A IDADE DA SERPENTE
Conto Calmaris #001

Já conta com seus 11 anos. Um belo garoto de olhar sobranceiro, com ares de responsabilidade para alguém de sua idade. Muito sério, com um misto de brincalhão, sabe separar brincadeira, de responsabilidade. Assim é o Yohanan Ben Kepha. Costumamos chamá-lo de Johan (Iorrã).

Sua vida transcorre normalmente como qualquer menino do seu tope. Ultimamente, anda muito solitário e pensativo. Há um turbilhão enorme a borbulhar dentro, em si. Não sabe o que é, de fato nem, na verdade, está preocupado com isso. Só não entende porque seu humor oscila, de forma abrupta de calmo para agitado; de sereno para agressivo.



Em seus passos diários, ida e volta da escola, uma serpente se aquenta à beira da estrada, como a dormir em berço esplêndido. Porque será que o Johan é atraído para aquele asqueroso e temido animal? Certo dia, 'en passant', nosso jovem ouve um suave sibilo. Olha e percebe a naja vibrando sua bífida língua como que a assimilar o peculiar cheiro do menino. Intrigado, pensa apreensivo: _ “Por que, de repente, essa serpente me chama tanto a atenção? Não! Definitivamente, não! Meus pais sempre me alertam sobre o perigo de brincar com serpentes. São matreiras e bem traiçoeiras. Veja no que deu com Adão e Eva? Nessa não caio!” Conflita-se em antagônicos pensamentos. E assim é durante várias semanas.

Johan sai para a Escola como sempre. Mas hoje está mais com pés e cabeça entre as nuvens! Pelo caminho, à altura da toca da Naja Scibele Ssibilante (assim chamava a cobra da estrada), ouve silvos altissonantes que chegam a agredir os tímpanos. Não liga para os sedutores sibilos, mas Scibele não se dá por vencida e passa a chamar o seu nome em seu sotaque ofidioide:

_ Não sseja durão, menino! Vem cá! Esstou tão carente!

_ Não! Não e não! Não vou cair em seus ardis! E não me chame de menino! Não vê que sou um jovem rapaz?

_ Deixa de sser bobo, Iô! Posso lhe chamar assim?

_ Sem problema, mas sem repetir, pois não sou ioiô! Não posso conversar com você. Aliás, cobras não falam.

_ E o que eu estou fazendo, senão falando com você?

_ Isso não é real! É apenas fruto de minha imaginação. E vocês só sabem enganar com falso carinho pra depois nos ferrar sua peçonha e, adeus criatura! Sei muito bem o que fez com o Pequeno Príncipe. Antoine me contou em detalhes. Tanto o iludiu que morreu com sua falsa promessa de o levar de volta ao seu Planeta. Comigo não, violão! Por que você agora só fica assim empinada como pronta a dar o bote?

_ Leva isso a sério não, Iô! Ele é muito exagerado e abusou bastante das metáforas. Você deve dar um desconto em tudo o que ele disse. Aliás, um é pouco! Estende aí esse 'descontaço'. Estou assim, empinada, por pura carência. Só queria um carinho seu. Passe carinhosamente a mão aqui, pelo meu pescoço. Serei sua escrava, pois certamente me cativarás.

_ Tás louca? De jeito nenhum! Exupéry me diz que, em outras palavras, nos tornamos cativos dos que cativamos. Responsáveis no cuidar e em tudo por quem se deixou cativar. Não conte comigo.

Dia após dia, Naja tenta e mais tenta o pobre rapazote que não sabe mais que desculpa dar. Para o bem da verdade, Johan até que está enredado com a astuta rastejante. Depois de alguns meses (não sabe precisar quanto tempo), ele cede aos constantes apelos dela e decide atender-lhe o pedido, mas com uma condição.

_ Tá bem! Mas só por hoje e prometa não me injetar sua mortal peçonha!

_ Não só prometo, como juro! Ô-ô! Não tenho dedos pra jurar, mas o que vale é a intenção.

_ Tá! Olhe lá!


Johan se senta receoso no meio-fio e devagarinho, lhe empresta um vacilante afago por trás de sua nuca. Algo estranho acontece. Naja fica toda ouriçada e empertigada, a se equilibrar apenas na extremidade de sua calda. Johan se assusta com tudo aquilo, principalmente quando Naja solta um profundo gemido enquanto cai sobre seu ninho em profundo torpor a vomitar. O jovem mancebo corre assustado para sua casa, se tranca no seu quarto sem saber o que era aquilo. Por pouco ela não me picou. Nunca mais eu passo por lá. Vou mudar meu trajeto para a Escola. _ “Sim! É isso mesmo que vou fazer.”

Dia seguinte, Ben Kepha ao se dirigir para o Engenho das Letras, pega o segundo atalho à direita para não mais passar por perto de onde Naja se aninha. Curioso! Esse atalho não é, senão, um semicírculo que vai dar exatamente no meio da praça que hospeda a víbora ardil. Não deu outra. Ao sentir o odor característico de sua vítima, Scibele sibila em alto e bom tom a gritar o seu apelido!

_ Iô! Iô! Vem cá, rapaz! Está-me evitando? Não faça mais isso, viu? Você me cativou e agora é responsável por mim para sempre!

_ Sem essa, Naja! Fui bem claro quando disse que era somente aquela única vez. Agora, sem essa! Tô fora!

_ Nã-nã-nim, nã-não! Não posso te empalhar aqui, jamais. Anda logo! Só mais essa vez!

_ Tô ferrado! É pra sempre ou só mais essa! Decida! Tá bem! Mas só vou só mais 'essazinha' e nunca mais. Certo?

_ Corretíssimo! Anda logo! Não se faça de rogado!

Assim, mas uma vez, Naja Scibele seduziu Johan em seus apelos. O jovem emprestou-lhe uma carícia e, como da primeira vez, Naja sucumbe ao torpor, não sem antes encravar suas presas no polegar esquerdo do menino e injetar alta dose de peçonha em sua corrente sanguínea. Este cai num profundo apagão ao lado da serpente. Coitado! Acaba de por sua meninice em limbo constante para entrar de vez no mundo dos adultos!

Era uma vez uma criança!

 
Que todos possam acordar essa infância a muito
adormecida em límbico berço esplêndido.


:: Crédito de imagens ::

♦Chef chinês morre picado por cabeça de cobra cortada ... oglobo.globo.com
  Agosto 2011 ohomemqueescrevedetudo.blogspot.com
♦Crianças e seus bichinhos de estimação | Sense X Sensibility | elkeane.wordpress.com


Alelos Esmeraldinus
Enviado por Alelos Esmeraldinus em 19/04/2015
Reeditado em 06/08/2015
Código do texto: T5212730
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