meu espírito possa entornar e se derramar ao meu redor para que eu possa manter-me vivo e desperto, ajudar aos outros que necessitarem e reconhecer esta irmandade que mora no coração de cada ser humano, e que deseja sempre se reencontrar em cada olhar e reviver este algo a mais que movimenta-se e nos movimenta do fundo de nossos corações. Talvez este seja o nosso grande desejo. E o maior motivo de nossas profundas mágoas: o fato de não nos reconhecermos como irmãos; o fato de vivermos como um coletivo de exilados; esquecendo-nos e alienando-nos de que estamos todos no mesmo barco, no mesmo planeta - que somos todos, em última instância, um único ser.
Desejo profundamente que tal espaço se converta em uma possibilidade de reflexão, compreensão, conhecimento e expansão. Que eu possa conhecer algumas pessoas e fazer alguns bons amigos. Que possamos confraternizar a respeito do insólito, do incomum, do misterioso e do fascinante. Melhor, que possamos captá-lo e reconhecê-lo em cada situação de nossas vidas, em cada pessoa que bate à nossa porta - por qualquer motivo que seja, em qualquer situação que estejamos.
Assim espero e assim desejo, tal qual uma prece e uma oração.
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O Guardador de Rebanhos
II - O meu olhar é nítido como um girassol, / Tenho o costume de andar pelas estradas / Olhando para a direita e para a esquerda, / E de vez em quando olhando para trás... / E o que vejo a cada momento / É aquilo que nunca antes eu tinha visto, / E eu sei dar por isso muito bem... / Sei ter o pasmo essencial / Que tem uma criança se, ao nascer, / Reparasse que nascera deveras... / Sinto-me nascido a cada momento / Para a eterna novidade do mundo...
Alberto Caeiro - Fernando Pessoa
"Naquela hora chegaram-se a Jesus os discípulos e perguntaram: Quem é o maior no reino dos céus? Jesus, chamando uma criança, colocou-a no meio deles e disse: Em verdade vos digo que se não vos converterdes e não vos fizerdes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus. Portanto, quem se tornar humilde como esta criança, esse é o maior no reino dos céus. E qualquer que receber em meu nome uma criança tal como esta, a mim me recebe. "
Mateus (18:1-5); A Bíblia - Novo Testamento