Reabilitação no direito penal militar

O art. 134 do Código Penal Militar estabelece que, "A reabilitação alcança quaisquer penas impostas por sentença definitiva". Segundo o artigo em sua parte inicial, o instituto da reabilitação alcança não apenas as penas privativas de liberdade, prisão simples, detenção ou reclusão, como também as penas restritivas de direito, penas acessórias, ou outras que tenham sido impostas pela Justiça Militar Estadual, do Distrito Federal ou da União, aos militares ou aos civis, que tenham sido processados e julgados perante esta Justiça Especializada. A única condição sine qua non que a princípio o artigo estabelece é que as penas tenham sido impostas por meio de uma sentença definitiva. Na verdade o artigo deveria ter utilizado a expressão decisão definitiva. Uma pena poderá ter sido imposta de forma definitiva por uma decisão proferida por Juiz de primeira instância, ou por uma decisão proferida pelo Tribunal. No primeiro caso, a decisão terá sido imposta por uma sentença que ao transitar em julgador terá efetivo de definitiva, mas se a parte interessada interpuser recurso esta sentença não será mais definitiva e somente produzirá os seus efeitos após a decisão a ser proferida pelo Tribunal competente por meio de um acórdão, do qual ainda em algumas hipóteses previstas na Constituição Federal e em lei infraconstitucional será possível interpor recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal ou recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça, ambos com sede em Brasília e jurisdição em todo o território nacional.

§ 1º A reabilitação poderá ser requerida decorridos cinco anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena principal ou terminar a execução desta ou da medida de segurança aplicada em substituição (art. 113), ou do dia em que terminar o prazo da suspensão condicional da pena ou do livramento condicional, desde que o condenado:

A interposição do pedido de reabilitação pelo interessado, civil ou militar, federal ou estadual, exige conforme o que foi estabelecido pela lei penal militar o preenchimento de alguns requisitos essenciais, sem os quais o pedido não poderá ser apreciado pelo magistrado da Justiça Militar, e em razão disto o pedido deverá ser extinto de plano por falta de uma das condições da ação. Segundo o disposto no parágrafo sob análise, o interessado somente poderá ingressar em juízo com o pedido desde que tenham decorrido pelo menos cinco anos contados do dia em que tenha sido extinta, de qualquer modo, a pena principal, ou tenha terminado a execução desta ou da medida de segurança que foi aplicada em substituição conforme o estabelecido no art. 113 do CPM, ou do dia em que terminou o prazo da suspensão condicional da pena, ou do livramento condicional. Para um melhor entendimento da norma sob análise, se faz necessário transcrever o estabelecido no art. 113 que foi mencionado neste parágrafo. Segundo o art. 113, do Código Penal Militar, “Quando o condenado se enquadra no parágrafo único do art. 48 e necessita de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação em estabelecimento psiquiátrico anexo ao manicômio judiciário ou ao estabelecimento penal, ou em seção especial de um ou de outro”. O prazo estabelecido pelo CPM não é o mesmo do Código Penal pós-reforma de 1984. Segundo o art. 94, “A reabilitação poderá ser requerida, decorridos 2 (dois) anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena ou terminar sua execução, computando-se o período de prova da suspensão e o do livramento condicional, se não sobrevier revogação”. Verifica-se que o CPM é muito mais severo que o Código Penal quanto ao prazo para que o interessado possa ingressar com o pedido de reabilitação. Ainda que o prazo estabelecido na legislação castrense seja mais severo este continua prevalecendo como condição essencial para o ingresso da medida.

a) tenha tido domicílio no País, no prazo acima referido;

Após o requisito do prazo de cinco anos estabelecidos na lei penal militar, o primeiro requisito estabelecido pelas alíneas do artigo sob análise é o referente ao tempo de residência no país, que na realidade somente irá alcançar os estrangeiros residentes no país que tenham sido condenados pela Justiça Militar da União, ou os brasileiros que não se encontravam residindo no país no momento da condenação ou por algum motivo se ausentaram do país. Na maioria dos casos, as pessoas preencherem o requisito estabelecido pela lei por serem brasileiros, natos ou naturalizados residentes no país. Caso o interessado não venha a preencher este requisito terá que aguardar o lapso temporal de cinco anos sob pena de ter o seu pedido indeferido de plano pelo magistrado.

b) tenha dado, durante esse tempo, demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado;

O interessado em conseguir a reabilitação penal deverá demonstrar que se tornou uma pessoa digna de confiança e que tem procedido em sua vida pública e privada de forma dignificante, não freqüentando lugares destinados à exploração da prostituição, adulta ou infantil, não mantendo relações com pessoas de conduta duvidosa, como por exemplo, aquelas que se dedicam à exploração do tráfico de entorpecentes e outras drogas afinas, contrabando, entre outros comportamentos que possam demonstrar que a pessoa não se afastou das chamadas práticas ilícitas.

c) tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre absoluta impossibilidade de o fazer até o dia do pedido, ou exiba documento que comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida.

A vítima no processo penal, comum ou militar, tem sido deixada de lado, sem uma maior assistência por parte do Estado. Na verdade, a vítima no atual sistema penal brasileiro que prestigia e muito a figura do acusado, sente-se na maioria das vezes envergonhada por se encontrar na condição de vítima, como se tivesse sido a responsável pela prática do ilícito. Ao invés de ser ampara a vítima muitas vezes é submetida a uma situação constrangedora, vexatória, que lhe traz dor e sofrimento. A alínea sob análise procura minorar em parte o sofrimento daquela ou daquela que foi vítima de um crime militar praticado por um servidor que na realidade deveria proteger aqueles que são os destinatários dos serviços de segurança pública e nacional que são prestados pelo Estado. As vítimas na realidade não conhecem os seus direitos e desta forma não acionam o Estado para que possa receber uma indenização pelos danos que tiveram de suportar. Segundo o estabelecido nesta norma, se o interessado não tiver procedido à indenização dos danos suportados pela vítima ou não demonstrar que não possui condições para fazê-lo não poderá receber os benefícios que foram estabelecidos pela lei, que na realidade em razão das disposições da Lei de Execução Penal, que se aplica efetiva a Justiça Militar Estadual, perdeu o seu sentido. O Código Penal Militar na realidade precisa e necessita de uma efetiva reforma, seja no tocante a parte geral e também no que se refere a parte especial, na busca do fortalecimento das Instituições Militares, principalmente as Instituições Estaduais.

§ 2º A reabilitação não pode ser concedida:

Segundo o estabelecido neste parágrafo em determinadas situações a reabilitação não poderá ser concedida pelo Juiz de Direito do Juízo Militar ou pelo Juiz-Auditor. O julgador deverá verificar se o pedido que lhe foi apresentado não se enquadra nas vedações estabelecidas pelo Código Penal Militar. No dia-a-dia das auditorias, verifica-se que os pedidos de reabilitação são escassos, ou seja, os militares estaduais que foram condenados pela prática de crimes militares não têm se interessado em ingressar com uma ação judicial pleiteando a concessão da reabilitação, até porque conforme já foi mencionado, a Lei de Execução Penal modificou a situação jurídica que existia até o ano de 1984. Afinal, conforme ensina a doutrina lei posterior derroga lei anterior e o Código Penal Militar de 1969 necessita de uma modificação em sua parte geral.

a) em favor dos que foram reconhecidos perigosos, salvo prova cabal em contrário;

O Direito Penal passou e vem passando por uma evolução, onde o acusado possui direitos e prerrogativas que nem sempre são reconhecidos em favor da vítima, que deveria receber determinadas garantias, mas que acabam sendo esquecidas. Afinal, no processo penal denominado de moderno o sujeito mais importante não é a sociedade, mas o réu. Os teóricos, que nem sempre vivenciaram de forma efetiva a prática, afirmam que não se resolve a violência com o endurecimento do direito penal. A premissa não é verdadeira. Uma sociedade que vive o senso de impunidade acaba ficando sujeita a um aumento de impunidade. A violência deve ser combatida com políticas sociais, mas não se pode esquecer que o Estado também deve possuir mecanismos efetivos para responder aos atos praticados por aqueles que abandonaram o cumprimento da lei. Afinal, a pobreza não justiça atos de barbárie, que são bem diversos de reivindicações legítimas. Essas considerações são decorrentes do fato desta alínea estabelecer que aqueles que forem reconhecidamente perigosos não poderão ser beneficiados com o instituto da reabilitação. Mas, afinal, o que é uma pessoa reconhecidamente perigosa, tendo em vista que o CPM não estabeleceu de forma objetiva o alcance deste conceito. Na prática, caberá ao Ministério Público, Federal ou Estadual, contestar o pedido de reabilitação apresentado pelo interessado, demonstrado por meio de provas lícitos que o autor da ação judicial seria uma pessoa perigosa, e, portanto não faria jus a concessão da reabilitação penal.

b) em relação aos atingidos pelas penas acessórias do art. 98, inciso VII, se o crime for de natureza sexual em detrimento de filho, tutelado ou curatelado.

O legislador não se sabe por qual motivo, por falta de conhecimento ou de interesse, se esqueceu de estabelecer determinadas vedações destinadas ao direito penal militar. A Lei Federal 8072/1990, que em razão de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal perdeu o seu alcance, objetivo, não prevê o endurecimento do cumprimento da pena no tocante aos crimes estabelecidos no Código Penal Militar, Decreto-lei 1001, de 1969. Mas, apesar destas questões, que muitas vezes são de natureza doutrinária, o legislador de 1969 estabeleceu que se o militar ou civil tiver praticado um crime militar de natureza sexual em detrimento do filho, tutelado ou curatelado, não poderá ser beneficiado com o instituto da reabilitação penal. Na atualidade esta vedação tornou-se letra morta tendo em vista o estabelecido na Lei de Execução Penal, que possui um caráter social relevante, mas que se esquece que o sistema penal brasileira necessita de uma reestruturação para se evitar que os presos continuem praticando rebeliões sem que fiquem sujeitos a qualquer conseqüência. Na realidade, o preso que não trabalha deveria ter a sua pena agravada, ao invés de ficar sujeito a benefícios só pelo fato de trabalhar, esquecendo-se que todos aqueles que se encontram do lado de fora dos muros da prisão precisam e necessitam trabalhar para que possam sustentar a si e a sua própria família.

Prazo para renovação do pedido

§ 3º Negada a reabilitação, não pode ser novamente requerida senão após o decurso de dois anos.

A reabilitação penal somente pode ser concedida se o interessado preencher os requisitos que foram estabelecidos pelo Código Penal Militar, Decreto-lei 1001, de 1969, que diversamente do vigente Código Penal até o presente momento não sofreu modificações em sua parte geral. Após o recebimento do pedido, inicia-se um procedimento judicial sujeito ao princípio do contraditório com a efetiva participação do Ministério Público, no caso da Justiça Militar Estadual com a atuação promotores estaduais designados para a Justiça Militar do Estado, e no âmbito da União com a participação do Ministério Público Militar, que integra o Ministério Púbico da União. Ao final do processo, o Juiz deverá proferir uma decisão. O pedido que foi apresentado poderá ser julgado procedente ou improcedente. O parágrafo sob análise estabelece que se o pedido for julgado improcedente somente poderá ser renovado após o decurso de dois anos.

§ 4º Os prazos para o pedido de reabilitação serão contados em dobro no caso de criminoso habitual ou por tendência.

O dispositivo sob análise estabelece a contagem do prazo em dobro no caso de criminoso habitual ou criminoso por tendência, terminologia que não é utilizada na parte geral do Código Penal de 1940, que foi alterado pela Lei Federal 7.209 de 1984, que cuidou da reforma da parte geral. Neste sentido, atualmente, somente o CPM utiliza a terminologia de criminoso habitual ou de criminoso por tendência, mas se verifica que no dia-a-dia estes termos não são mais utilizados. Além disso, no momento da dosimetria da pena, o magistrado da Justiça Comum não costuma exasperar a pena do acusado com base nestes preceitos. É importante se observar, que a norma penal militar não foi expressamente revogado e, portanto encontra-se em vigência. Neste sentido, se o magistrado ou o Tribunal de Justiça Militar, Tribunal de Justiça ou Superior Tribunal Militar, consideram o interessado como criminoso habitual ou criminoso por tendência no momento da fixação da sentença este terá que aguardar o prazo em dobro para que possa ingressar perante o Poder Judiciário com o pedido de reabilitação. Na prática, verifica-se que o art. 202, da Lei de Execução Penal, Lei Federal 7.210/84, afastou esta obrigatoriedade, ao assegurar ao reeducando o sigilo de seus registros criminais, após o cumprimento efetivo da pena imposta pelo Poder Judiciário por meio de uma sentença transitada em julgada ou de um acórdão transitado em julgado, ou após a extinção da punibilidade na forma estabelecida no Código Penal ou no Código Penal Militar, não fazendo qualquer distinção quanto ao criminoso comum ou quanto ao criminoso habitual ou por tendência. Percebe-se, com base neste dispositivo e em outros que integram a parte geral do Código Penal Militar que esta necessita passar por uma reforma assim como aconteceu com a parte do Código Penal. Mas, em razão da falta de interesse do legislador infraconstitucional para com as forças nacionais de segurança, forças armadas e forças policiais, civis ou militares, dificilmente esta reforma acabará acontecendo, cabendo desta forma ao magistrado no momento da aplicação da lei fazer as interpretações necessárias na busca da efetivação da Justiça, que é o fundamento do Estado democrático de Direito e o objetivo final do Direito como Ciência Social.

Revogação

§ 5º A reabilitação será revogada de ofício, ou a requerimento do Ministério Público, se a pessoa reabilitada for condenada, por decisão definitiva, ao cumprimento de pena privativa da liberdade.

Após a concessão do instituto da reabilitação ao condenado da Justiça Militar Estadual, do Distrito Federal ou da União, por uma decisão judicial transitada em julgado e proferida por juiz competente, Juiz-Auditor ou Juiz de Direito do Juízo Militar, na forma das disposições da lei que cuidam da matéria este será revogado de ofício pelo magistrado, ou a requerimento do Representante do Ministério Público, Federal ou Estadual, Comum ou Militar, caso fique provado por meio de prova idôneas que o reabilitado tenha sido condenado em um processo-crime iniciado após a concessão da reabilitação. Segundo o disposto no parágrafo, para que a revogação do benefício anteriormente concedido possa ocorrer é preciso que o reabilitado tenha sido condenado por uma decisão judicial transitada em julgado pela prática de um ilícito penal onde tenha lhe sido imposta uma pena privativa de liberdade, detenção ou reclusão. Neste sentido, se a pessoa tiver sido condenado a uma pena restritiva de direito ou de multa, a revogação não poderá ocorrer. Além disso, se a pessoa tiver se utilizado de um dos institutos estabelecidos na Lei 9099/95, Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, transação ou suspensão condicional do processo, a revogação estabelecida na norma penal castrense também não poderá ocorrer, tendo em vista o critério que foi adotado pelo legislador, qual seja, decisão judicial que tenha condenado o reabilitado a uma pena privativa de liberdade. Além disso, com base nas disposições do parágrafo sob análise, deve-se observar que a lei não faz menção de a condenação a pena privativa de liberdade deve ser proveniente da Justiça Comum ou da Justiça Militar. Tendo em vista o termo utilizado pela norma, condenação a pena privativa de liberdade, conclui-se que se o beneficiado com a reabilitação for condenado na Justiça Comum ou na Justiça Militar a uma pena privativa de liberdade terá a sua reabilitação revogada, o que em termos práticos não trará nenhuma conseqüência por força do estabelecido no art. 202 da Lei de Execução Penal.

Nota:

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