O POEMA NA GAVETA

Expressivo número de escribas se inicia na Poesia fazendo "desabafos sentimentais". Depois de diminuir o medo da exposição ao público e de conseguir vencer o temor da eventual crítica sobre o seu poema, tornam-se efetivamente comprometidos com a Palavra. Alguns passam a perceber a existência do leitor/receptor. É sempre conveniente – para fugir ao confessional – se enlamear das sujidades do mundo e conviver com os que também estão enlameados destas e de outros elementos escusos ao alcance do bom expectante. O bem e o mal litigam fortemente na subjacência que preexiste ao poema. Os fatos e situações ocorridos impressionam a sensibilidade criativa. O poeta é sempre um altruísta, todavia não pode ser um ingênuo sem jogo de cintura para com a vida. Os versos (com Poesia) jogam e contam com os mais estranhos componentes até chegar à palavra final que torna viva a Poesia em sua materialidade: o poema. O escritor precisa falar de coisas palpáveis, entendíveis, boas ou más, mas que condigam com a vida – com o individualizado exercício de estar no mundo. Toda pessoa que efetivamente quer se tornar escritor (e não um mero confessionalista que revela suas mazelas pessoais), tem de estar disposta a pagar o preço dessa exposição. Estes derramamentos emocionais – sem a necessária codificação verbal – podem até ser úteis psiquicamente ao autor, mas de nada valem para os seus leitores. O autor poderá se aperceber de que está superando esta fase intimista quando já não mais escreve em primeira pessoa (no eu, denunciando o Ego), nem fica engolfado nos pronomes de tratamento (meu, minha) da primeira pessoa, e sim utilizando a verbalização em terceira pessoa, minimizando o egocentrismo e a possessão sobre o objeto amoroso. A ausência do bem amado e as carências afetivas propõem o intimismo do “eu e tu”, que se derrama no mistério da palavra que se torna publicizada. Sim, é bem verdade que se paga o preço que representa a publicação de nossas garatujas. Tudo o que se escreve tem um preço ético-moral. Talvez seja por isso que o texto ou o poema na gaveta é um bem privado e insípido. E o que é mais lamentável: um natimorto. O poeta, em especial, necessita de coragem para dizer o que pensa ou aquilo que cria em arte como sua verdade. E o desafio é lutar por ela com unhas e dentes...

– Do livro O CAPITAL DAS HORAS, 2014/15.

http://www.recantodasletras.com.br/tutoriais/5190012