Uma análise sobre o passado, presente e futuro no estudo do tempo histórico

Artigo escrito por Priscilla de Deus Campos Soares

Resumo: O presente artigo procura analisar a concepção moderna de história sob o prisma das diferentes temporalidades e, acima de tudo, da historicidade como uma ferramenta prática para a pesquisa histórica. Através de um exame do trabalho de autores elencados, enfatiza os pressupostos teóricos e metodológicos subjacentes à prática da história em série como meios para reconstruir tais "temporalidades estruturais". Desta forma, o artigo procura tornar explícita a relação entre o passado, presente e futuro, das quais as concepções da temporalidade podem promover o diálogo entre diversas abordagens historiográficas.

Palavras-chave: regime de historicidade, presentismo, história do tempo, futuro passado.

1. Introdução

Uma das principais áreas de pesquisa na história do tempo diz respeito à análise do determinantes conceitos modernos a longo prazo. Por que a significância dos estudos históricos difere ao longo do tempo e países? Atenção especial é pago à transição para a modernidade. Em que medida pode-se voltar ao passado, estudar o presente e “prever” o futuro? E se essa distinção é válida, quais fatores são elencados pela transição dos estudos históricos na modernidade? Para encontrar respostas a essas "grandes questões", historiadores dedicaram muito tempo e energia para a construção de bases de dados sobre a história do tempo e suas mudanças estruturais.

Dessa maneira, o tópico a seguir irá discorrer sobre o estudo da história e os debates historiográficos que vêm ocorrendo nas últimas décadas sobre a ótica das temporalidades estudadas, dando destaque a três historiadores: Michel de Certeau, François Hartog e Reinhardt Koselleck.

2. Uma análise sobre o passado, presente e futuro no estudo do tempo histórico: debates historiográficos

Ao produzir a obra A escrita da história, Michel de Certeau (2011), figura singular na história intelectual do século XX, apreendeu a descoberta do outro, da diversidade como constitutiva do gênero histórico e, portanto, da identidade do historiador, de sua profissão. Essa distância temporal é fonte de projeção. O envolvimento da subjetividade do historiador convida não só a restaurar o passado como era (CERTEAU, 2011, p. 41), mas a reconstruí-lo, a reconfigurá-lo em seu próprio caminho a partir desse fosso irreparável entre o presente e o passado.

A operação historiográfica não consiste em contentar-se com a mera acumulação acadêmica. Como o autor comenta, qualquer “[...] pesquisa historiográfica se articula com um lugar de produção sócio-econômico, político e cultural. [...] profissão liberal, um posto de observação ou de ensino, uma categoria de letrados, etc” (CERTEAU, 2011, p. 56). A história não é reduzida a um simples jogo de espelho entre um autor e sua massa documental, mas depende de toda uma série de operadores específicos desse espaço entre os dois, nunca realmente estabilizado e que requer uma pergunta sobre o "fazer" da história. Ao definir a operação historiográfica, Certeau articula-a de acordo com três dimensões inseparáveis, cujas combinações asseguram a relevância de um gênero específico. Em primeiro lugar, é o produto de um lugar social a partir do qual emana (CERTEAU, 2011, p. 56). Como consequência, o trabalho do historiador é concebido como o produto de um lugar institucional que o sobredetermina como uma relação com o corpo social.

Em segundo lugar, a história é uma prática (CERTEAU, 2011, p. 69). É sempre mediada pela tecnologia e sua fronteira se move constantemente entre o dado e o criado, entre o documento e a construção. E, por último, a história é uma escrita (CERTEAU, 2011, p. 88). Logo, a escrita do historiador - ou historiografia - permanece controlada pelas práticas de que resulta; uma prática social. Doravante, o trabalho no passado é análogo ao trabalho analítico da operação presente que se aplica nos estudos da temporalidade. Logo, a operação historiográfica permite pensar sobre o futuro do passado bem como na construção do presente em si.

François Hartog (2014), em seu livro Regimes de Historicidade: presentismo e experiências no tempo, encarregou-se de perguntar - e responder - a pergunta: a experiência do tempo tem uma história? Com base no trabalho de Reinhardt Koselleck, que mostrou a possibilidade de uma história do tempo, Hartog projeta um argumento aparentemente simples para um assunto intrinsecamente complexo: não só o tempo tem uma história, mas também tem uma ordem de historicidade, um "regime". Esse regime de tempo não é tempo, nem todos os tempos, nem a totalidade do tempo, mas sim a historicidade da (experiência do) tempo, com suas categorias do passado, presente e futuro. Essas mesmas categorias organizam a experiência.

Para Hartog, toda história e seus modos de expressão, pressionam, traduzem, amplificam ou contradizem uma ou várias experiências de tempo. Por conseguinte, os regimes de historicidade trazem tempo para revisar as conjunturas da crise histórica. Como versa, o tempo “[...] se tornou a tal ponto habitual para o historiador que ele o naturalizou ou o instrumentalizou” (HARTOG, 2014, p. 26).

A reflexão começa por Lévy-Strauss, que postula que o grau de historicidade das sociedades é o mesmo, mas que a imagem subjetiva que eles fazem de si mesmos – bem como a maneira como eles sentem essa historicidade - difere (HARTOG, 2014, p. 29) Em outras palavras, as formas de viver e pensar sobre essa historicidade, as formas de articular passado, presente e futuro, variam. Já Chateaubriand compreendeu melhor do que muitos de seus contemporâneos a nova ordem dos tempos modernos. Ele cresceu em um período de intensa crise e questionou a relação com o tempo. Retrata a lacuna entre a vida carente do historiador e o rápido movimento da história. Quer entender, mas também prever, considerando as revoluções antigas e modernas nas suas relações com a revolução francesa.

Em outras palavras, Chateaubriand “[...] oscila entre duas ordens do tempo e entre dois regimes de historicidade: o antigo e o novo, o regime moderno” (HARTOG, 2014, p. 31). Sem que esta abordagem seja pesada, o leitor encontra-se constantemente em contato com e na encruzilhada da antropologia (Sahlins, Lévi-Strauss), filosofia da história (Foucault, Ricœur), historiografia (De Certeau, Koselleck), etc. Como pode-se ver, a validade da noção foi explorada, não produzindo um quadro geral e histórico dos diferentes regimes de historicidade, mas focalizando a análise principalmente nos "momentos de crise".

Segundo Hartog (2014, p. 26), os laços modernos são caracterizados por uma crise do tempo que ele descreve como presentismo - essa experiência contemporânea de um presente onipresente, perpétuo, evasivo e quase imobilizado. Para o autor significa que, na modernidade, o presente é o ponto focal da representação do tempo: o passado e o futuro são representados, pensados e sentidos como se afastando e retornando ao presente. Em outras palavras, nesta ordem do tempo, as categorias de passado e futuro são instrumentalizadas para determinar o que o presente é ou não. O presente é, portanto, experimentado como emancipação ou cerco, e a perspectiva do futuro não é mais reconfortante, pois não é percebida como uma promessa, mas como uma ameaça. Esta experiência contemporânea de um presente perpétuo, sobrecarregado com uma dívida tanto no passado como no futuro, talvez signifique a transição de um regime de historicidade para outro.

Não obstante, em seu livro Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos, Reinhart Koselleck (2006) pensa cuidadosamente sobre as categorias e conceitos que se usam na análise e interpretação histórica porque, sem eles, a análise e a interpretação não são possíveis. Em outras palavras, os eventos são poderão ser narrados através do uso de conceitos históricos que tornam o passado possível. As principais categorias que Koselleck usa - cujo horizonte como termo se refere ao tempo histórico - são a “experiência” e a “expectativa” (KOSELLECK, 2006, p. 307). Estes dois últimos são conceitos meta-históricos da mesma forma que o tempo e o espaço, aos quais estão fundamentalmente conectados como condições para possíveis histórias (KOSELLECK, 2006, p 309-310).

Como o próprio Koselleck (2006, p. 308) propõe, essas “[...] duas categorias indicam a condição humana universal; ou seja [...], remetem a um dado antropológico prévio, sem o qual a história não seria possível, ou não poderá ser sequer imaginada”. Além de concretas e conhecidas diretamente, a experiência também são, ao mesmo tempo, abstratas e indiretamente concebidas. Em suas formas abstratas, elas podem ser verdadeiras, mas sem qualquer relação com a realidade, enquanto que em suas formas concretas podem parecer reais, mas sem qualquer relação com o que é verdadeiro. É assim que suas relações são conceitualmente características das categorias formais do tempo histórico.

Doravante, a experiência procura envolver estruturas de continuidade no presente com articulações de mudança no futuro. Já a expectativa acomoda-se ao horizonte das relações sociais e práticas existentes na vida cotidiana (KOSELLECK, 2006, p. 312-313). A experiência cotidiana como um horizonte temporal é vivida em ambos os sentidos, e é apenas em ambas as coisas, concebidas como mutuamente dependentes, que se conectam com a política do tempo histórico. De muitas maneiras, a experiência cotidiana ocorre no domínio do que é familiar e facilmente reconhecido. Como o próprio autor diz: “[...] as experiências passadas sempre contêm resultados objetivos, que passam a fazer parte de seu modo de elaboração. Isso, naturalmente, também exerce um efeito sobre as expectativas passadas” (KOSELLECK, 2006, p. 314).

Logo, dentro do cotidiano, pode-se avançar além do espaço existente de expectativa e reconhecimento, e assim estender o horizonte da experiência e do senso do possível. Além disso, um “[...] futuro portador de progresso modifica o valor histórico do passado” (KOSELLECK, 2006, p. 319). Nessa ambição entre um passado cronológico, um presente vivido que já era um futuro antecipado e as expectativas do futuro - de modo que qualquer presente seja ao mesmo tempo um "futuro anterior" – que o autor alemão recaiu sobre os estudos destes dois termos que delimitam a inovação conceitual da história e modernidade.

Como observa Koselleck (2006, p. 316), o advento da crença moderna em progresso acompanhou o desencadeamento de limites horizontais anteriores que vincularam o futuro ao passado e garantiram a transferência de experiência em expectativa. A relativa ausência desta transferência é parte característica da experiência da modernidade, ocasionando em um passado fechado com certa diminuição das continuidades sociais desejadas e de um futuro aberto que não possui garantia de transformação social progressiva. Jürgen Habermas (1987, p. 20) critica Koselleck por ignorar a maneira pela qual o telos do progresso serviu para fechar o futuro como uma fonte de ruptura e “[...] também para mais uma vez obstruir, com o auxílio de construções teleológicas da história, o futuro visto como fonte de inquietude”.

Não obstante, o envolvimento de Koselleck (2006) com as diferentes temporalidades, subscreve a importância de seus conceitos como unidades de análise. São tipos de experiência e expectativas engendrados pela modernidade. Há certa distância entre esses dois conceitos, além da urgente necessidade de transformar constantemente os quadros existentes de compreensão e interpretação do tempo histórico. Em uma perspectiva temporal, a vida cotidiana é experimentada para trás e para frente em um relacionamento duplo: o horizonte do passado é trazido para o presente e o horizonte do futuro se abre no presente, sem garantia de continuidade ou mudança.

3. Conclusão

A longo prazo, para recuperar os momentos de ruptura, vale ressaltar que as mudanças e relação problemática entre as categorias do passado, presente e futuro, dão vida e significado ao tempo. O evento contemporâneo imediatamente se torna seu próprio passado, sendo objeto de uma comemoração imediata, como um evento histórico (exemplos: a queda do Muro de Berlim ou o 11 de setembro de 2001). Contudo, o que se percebe é que as pessoas preferem comemorar o passado, em vez de estudá-lo. Quanto ao futuro, é erguido o patrimônio a ser salvaguardado, porque pesa sobre a sociedade a ameaça de que o futuro seja pior do que o presente. Em nome da memória ou da herança, entram assim num tempo de prevalência do ponto de vista do presente, denominado aqui “presentismo”, como pode ser compreendido ao analisar o livro de Hartog (2014) elenca. Esta historicização imediata do presente é a marca do tempo. Como se o presente, onipresente, se tornasse perpétuo, observando o passado e o futuro.

Por fim, tais debates trazidos pelos três historiadores refletem as promessas da modernidade - liberdade, progresso, transformação - produzidas em um mundo que aos poucos procurava se acelerar para um futuro desconhecido e incognoscível dentro do qual aguardava a possibilidade de alcançar a realização utópica. Neste momento crucial, a história, como explicou Koselleck (2006), surge como uma nova temporalidade, fornecendo maneiras completamente novas de incorporar a experiência. No contexto atual da globalização e suas crises resultantes, o mundo moderno mais uma vez enfrenta uma crise no alinhamento da experiência do passado e do presente.

Referências Bibliográficas

CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

HARTOG, François. Regimes de Historicidade: presentismo e experiências no tempo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Editora PUC Rio, 2006.

Lady Prissa
Enviado por Lady Prissa em 20/12/2017
Reeditado em 23/12/2017
Código do texto: T6203825
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