PENHORA DE QUOTAS DA SOCIEDADE POR DIVIDA DE SÓCIO

Tributário

Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas

Penhora de quotas da sociedade por dívida do sócio

Por Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas

O artigo 1.026 Código Civil de 2002 tornou indiscutível a possibilidade da penhora de quotas, porém estabeleceu que bens dessa natureza somente podem ser penhorados “na insuficiência de outros bens do devedor”.

Poder-se-ia argumentar que o Código Civil, no caput do artigo 1.026, estabelece que é possível a penhora dos “lucros da sociedade”. Entretanto, além de a penhora dos “lucros” somente poder ser realizada “na insuficiência de outros bens do devedor”, faltou precisão ao código, pois não se podem confundir os lucros da sociedade com os dividendos que a sociedade delibera distribuir aos sócios.

Em nenhuma hipótese o credor pode postular a penhora de lucros da sociedade, pelo simples e singelo fato de que a sociedade não é devedora e que os lucros são da sociedade, que talvez necessite dos mesmos para cumprir obrigações perante terceiros.

Lucros da sociedade não representam necessariamente disponibilidade de caixa, tampouco disponibilidade de recursos para que estes sejam distribuídos aos sócios e sejam usados para pagamento de suas dívidas.

A melhor interpretação do artigo 1.026 nesse aspecto é que o dispositivo faz referência aos dividendos que a sociedade já deliberou distribuir aos sócios e que ainda não o fez.

Em tal caso, deve-se dizer que o Código Civil criou uma hierarquia procedimental:

a) penhoram-se outros bens do sócio, exceto as quotas;

b) se não houver outros bens, podem ser penhorados os dividendos deliberados e que ainda não tenham sido pagos; e, na falta desses,

c) penhora-se a quota para que essa seja liquidada, a fim de pagar o credor do sócio.

Em síntese, o legislador civil estabeleceu uma hierarquia e um procedimento a ser seguido para evitar um grande conflito de valores que ocorre quando há penhora de quotas e liquidação da quota para pagamento dos credores do sócio, que é o conflito entre o direito de o credor receber o seu crédito e o princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, pois, quando ocorre a liquidação da quota do sócio para pagamento das dívidas do credor, ocorrem dois fenômenos importantes e indesejados pelo Direito.

O primeiro fenômeno indesejado é o de que o pagamento pela sociedade das dívidas do seu sócio caracteriza uma hipótese de terceiro que é coagido a pagar uma obrigação que não assumiu.

Nesse sentido, pode-se dizer que é inerente à constituição de toda a sociedade limitada, no momento em que surge sua personalidade, a submissão implícita desse patrimônio à condição de garantia das obrigações do seu sócio perante terceiros, sejam obrigações presentes ou futuras.

Embora a doutrina do Direito Societário seja resistente a isso e reafirme constantemente a separação patrimonial entre sócio e sociedade, o elemento que separa também une.

Por isso, a sociedade passa a ser uma espécie de garantidora de toda e qualquer obrigação que o sócio assume, nos limites do valor do patrimônio que lhe foi atribuído no ato de integralização e no limite da realização de seus interesses.

É um caso excepcional de responsabilidade sem débito!

O segundo fenômeno indesejado é o de que há outros sujeitos, terceiros que também sofrem efeitos da execução.

Os demais sócios da sociedade limitada são terceiros que sofrem os efeitos da execução, pois a universalidade que também guarda seu patrimônio sofrerá os efeitos da execução e, consequentemente, o seu patrimônio reflexamente é atingido. Ademais, a própria perspectiva de ganho pode ser sacrificada para que a sociedade pague as obrigações de um sócio, ou melhor, para que pague o credor do sócio, limitando substancialmente as disponibilidades financeiras da sociedade para realização de seus objetivos sociais.

As questões societárias daí decorrentes são múltiplas e não cabe aqui exemplificar, porém decorrem muitos efeitos, inclusive atinentes ao exercício do controle, direito de voto, redução de liquidez etc.

Também são terceiros os credores da sociedade, tais como o Fisco, fornecedores, consumidores, empregados etc., interessados (stakeholders) que podem não receber os seus créditos ou podem ver diminuídas as atividades da sociedade e, consequentemente, sua liquidez por conta das dívidas de seu sócio.

Porém, o Direito não permite que a penhora de quotas e liquidação da sociedade represente um privilégio ao credor do sócio em detrimento dos credores da sociedade. Diga-se de passagem, essa impossibilidade é a razão pela qual por muitos anos o Direito brasileiro não admitia ou restringia severamente a possibilidade da penhora de quotas.

Os credores da sociedade possuem um certo grau de proteção por conta da prioridade de recebimento, pelo menos nos processos de liquidação ou falência, embora sofram importantes efeitos da penhora de quotas nas hipóteses de redução de liquidez, capital de giro ou paralisação da atividade da sociedade devedora.

“Em outras palavras, a penhora de quotas representa um importante conflito valorativo entre os direitos do credor e o sacrifício de terceiros com quem o devedor mantém relações.”

“Esse conflito valorativo é resolvido pela hierarquização feita pelo artigo 1.026 do Código Civil e também por uma série de disposições do Código de Processo Civil, as quais tendem a reforçar a penhorabilidade das quotas das sociedades limitadas e a possibilidade de sua excussão. Entretanto há um porém, que está refletido nos parágrafos do artigo 861 do diploma processual, segundo os quais a penhora afeta a “estabilidade financeira da sociedade” ao ser “excessivamente onerosa”.”

FONTE: https://www.conjur.com.br/2018-fev-12/direito-civil-atual-penhora-quotas-garantia-obrigacoes#:~:text=O%20artigo%201.026%20C%C3%B3digo%20Civil,de%20outros%20bens%20do%20devedor%E2%80%9D.

Artigo intitulado: “A penhora de quotas de sociedades limitadas e a garantia das obrigações”, por Gerson Luiz Carlos Branco

“Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação.” (Art. 1026. Parágrafo único, do Código Civil).

Portanto, conclui-se que o art. 1.026, caput e parágrafo único do CC indicam a impenhorabilidade relativa da quota social, quanto ao patrimônio de terceiro, fator este embebido na proteção de caráter personalista da sociedade.

O leilão judicial também pode ser utilizado em casos de penhora de quotas sociais, desde que determinados por juiz. Neste contexto, o artigo 861, §5º do CPC/15 indica: “Caso não haja interesse dos demais sócios no exercício de direito de preferência, não ocorra a aquisição das quotas ou das ações pela sociedade e a liquidação do inciso III do caput seja excessivamente onerosa para a sociedade, o juiz poderá determinar o leilão judicial das quotas ou das ações.”.

FONTE:https://www.migalhas.com.br/depeso/347531/a-penhora-de-quotas-sociais-a-luz-do-cpc-15

Nos termos do artigo 789 do Código de Processo Civil (CPC), o devedor responde por suas obrigações com todos os seus bens – entre os quais se incluem as cotas que detiver em sociedade simples ou empresária –, salvo as restrições estabelecidas em lei.

Há precedentes do STJ no sentido de que é possível a penhora de cotas societárias para garantir o pagamento de dívida particular do sócio, pois não há vedação legal nem afronta à affectio societatis, uma vez que a constrição não leva necessariamente à inclusão de novas pessoas no quadro social.

A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidiu que a penhora de quotas pertencentes a sócio de empresa constituída sob a forma de responsabilidade limitada por dívida particular dele, é válida, e não implica diretamente na extinção da sociedade.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é no sentido de que “a previsão contratual de proibição à livre alienação das cotas de sociedade de responsabilidade limitada não impede a penhora de tais cotas para garantir o pagamento de dívida pessoal de sócio. Isto porque, referida penhora não encontra vedação legal e nem afronta o princípio da affectio societatis, já que não enseja, necessariamente, a inclusão de novo sócio”.

FONTE: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/03082020-E-possivel-penhora-de-cotas-sociais-de-empresa-em-recuperacao-para-garantir-divida-pessoal-do-socio.aspx

“[…] DÍVIDA PARTICULAR DE SÓCIO. PENHORA. QUOTAS SOCIAIS. SOCIEDADE EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. […] 3. É possível, uma vez verificada a inexistência de outros bens passíveis de constrição, a penhora de quotas sociais de sócio por dívida particular por ele contraída sem que isso implique abalo na affectio societatis.Precedentes. […]”. (STJ, REsp 1803250/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/06/2020). (grifamos).

A penhora é um instrumento judicial que tem como objetivo segurar um bem de um devedor para pagamento de dívidas do sujeito que impetrou a execução. É utilizado para forçar o devedor ao pagamento da dívida por meio de constrição de bens.

Geralmente ocorre em ações de execução onde o devedor foi intimado a pagamento, não efetuou no prazo legal e o credor pediu a penhora de bens. Da notificação de penhora, o devedor pode tentar renegociar a dívida antes de perder a posse e propriedade do bem.

Caso o devedor não se manifeste, em primeiro lugar, o bem é oferecido ao credor diretamente, como forma de pagamento e caso esse não tenha interesse, o bem será alienado por meio de leilão para que seu valor supra a dívida e demais despesas processuais. Sendo o valor do bem superior aos encargos, o restante do valor retorna ao devedor.

Importante lembrar que não é aconselhável deixar o processo correr sem manifestação, porque o devedor perde, com essa atitude, suas chances de defesa.

Não obstante os argumentos supracitados por grande parte da doutrina brasileira, há ainda correntes que veem nas quotas sociais das sociedades de pessoas a característica da impenhorabilidade. O motivo é o fato de a quota fazer parte do capital social da empresa e que, portanto, é desligada da pessoa do sócio, além do que a penhora de tais quotas desnaturaria o sentido da sociedade, levando as vezes à extinção da sociedade ou alteração no quadro societário. Essa corrente entende que penhoráveis seriam apenas os fundos líquidos atribuídos ao devedor em sua parte delimitada (SANTOS, 2011, p. 170).

FONTE: Artigo: “Penhora de quotas e ações na sociedade limitada.” FIGUEIREDO, Victor Nogueira, SANTOS, Ana Flávia Abreu Bezerra. Revista Jus Navigandi. https://jus.com.br/artigos/30752/penhora-de-quotas-e-acoes-na-sociedade-limitada

Diante do até aqui exposto, entendemos que a penhora das quotas de uma sociedade pode ocorrer somente “na insuficiência de outros bens do devedor”.

As quotas penhoradas podem ir a leilão, por determinação judicial e, também, ser adquiridas por terceiros.

A empresa pode prosseguir normalmente as suas atividades, pois a penhora não inviabiliza o empreendimento.

A penhora das quotas não impede a vendados bens da empresa.

Todavia, importa ressaltar, como visto, que há os que consideram impenhoráveis as quotas da sociedade.

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Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas

BREVE CURRÍCULO MARCO AURÉLIO BICALHO DE ABREU CHAGAS Brasileiro. OAB/MG - Nº 26.761. Assessoria Jurídica: Home office. Parecerista. Fone- (31) 99612-2347...

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