Sob o império da lei.

 

Resumo: O rígido império da lei pode acarretar injustiças. E, assim o Estado de Direito passou por laboriosa evolução e sua concepção contemporâneo pode ser descrita com uma construção teórica calcada em duas vigas fundamentais: liberdade e igualdade. E, mais especificamente, a igualdade perante a lei e tribunais e a liberdade para autodeterminar-se perante o direito. Em suma, que o Estado de Direito exige que todos sejam tratados segundo um parâmetro comum: leis gerais e abstratas, que se apliquem de igual modo a todas as pessoas e todos os casos nelas enquadrados, seja para obrigá-los juridicamente, seja para protegê-los diante de terceiros. Essas leis também precisam ser constantes, não se prestando a mudanças abruptas que dificultem seu conhecimento e internalização, tampouco a favorecer episodicamente determinados indivíduos ou grupos.

Palavras-chave: Estado de Direito. Positivismo. Nacional-positivismo. Fascismo. Nazismo.

 

 

O Estado se afirma pela lei, é a lei que por sua vez é o Estado. Essa confusão identitária nos remete paulatinamente a supressão do sufrágio a participação cada vez mais esmaecida das massas na política, ao um parlamento distante de seu caráter e se tornando apenas mais um canal de expressão da opinião pública.

Foi a universalização do voto que acarretou a criação de partidos políticos de massa, que tomaram o lugar dos chamados clubes de notáveis que eram inseridos no Parlamento britânico. O Partido trabalhista fora construído em 1900. O Partido Liberal, de classe média, surgiu bem antes, em 1859.

E, diante de tamanhas mudanças, os programas partidários foram sendo costurados com a militância e passaram situar-se no epicentro das disputas pelo sufrágio. E, caberia aos parlamentares segui-los, do contrário, perderiam todo o apoio de suas bases e respectivas agremiações.

Conforme afirmou Goyard-Fabre, o Estado de Direito encontra sua inspiração na reivindicação política do liberalismo individualista e, neste, os direitos-liberdade da pessoa podem ser opostos aos atos estatais que venham, a eventualmente, lesar liberdades individuais.

Em outros termos, o princípio básico do Estado de Direito é mesmo a inalienabilidade de direitos fundamentais reconhecidos ao homem. O Estado de Direito só será finalmente concretizado, defende os pensadores se veicular ao menos a esperança da liberdade. (In: Goyard-Fabre, 2002).

O Estado de Direito só será realmente material no caso de assumir como fim primordial a defesa e a garantia de direitos naturais do homem, de um núcleo de valores considerado indisponível pelo próprio Estado.

Assim, neste Estado, a legalidade está marcada pela forma e, a legitimidade caracterizada por seu conteúdo, não se confundem, ainda que dependam uma da outra.

O Estado de Direito liberal limita tanto o modo de atuação do Estado, quanto a substância de seu querer, de sua vontade, que não há de respeitar os direitos fundamentais do homem.

Dessa forma, o Estado de Direito dotado com essas características poderia se voltar contra o projeto da burguesia que, no poder, já não professava mais os ideais tão revolucionários.

De sorte que o Estado de direito material se revelou como um incômodo para a nova classe dominante, pois proclamava o primado do homem e de seus direitos como base da organização do Estado e, induzia assumir as reivindicações de liberdade pelo quarto-Estado. De sorte que a burguesia promoveu o afastamento do Estado de Direito liberal de seus fundamentos jusnaturalistas. Os direitos individuais deixariam de ser naturais.

Goyard-Fabre diferencia o Estado do direito, marcado, essencialmente, por suas formas e estruturas jurídicas, do Estado de Direito, no qual a participação ideológica prevalece sobre a arquitetônica jurídica. Trata-se de distinção entre os Estados de Direito formal e material.

Defende-se também um Estado de legalidade. E, se na sua caracterização material o Estado de Direito era essencial um conceito de luta política por um tipo particular de estado fundado numa particular ideia de Direito; se na sua redução formalista o Estado de Direito ocultava os valores que enformavam esta ideia para privilegiar as técnicas formais que a garantiam, já o Estado de Legalidade só é de direito porque atua na via do Direito positivamente identificado com legalidade e, não

porque, defenda ou se sustente numa particular ideia de Direito. É em Kelsen que se pensa o Estado de Legalidade neutro e aberto à realização de quaisquer fins. Mas a distinção entre o Estado de Direito e o Estado de Legalidade é, recorda, Goyard-Fabre é raríssima em doutrina.

A distinção entre estes dois sentidos de Estado de Direito, o material e o formal, dede que não extravase os quadros e do Estado Liberal, não tem relevância que geralmente se lhe atribuiu. De fato, não traduz a existência de formas alternativas de conceber a relação fundamental entre os governantes e os governados, antes constituindo o produto de diferentes perspectivas teóricas na abordagem da mesma realidade.

Na medida em que os pressupostos políticos em que se fundava o Estado liberal estavam expressa ou implicitamente, presentes nas duas noções, pode-se afirmar que a diferença apenas reside na autonomização ou acentuação de dimensões parcelares do mesmo fenômeno.

Se, no passado, competiria ao Estado garantir livre exercício dos direitos fundamentais, sua nova missão consistiria em instituí-los. Essa virada estatocêntrica marcou profundamente a doutrina do direito público europeu ocidental na segunda metade do século XIX e início do século XX, incluindo-se a Itália. Não mais se cogitará, partir dali, em espectros revolucionários do poder constituinte ou mesmo do "governo do povo".

A suprema fonte do direito será a lei, é por meio desta, dessa pacificada expressão da soberania do Estado, que a comunidade historicamente fundada acabará por expressar-se. A nação só existirá então, através da vontade do legislador, transformado em autêntico soberano.

E, com tal transmutação de uma soberania do povo em soberania da lei, Fioravanti defendeu que caiu por terra, o grande labor produzido pela Revolução.

Eis que em última análise surge um Estado de Direito e liberal que garantiria a estabilidade das instituições políticas entre os séculos XIX e XX, reconhece-se o Estado de Direito europeu continental cujas funções repousa em mito de um legislador virtuoso, da intrínseca racionalidade da lei como fiel expressão da soberania e de uma ordem racional das coisas.

 

 

 

 

Aliás, Fioravanti cogitou sobre a consolidação de uma tradição legicêntrica do Estado de Direito europeu-continental e lembra que Vittorio Emanuele Orlando foi um de seus grandes divulgadores na Itália. Tal Estado de Direito fulcrado no primado da lei foi uma experiência europeu, presente, apesar de peculiaridades de cada um desses regimes políticos, como na Terceira República da França, no Segundo Reich alemão e na idade giolitiana na Itália.

Os estudiosos e historiadores enxergam a França e a Alemanha são os países fortes, mas na segunda fila, estão dentre outras nações, a Espanha e a Itália, desempenha um papel fundamental na complexa mediação dos principais modelos constitucionais da Europa.

Ao término do século XIX, o maior impulso ao direito público europeu foi dado pela Alemanha e, por seu apelo estatalista. Lembramos que a doutrina alemã não era liberal e doutrinador como Georg Jellinek e, na Itália, sob sua influência, Vittorio Emanuele Orlando não viam com bons olhos a autonomia da sociedade e das pessoas diante do Estado.

Ressalvou Fioravanti, o que se toma hoje por estatalismo era, para aqueles juristas, um liberalismo que seria mais capaz de garantir os direitos do que as proclamações revolucionárias: os direitos eram garantidos com o direito, portanto, com uma lei que fosse expressão da autoridade do Estado e, não de uma maioria política de fato dominante sob o invólucro da vontade geral da revolução.

As revoluções liberais afirmam os direitos. Depois, dessa proclamação os legisladores continuam, com poderes ilimitados, destacar-se, como intérprete da vontade geral.

O liberalismo político e jurídico do século XIX trata, assim, reconduzir a autoridade dos artífices das leis para dentro do Estado: as autoridades do legislador e do Estado haveriam de ser indissociáveis.

O itinerário seria, o seguinte: do primado do legislador como sujeito político que encarna a vontade geral ao primado da lei como fonte de direito, como expressão formal e neutra da autoridade do Estado”. Tem-se, ao fim, na base desse “Estado liberal de Direito”, um liberalismo que opõe à revolução a autoridade estatal – processo que também acaba por ocorrer na França (Fioravanti, 1995).

O Estado Liberal de Direito na Europa não é, realmente, asseverou Fioravanti, apenas alemão, sendo algo mais amplo, um Estado Liberal de Direito europeu, que se estruturará sobre os três grandes eixos: os direitos fundamentais, a separação de poderes e o parlamentarismo.

Os direitos fundamentais têm sua história iniciada, de acordo com Carl Schitt, com as declarações de direitos formuladas por Estados norte-americanos tais como a Virgínia e a Pensilvânia, em suas lutas de independência em face da Inglaterra, surgiu, então, no século XVIII, na Era Liberal e do Estado de Direito liberal-burguês.

Diferenciando-se dos norte-americanos, os revolucionários franceses não fundaram um novo Estado sobre novas bases, mas acreditavam em continuidade nacional. Não por acaso que a introdução da Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 lembra aos integrantes do corpo social seus direitos naturais e inalienáveis.

Norberto Bobbio defendeu que os franceses são bastante individualistas. E, os norte-americanos também parte do indivíduo, mas fazem mais referências às finalidades da associação política, relacionando seus direitos ao bem comum da sociedade.

Ademais, a Declaração francesa de 1789 tratava da felicidade de todos apenas em seu preâmbulo. Já a Declaração da Virgínia a toma, no corpo de seu texto, por meta a ser alcançada. (Bobbio, 1992).

Diferenças à parte, influenciadas pelas mesmas teorias filosóficas, as Declarações norte-americanas e a francesa apresentam muitos pontos em comum. Universais e inalienáveis, os direitos nelas enunciados, bastante similares, só poderiam ser limitados por leis confeccionadas por entidades eleitas democraticamente.

E, as coincidências progridem. O principal autor da Declaração dos franceses fora um herói da Revolução Americana, o Marquês de Lafayette, que contou, na tarefa, com a colaboração de Thomas Jefferson. Não surpreende, portanto, que conceitualmente, não existam maiores dissonâncias entre os Bills dos EUA e a Declaração francesa, pois estes amadureceram, em um ambiente cultural calcado no jusnaturalismo e pelo contratualismo.

As declarações do EUA e dos franceses é de enorme importância e serviram de marco inicial da modernidade, cujo encerramento simbólico ocorreu em 1989, com a queda do Muro de Berlim. E, nesse ínterim, aduz os direitos naturais proclamados pelas Declarações do século XVIII transformaram-se em direitos humanos e, seu escopo e jurisdição expandiu-se da França e dos EUA para toda a humanidade.

Ao consagrarem as liberdades individuais, tais documentos não os tomam por meras concessões do soberano: eles as reconhecem aos direitos originários dos homens.

Destaque-se que o primeiro dos dezessete artigos da Declaração francesa de 1789 afirmou a liberdade e a igualdade em direitos dos homens. E, no artigo seguinte incumbe as associações políticas de conservar os direitos naturais e imprescritíveis do homem, tais como a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.

 Dentre outros direitos, a Declaração dos franceses enuncia a liberdade de expressão e de imprensa (com a responsabilização por abusos) e a presunção de inocência até a declaração da culpa, além de dispor que a lei só poderá proibir as ações nocivas à sociedade.

Segundo Leibholz, a concepção clássica dos direitos de liberdade sofreu modificações ao longo do século XIX. Eles já não são aqueles direitos individuais ilimitados que separavam o indivíduo do Estado: aqui e ali, surgem também as obrigações do indivíduo em face do Estado. A liberdade se subordina, sob essa nova perspectiva, ao Estado.

Nenhum direito privado existe fora do Estado. O famigerado mote de Mussolini não era ecoado à toa: “Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado (Leibholz, 2007). “Dentro do Estado a liberdade com a disciplina; fora, nada. Dentro da nova lei cada direito é sagrado porque é um dever.

É um dever do cidadão diante de si mesmo, porque é um dever diante da Pátria”, sentencia Giovanni Gentile (“Dentro lo Stato la libertà con la disciplina; fuori, niente. Dentro la nuova legge ogni diritto è sacro perchè è um dovere. E’ un dovere del cittadino verso se stesso, perchè è un dovere verso la Patria”).

A doutrina dos direitos humanos finca suas raízes na filosofia jusnaturalista, cujo ponto de partida é o estado de natureza86, “onde os direitos do homem são poucos e essenciais: o direito à vida e à sobrevivência, que inclui também o direito à propriedade; e o direito à liberdade, que compreende algumas liberdades essencialmente negativas” (Bobbio, 1992).

Nos Estados Unidos da América, as Declarações da Virgínia e da Independência, ambas de 1776, expressam, segundo Costas Douzinas, o ideal naturalista de que os direitos do homem estariam melhor protegidos se o Estado não promovesse intervenções na sociedade.

O governo não haveria de interferir naquilo que Thomas Paine define como as leis naturais da troca de bens e do trabalho social – que, sem controles ou obstáculos governamentais, levariam inexoravelmente à harmonia social.

Os interesses dos indivíduos seriam os da própria sociedade. A função do governo se resumiria, assim, a aplicar os direitos naturais, que precederiam qualquer associação política.

Sob a perspectiva liberal, informou Bobbio, os direitos do homem, considerados como direitos que o homem tem enquanto tal, independem do poder político, incumbido unicamente de protegê-los. “Apenas o seu pleno reconhecimento dá origem àquela forma de Estado limitado por excelência que é o Estado liberal [...]”. Esses direitos fundamentais representariam uma limitação do poder político, uma barreira contra eventuais sanhas regulamentadoras do poder soberano (Bobbio, 2004).

Tem-se, aí, a consagração de um individualismo fortemente marcado pela desconfiança em relação ao Estado e a todas as formas do poder organizado: o mundo de indivíduos orgulhosos de sua radical independência.

O estado de natureza era uma mera ficção doutrinária, que devia servir para justificar, como direitos inerentes à própria natureza do homem (e, como tais, invioláveis por parte dos detentores do poder público, inalienáveis pelos seus próprios titulares e imprescritíveis por mais longa que fosse a duração de sua violação ou alienação), exigências de liberdade provenientes dos que lutavam contra o dogmatismo das Igrejas e contra o autoritarismo dos Estados” (Bobbio, 1992).

A concepção individualista custou a abrir caminho, já que foi geralmente considerada como fomentadora de desunião, de discórdia, de ruptura da ordem constituída. Em Hobbes, surpreende o contraste entre o ponto de partida individualista (no estado de natureza, há somente indivíduos sem ligações recíprocas, cada qual fechado em sua própria esfera de interesses e em contradição com os interesses de todos os outros) e a persistente figuração do Estado como um corpo ampliado, um ‘homem artificial’, no qual o soberano é a alma, os magistrados são as articulações, as penas e os prêmios são os nervos etc.

A concepção orgânica é tão persistente que, ainda nas vésperas da Revolução Francesa, que proclama os direitos do indivíduo diante do Estado, Edmund Burke[1] escreveu: ‘Os indivíduos passam como sombras, mas o Estado é fixo e estável.’ E, depois da Revolução, no período da Restauração[2], Lamennais acusa o individualismo de ‘destruir a verdadeira ideia da obediência e do dever, destruindo com isso o poder e o direito’. E, depois, pergunta: ‘E o que resta, então,  senão uma terrível confusão de interesses, paixões e opiniões diversas?’” (Bobbio, 1992).

Defensores da separação entre o Estado e a sociedade, os liberais tomam os direitos fundamentais por esferas de autonomia a serem protegidas da intervenção estatal. Competiria às autoridades públicas apenas garantir as condições para o livre exercício dos direitos naturais do indivíduo.

A rigor, dotados de um status negativo, “os direitos fundamentais assumem, naturalmente, o carácter de direitos contra o Estado, de garantias da autonomia individual contra as invasões do soberano”.

Os verdadeiros direitos fundamentais seriam, portanto, os direitos do homem individual, isolado e abstrato – a exemplo da liberdade pessoal, da liberdade de consciência e sobretudo da propriedade privada, cuja defesa justificaria, inclusive, sustenta Jorge Reis Novais, a exclusão do direito ao voto.

A título ilustrativo, Benjamin Constant[3] argumentou que, com o voto, as massas atentariam, em seu próprio benefício, contra a propriedade alheia – justamente a da burguesia (Novais, 2013).

Segundo Schmitt, são direitos fundamentais, sob o Estado burguês de direito, aqueles que “podem valer como anteriores e superiores ao Estado” – que os reconhece e os protege como “esferas da Liberdade”. Relativizado pela burguesia – um simples meio com faculdades limitadas –, o Estado só existe para proteger os direitos fundamentais, que constituem, “essencialmente”, os direitos de um homem individual livre, de um homem universal, abstrato e isolado cuja nacionalidade é irrelevante. “Todos os teóricos do Estado do liberalismo burguês acentuam [...] que todo poder estatal tem que ser limitado” (Schmitt, 1996a).

A liberdade de associação, de sindicalização, a liberdade de imprensa e de manifestação também são, segundo Schmitt, direitos “muito importantes”: os homens, afinal, sempre se relacionam com outros homens.

Mas, afastando-se dos “direitos individualistas de liberdade” de jaez “humano-individualista”, tais direitos podem “facilmente” deixar de ser apolíticos. Esvai-se, assim, “o absoluto de sua proteção” – evidência de que eles não podem ser tidos por direitos fundamentais “autênticos”.

Em um Estado burguês de Direito só podem ser considerados os direitos fundamentais, os direitos de liberdade do homem individual, apenas eles são, a princípio, ilimitados.

Todos os direitos fundamentais autênticos são direitos fundamentais absolutos, isto é, não se garantem ‘com base nas leis’; seu conteúdo não resulta da Lei, mas a ingerência legal aparece como exceção [...] regulada em termos gerais” (Schmitt, 1996a).

Para Bobbio, a propriedade, declarada um direito inviolável e sagrado, “caracterizará historicamente a Revolução de 1789 como revolução burguesa” – que deve muito a Locke, para quem a propriedade privada decorre do trabalho individual, uma atividade desenvolvida antes e fora do Estado.

Durante séculos, o direito de propriedade serviu como barreira contra o poder arbitrário do soberano. Não por acaso, Hobbes toma por sediciosas as teorias que conferem aos cidadãos a propriedade absoluta das coisas sob sua posse (Bobbio, 1992).

Jorge Reis Novais defende que, “no Estado de Direito liberal, sob a égide da burguesia, mais que conteúdo de um direito fundamental, a propriedade é, como diz Vieira de Andrade, ‘uma condição objetiva (uma garantia) de liberdade – constituindo e distribuindo o poder de escolha (de compra) – e, simultaneamente, de felicidade’”,

A distinção de poderes constitui, para Schmitt, o segundo princípio do Estado burguês de direito. É ele que deve, na prática, assegurar a “moderação e o controle de todos os órgãos de poder do Estado” (Schmitt, 1996a).

De acordo com Schmitt, a Revolução Inglesa conduziu, com o “senhorio do Parlamento”, a intentos teóricos e práticos que objetivavam a distinção ou divisão dos campos de atuação do poder do Estado.

A lei passa a ser tida, então, como uma norma geral e válida para todos – inclusive para o legislador. Em seu Oceana, James Harrington forjou um intrincado sistema de freios e contrapesos para o mútuo controle dos diferentes ramos do Estado.

Ainda em solo inglês, Locke defendeu, em seus Tratados sobre o Governo, a distinção entre o legislativo e o executivo: por dar margem ao arbítrio e a medidas particulares, não seria bom que os mesmos homens elaborassem e executassem as leis (Schmitt, 1996).

No sentido da ideia de equilíbrio que, segundo Schmitt, marcou o pensamento europeu desde o século XVI, o equilíbrio da balança comercial, o equilíbrio do egoísmo e do altruísmo, o equilíbrio newtoniano da atração e da repulsão.

Montesquieu também tratou, na França, da necessidade de que um poder sirva de freio para os demais. Nos EUA, sua Constituição de 1787 foi além do sistema de freios e controles ao instituir a separação de poderes.

Esta não conferiu ao presidente a iniciativa de lei. Mas, fora a Constituição francesa de 1791 a primeira lançar em seu bojo a expressão "separação de poderes" e, a distinção está presente em todas as Constituições do Estado burguês de Direito, ainda que se trate de um esquema teórico que nunca foi colocado em prática em todos os seus detalhes (Schmitt, 1996a).

Apesar dessas ambiguidades, esta não constitui, definitivamente, um sistema simples, pois a teoria da separação de poderes foi, a mais significativa das doutrinas modernas a respeito do controle e dos limites do poder do Estado. Há mais de três séculos esta é tomada de forma quase unânime, por um requisito básico de todo Estado constitucional.

É verdade que suas raízes se encontram na Antiguidade. Mas, sua formulação “coerente” só ocorrerá na Inglaterra do século XVII. Com potencial revolucionário, alardeada como “o grande segredo da liberdade e do bom governo”, a teoria da separação de poderes passaria a ser usualmente manejada, dali em diante, sobretudo nos Estados Unidos da América e na França, por aqueles que se batiam contra os privilégios aristocráticos e o poder monárquico.

Um panorama da doutrina pura, um modelo ideal, da separação de poderes: In: VILE “É essencial para o estabelecimento e conservação da liberdade política que o Estado se dividia em três ramos ou departamentos, chamados corpo legislativo, corpo executivo e corpo judicial”.

A cada um destes três ramos corresponde uma função, que leva seu próprio nome. Cada ramo do Estado deve limitar-se a exercer a função que lhe é própria, sem que se lhe permita interferir nas funções dos outros ramos.

Ademais, as pessoas que compõem cada uma destas três agências devem ser diferentes, sem que se permita que um só indivíduo forme parte de mais de um ramo simultaneamente.

Deste modo, cada um dos três ramos controlará os dois restantes, e o manejo da maquinaria do Estado nunca poderá ficar nas mãos de um só grupo de indivíduos.”

A doutrina da separação de poderes tem como essencial a restrição do poder do Estado através de sua dispersão, de sua divisão. A história dessa teoria constitui, segundo Vile, o reflexo da aspiração humana por um sistema de governo capaz de sujeitar o exercício do poder a um controle. Aliás, problema sobre o qual já se dedicaram pensadores antigos, fontes de inspiração para os estudos modernos.

Aristóteles chamou a atenção sobre a conexão entre a legalidade e as funções do Estado. As Leis deveriam ser aplicadas com certa margem de discricionariedade, aos casos individuais. Tem-se, portanto, duas operações diversas, a saber: a criação e a execução das leis.

Locke também defenderia, muitos mais tarde, a necessidade de separar o processo de criação das leis de sua execução. A doutrina da separação dos poderes constitui elemento fundamental do pensamento político-jurídico do pensador inglês, para quem as

as autoridades legislativas e executivas têm suas origens no estado de natureza, no qual, sustenta, não há, porém, uma lei estabelecida, fixa e de conhecimento geral, juízes imparciais investidos da função de resolver disputas em torno de sua aplicação e, ainda, um poder a respaldar e garantir a execução de suas sentenças.

A divisão enunciada é tripartida, mas Locke se manteve fiel, na maior parte dos primeiros capítulos de seu “Segundo Tratado sobre o Governo Civil”, a antiga divisão entre duas únicas funções e autoridades.

Já se reconhecia expressamente a necessidade de juízes independentes e imparciais, Locke não agrega aos poderes legislativo e executivo e um poder judicial. Sua contribuição mais importante à concepção das funções do Estado é uma divisão no interior do poder executivo.

Além da autoridade executiva propriamente dita, dentro deste, uma função por ele denominada federativa, encarregada dos assuntos externos, a exemplo das declarações de guerra ou dos tratados em potências estrangeiras.

Trata-se, no fundo, também de uma função executiva, mas diferenciada das tarefas internas do governo.

Segundo a versão difundida no século XVII da separação de poderes, Locke defende que, de modo a preservar a liberdade, o executivo e o legislativo devem, exercidos por instâncias diferentes, recair em mãos diversas: "Como afirmava Locke insistentemente, deveria haver um poder executivo separado, já que o corpo legislativo devia ocupar-se unicamente de aprovar normas gerais e não podia funcionar de maneira contínua e ininterrupta”.

As ressalvas do pensador inglês quanto à frequência das reuniões dos parlamentares denotam sua desconfiança não apenas em relação ao rei, mas também ao corpo legislativo.

E, para o pensador inglês, in litteris: "como pode ser muito grande para a fragilidade humana a tentação de ascender ao poder, não convém que as mesmas pessoas que detêm o poder de legislar tenham também em suas mãos o poder de executar as leis, pois elas poderiam se isentar da obediência às leis que fizeram, e adequar à lei a sua vontade, tanto no momento de fazê-la quanto no ato de sua execução, e ela teria interesses distintos daqueles do resto da comunidade, contrários à finalidade da sociedade e do governo.

Por  isso, nas comunidades civis bem organizadas, onde se atribui ao bem comum a importância que ele merece, confia-se o poder legislativo a várias pessoas, que se reúnem como se deve e estão habilitadas para legislar, seja exclusivamente, seja em conjunto com outras, mas em seguida se separam, uma vez realizada a sua tarefa, ficando elas mesmas sujeitas às leis que fizeram; isto estabelece um vínculo novo e próximo entre elas, o que garante que elas façam as leis visando o bem público (Locke, 2019)."

Ressalte-se que nenhuma das agências do Estado é, para Locke, onipotente. Ainda que a função legislativa seja anterior à executiva, o que implica sua supremacia, pois o executivo deve seguir as normas estabelecidas pelo legislativo, os poderes dos parlamentares não poderiam ser arbitrários ou ilimitados.

O legislativo defende o pensador inglês, não pode arrogar para si um poder de governar por decretos arbitrários improvisados, mas se limitar a dispensar a justiça e decidir os direitos do súdito através de leis permanentes já promulgadas e juízes autorizados e conhecidos. (Locke, 2019).

Outro doutrinador assevera que para Locke, a natureza da autoridade administrativa está relacionada aos procedimentos predeterminados, e não se estende à imposição de editos improvisados ou resoluções sem fundamento. O legislador não pode, assim, segundo o filósofo inglês, simplesmente fazer o que lhe der na veneta e segundo ao seu bel prazer.

A teoria do Estado segundo Locke[4] apresenta os elementos basilares da doutrina da separação de poderes, não em sua forma pura, pois defende o poder do veto do rei aos projetos do legislativo e, ainda, a supervisão feita por parlamentares, da execução das leis, justamente como Montesquieu que, mesclou a divisão de poderes com um sistema de freios e contrapesos, ao prever, por exemplo, a possibilidade do chefe do executivo de convocar o corpo legislativo e determinar a duração de suas assembleias.

Conclui-se que Montesquieu não é o mais original dos teóricos da separação dos poderes, e existiram inúmeras de suas teses são tomadas, por exemplo, por Locke.

Não há dúvida que é o nome do filósofo francês o mais citado quando o tema vem à baila, ainda que a expressão "separação de poderes" não seja explícita em seu livro "O Espírito das Leis”, onde afirmou que a liberdade desaparece quando os três poderes não estão separados. Não são fortuitas as divergências a respeito da teoria de Montesquieu.

Na Europa, os juristas enxergam em sua obra uma notável defesa da doutrina pura da separação de poderes. Uma outra corrente de pensadores, integrada por politólogos, nela identifica uma doutrina da separação parcial de poderes, matizadas por sistema de frios e contrapesos.

Há ainda quem defenda que aplicar a expressão "separação de poderes" ao pensamento de Montesquieu é um exagero ou uma tergiversação.

Louis Althusser[5] também sustentou que a teoria de Montesquieu engendrou um verdadeiro mito entre os juristas que seriam cegos as possibilidades de interferências recíprocas entre os poderes no modelo exposto na obra O Espírito das Leis, a título ilustrativo,

o direito de veto do executivo aos projetos de lei do Parlamento, a tomada de contas realizada pelo legislativo em face dos ministros do governo e o julgamento dos processos políticos pelas câmaras baixa e alta.

Não se enxerga a pureza alguma na separação de poderes, mas sim, uma combinação, fusão ou ligação destes.

Para Montesquieu que estava preocupado com a relação política entre as três potências dos dois poderes existentes. No executivo e no legislativo que mediam as forças o rei, a nobreza e o povo, isto é, o executivo, a câmara alta e a câmara baixa.

O barão iluminista buscava arquitetar um governo moderado. Seu problema era, portanto, antes de tudo, político: ele não dizia respeito ao universo jurídico da “definição da legalidade e das suas esferas”.

“A famosa separação dos poderes”, conclui o autor de Aparelhos Ideológicos de Estado, “não passa da divisão ponderada do poder entre potências determinadas” – um cálculo que, no fim das contas, asseguraria, em um turbulento período revolucionário, prestígio e proteção à já decadente aristocracia.

Apesar das divergências de interpretação à parte, não resta dúvida de que Montesquieu inova ao colocar o poder de julgar no mesmo nível analítico de outras duas funções estatais, estabelecendo, assim uma trindade, o legislativo, executivo e judicial, que viria a caracterizar o pensamento político moderno.

Conquanto não atribua ao ramo judicial o mesmo status dos ramos legislativo e executivo, o iluminista francês se bate insistentemente pela independência dos juízes. Tudo somado, Montesquieu formula, em 1748, a divisão tripartida das funções do Estado de um modo similar ao que se tem nos dias de hoje, com a função legislativa incumbida da criação das leis, a executiva de seu cumprimento e a judicial da resolução dos conflitos a propósito de sua aplicação.

Tais funções, ressalta Vile, contêm, em si, claramente diferenciados, todos os poderes do Estado (Vile, 2007). “Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as relações públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares” (Montesquieu, 1996).

A importância de Montesquieu é tamanha que, depois dele, ganhando ares de autonomia, a doutrina da separação de poderes deixa de ser uma teoria exclusivamente inglesa para se tornar uma “característica universal de todo Estado Constitucional” (2007).

Do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos da América, James Madison afirmaria que Montesquieu era o “oráculo sempre consultado e sempre citado” a respeito do tema: “se ele não é autor do inestimável preceito de que falamos, pelo menos foi ele quem melhor o desenvolveu e quem o recomendou de uma maneira mais efetiva à atenção do gênero humano.

A manutenção do regime de separação de poderes exige, segundo Alexander Hamilton ou James Madison, que seus ocupantes tenham “a menor influência possível na nomeação dos depositários dos outros poderes”. A “desgraça”, contudo, é que, nos governos republicanos, “o Poder Legislativo há de necessariamente predominar” – algo que poderia ser um pouco minimizado, alvitram os Federalistas, com a atribuição do poder de veto parcial ao poder executivo, que, assim, teria sua “fraqueza” compensada.

O protagonismo do poder legislativo não é fortuito. No Estado de direito do liberalismo oitocentista, aduziu Novais, a divisão de poderes não é neutra ou exatamente equilibrada, pois é no parlamento, sua fortaleza em face das investidas do executivo, que a burguesia, assegurando o controle da atividade administrativa por meio do princípio da legalidade, faz valer a sua força social (2013). Em suas origens, o Estado de Direito europeu vê o poder legislativo prevalecer sobre o executivo e o judiciário. A subordinação de todos os órgãos do Estado à lei dá significado tanto à divisão de poderes quanto aos direitos fundamentais.

O parlamentarismo é na estrutura policêntrica do Estado da Idade Média que se encontram os pressupostos para o nascimento das instituições parlamentares, sustenta Maurizio Cotta. A descentralização da autoridade feudal exigia, então, um elemento “compensatório” ou de unificação. Esse papel seria desempenhado, em um primeiro momento, por pequenas assembleias integradas por feudatários leigos e eclesiásticos diretamente ligados à figura do soberano (Cotta, 1993).

Mas, pouco a pouco, essas assembleias crescem e se tornam os “parlamentos medievais”, onde passam a ter assento, também de modo gradual, delegados dos centros urbanos, cuja importância econômica e social só fazia crescer. Entre os séculos XII e XIV, essas instituições perdem, assim, por toda a Europa, o caráter consultivo de outrora: “o Magnum Consilium se transforma em Parlamentum, saindo desta transformação com uma posição de maior autonomia em face do poder régio” (Cotta, 1993).

Com o objetivo de fazer valer seus programas políticos, os reis se batem pela instituição de um poder central em seus territórios – tarefa impossível sem o apoio dos poderes periféricos, fossem eles feudais ou urbanos. É o próprio poder real que acaba por trazer para o jogo político institucional esses atores, que, obviamente, defenderão, no parlamento, seus interesses, buscando, inclusive, controlar o soberano. A tensão é evidente: os reis buscam apoio nas assembleias, mas não pretendem dividir seu poder (Cotta, 1993).

Nos séculos XVI e XVII, período das monarquias “nacionais” e “modernas”, as instituições parlamentares sofrem, exceto na Inglaterra, um duro golpe. Os poderes administrativos dos monarcas crescem e os parlamentos testemunham a diminuição de sua força – inclusive em razão de sua subdivisão em classes, astutamente capitalizada pelos reis.

Não se deve esquecer, ainda, de que, à época, a nascente burguesia europeia vê com bons olhos os projetos da monarquia absoluta, tida por uma força que promoveria a superação dos obstáculos da organização feudal às atividades econômicas (Cotta, 1993).

No século XVIII, surge, sem um passado medieval às suas costas, sem uma divisão por classes e com uma ampla base de eleitores, o parlamento norte-americano. Na França, ressurgem, no fim do mesmo século, os Estados gerais.

Essas inovações abriram o caminho para o século de ouro do parlamentarismo, o XIX , quando, na Inglaterra, na França, na Bélgica, na Holanda e na Itália, o parlamento se torna o protagonista do debate político e estende a sua influência sobre o governo, até então sob a batuta régia: “a monarquia constitucional cede o lugar ao regime parlamentar, que tem como fulcro a ‘responsabilidade’ do governo perante o Parlamento” (Cotta, 1993).

Segundo Schmitt, a Europa continental assiste, no século XIX, a um aumento da influência política da “representação popular eletiva” em face dos governos monárquicos. O parlamento ganha poder. Sua atuação já não se restringe à edição de leis. Ele passa a fiscalizar as atividades de governo e a produzir leis outrora tidas por atos típicos do executivo – a exemplo das leis orçamentárias (SCHMITT, 1996a).

Toma corpo, assim, a ideia de um domínio do parlamento sobre o governo. “O princípio da distinção de poderes teria sido suprimido em benefício de um absolutismo do Parlamento, e a demanda de um Governo parlamentar se converteria em uma demanda puramente democrática”. É sob esse pano de fundo que o sistema parlamentar se torna a “forma de Governo própria de uma Constituição moderna do Estado de direito” (Schmitt, 1996a).

Tal sistema constitui a “essência do Estado burguês de Direito”, “a exigência política própria da burguesia liberal”. O parlamentarismo não é, exatamente, uma forma de governo independente ou especial, mas um blend de diversas formas de governo. Há, nele, expressos na figura do governo, elementos monárquicos. A representação no parlamento tem tintas aristocráticas – sobretudo quando presentes uma câmara baixa e uma câmara alta. A votação direta para a escolha dos membros do parlamento é a contribuição democrática para o sistema.

“A peculiar situação política do liberalismo burguês – colocado entre a soberania do príncipe e a do povo –, encontrou sua expressão nessa forma política intermediária” (Schmitt, 1996a).

A “parlamentarização” do governo constitui, na Europa continental do século XIX, um programa dos partidos democráticos contra o governo monárquico. Ao menos na França e na Alemanha, o parlamentarismo é trabalhado como sistema político idealmente fundamentado entre 1815 e 1848 – “a época clássica da ideia parlamentar”. Apenas no século XX – quando a burguesia, com seu poder já consolidado, “esqueceu-se da verdadeira luta” –, o parlamentarismo tornar-se-ia, nos termos de Max Weber, uma regra de jogo prática.

Além disso, de 1815 a 1830, a burguesia liberal se choca, entre as experiências revolucionárias e napoleônicas, contra a monarquia e contra a Restauração (In: Schmitt, 1996).

Entre 1830 e 1848 toma forma, na França e na Bélgica, um sistema político por muitos encarado como o tipo ideal do Estado burguês. E, neste a burguesa liberal se encontra a caminho da derrotada monarquia e da pujante democracia radical ou mesmo proletária. Sua posição intermediária reflete um ideal de moderação política.

Em 1848, ano marcado por inúmeras revoluções, os burgueses se apoiam na monarquia e em um conceito de lei típico do Estado de direito para resguardar a sacralidade da propriedade privada e da liberdade tipicamente burguesa. Por outro lado, eles recorrem à ideia de representação popular democrática contra as pretensões monárquicas (Schmitt, 1996ª).

Schmitt lembra que à burguesia já não apetecia, em 1848, o princípio da revolução. Os burgueses não aspiravam, porém, a um retorno ao passado. Na verdade, eles não queriam “nada concreto” – nem monarquia, nem ditadura e nem república.

A manutenção de um rei no poder poderia atiçar as massas pequeno-burguesas ou proletárias. Um regime ditatorial não prezaria pela liberdade. Uma república poderia, fraca, cair nas mãos da aristocracia. A rigor, a única demanda burguesa é, em um ambiente político moderado, a segurança. “Os princípios da liberdade burguesa podem, pois, conciliar-se com qualquer forma de governo, contanto que sejam reconhecidas as limitações jurídico-políticas do poder do Estado e o Estado não seja ‘absoluto’” (SCHMITT, 1996a).

A instrução e a propriedade são, segundo Schmitt, as bases do sistema parlamentar forjado, sob um delicado equilíbrio, pela burguesia liberal. “O Parlamento burguês do século XIX é, pela ideia a que responde, uma assembleia de homens ilustrados, que representam ilustração e razão: a ilustração e a razão da Nação inteira”.

Cabem aos sábios representantes do povo identificar o desejo da população – ainda que ela mesma não saiba exatamente qual é a sua verdadeira e efetiva vontade, aquela que lhe convém99. Nos termos de Ernst Renan, a opinião da maioria não há de se impor se ela não estiver de acordo com a razão e a opinião ilustrada (Schmitt, 1996a).

Mas esse parlamento recebe tanto a função de representar toda a nação quanto a incumbência de representar os interesses dos proprietários, tarefa cuja efetividade é assegurada pelo voto censitário. E, ao por exemplo, ao editar normas tributárias, os parlamentares não têm em vista apenas a representação nacional, são seus próprios interesses que estão em jogo.

Aos poucos, a luta política da burguesia cede espaço para a econômica. Enfim, os burgueses perderam a fé no caráter representativo do parlamento e se aliam a governos dos mais diferentes matizes: as monarquias constitucionais, ao bonapartismo e as repúblicas constitucionais, com a condição evidente que não fossem colocados em xeque seus interesses econômicos, notadamente, o instituto da propriedade privada.

A proeminência do poder legislativo, de um governo das leis, leva consigo a ideia de que as mudanças sociais só poderiam se dar por meio da legislação. Tudo estaria, assim sob controle, pois, ao menos na Inglaterra e na França do século XIX, as classes médias ocupam a maior parte das cadeiras do parlamento. Ao elaborar as leis, a burguesia não atentaria, obviamente, contra seus próprios interesses.

As intervenções sobre a liberdade e a propriedade não a prejudicariam. E mais: o parlamento atuaria, assim, como um instrumento para frear o progresso social. “A invocação do direito como o único soberano e o dictum de que soberania é ‘um Governo de leis e não de homens’ torna supérfluo mencionar que, na realidade, os homens governam, mesmo quando o fazem dentro da estrutura legal” (Neumann, 1969).

Aos poucos e progressivamente, porém, com a supressão do sufrágio atrelado ao tamanho do bolso e com a participação cada vez mais ativa das massas na política, o Parlamento se afasta de seu caráter ilustrado e se torna um meio de expressão da opinião pública.

Especificamente, na Alemanha, pensadores Robert von Mohl advertiram que o delicado e conflituoso equilíbrio entre a monarquia constitucional, de um lado e, a representação popular e o governo, de outro, não duraria para sempre.

Os liberais e os democratas defendem, à época, um parlamento mais forte, mas não contam com uma teoria coesa e convincente para auxiliá-los em sua empresa.

O problema não era dos menores: se já não era possível ignorar o proletariado e liberais como Max Weber, Hugo Preuss e Friedrich Naumann defendiam “inserir” essa nova classe no Estado, o sistema parlamentar tinha por base a instrução e a propriedade privada. No fim das contas, “a ideia e sentimento especificamente liberais e próprios do Estado burguês de Direito cedem seu posto a uma união de Democracia e reforma social.

De acordo com Max Weber, a parlamentarização e a democratização não se encontram necessariamente em uma relação de reciprocidade, mas com frequência se opõem uma à outra.

Ultimamente, chegou-se às vezes até a crer que se trata de uma oposição necessária, pois segundo esta opinião, um verdadeiro parlamentarismo apenas é possível em um sistema bipartidário e, isto somente com uma dominação de notáveis aristocráticos dentro dos partidos. E, de fato, o antigo parlamentarismo histórico da Inglaterra, de acordo sua origem estamental, não era, nem mesmo após reform bill e durante o primeiro tempo da guerra, autenticamente "democrático" no sentido continental. (2009).

Segundo a Weber, o líder político nas democracias de massas não é eleito por se destacar, no parlamento, dentre uma camada de notáveis, mas por sua pessoa. Há, nestas, uma tendência cesarista, os cidadãos creem na vocação do líderem e o aclama. Apesar disso, nota o autor de Economia e Sociedade, nenhum democrata, havia até então, exigido seriamente a eliminação do parlamento, insubstituível quando se cogita de processo legislativo, da publicidade dos atos da própria administração ou, sua tarefa precípua, da fixação do orçamento.

Equiparado à burguesia sob ponto de vista jurídico-político, o proletariado põe em perigo o poder econômico burguês.  O sujeito economicamente fraco procura, por meio da legislação, agredir aquele economicamente forte para constrangê-lo a ampliar as prestações sociais, ou mesmo para subtrair a sua propriedade. Assim o capitalismo conduziu o princípio democrático até que o seu autor, a burguesia, venha a ser ameaçada em seu domínio. Do ponto de vista do Estado de direito não parece de fato possível uma exclusão permanente do proletariado do legislativo (Heller, 1987).

Weber sustenta que o “perigo” da democracia de massas repousa em seu caráter particularmente emocional e irracional: “as ‘massas’, como tais (quaisquer que sejam as camadas sociais das quais se compõem no caso concreto), ‘somente pensam até depois de amanhã’”. Decisões “com a cabeça fria” são mais comuns quando pequeno o número daqueles que dela participam – coisa que, defende o sociólogo alemão, também facilita a definição da responsabilidade de cada um.

Esse legislador popular, afirma Heller, torna-se “aquele espírito que a burguesia evocou sem poder domá-lo”. Conferir aos juízes, membros das classes dominantes, o poder de controlar o conteúdo das leis foi uma tentativa de frear o risco de um Estado de direito social.

Mais tarde, alguns países se valeram “do diabo da ditadura” para exorcizar a ameaça. Rechaçando o seu próprio mundo espiritual, deixando de lado a dimensão ética de suas antigas concepções políticas, a burguesia põe em xeque seu ideal de Estado de direito – um processo de negação e de esvaziamento que, a rigor, já ocorria desde as revoluções europeias de 1848.

Dali em diante, uma concepção material do Estado de direito daria lugar a construções técnico-formais. Só importaria, então, a previsibilidade da certeza burguesa da lei – não mais a sua justiça.

Tocqueville já defendia que um Judiciário independente seria fundamental para garantir a estabilidade da república dos Estados Unidos da América: “Não são apenas as garantias jurídicas isoladas, mas sobretudo a capacidade constitucionalista dos juízes americanos que Tocqueville apresenta como guardiões para que a pressão da maioria não influencie, retarde e obstrua os tribunais; atuando assim como um forte baluarte contra a tirania e como ‘único contrapeso para a democracia’”.

Sustentou Norberto Bobbio que desde a Antiguidade, o problema da relação entre direito e poder foi apresentado com esta questão: é melhor o governo das leis ou o governo dos homens? (2004).

A opinião de que a lei deve reinar, não os homens, é tão antiga quanto a própria noção da lei. Esse questionamento também foi o de Aristóteles em sua obra "A Política", in litteris: “o ponto principal dessa pesquisa é saber se é mais vantajoso ser submetido à autoridade de um homem ou à de leis perfeitas”.

As leis são demasiadamente genéricas: elas não seriam capazes de dar conta dos casos particulares – diriam os partidários do governo dos homens. Mas, pondera Aristóteles, alheia às paixões e às moléstias, “a lei é inflexível; a alma humana, ao contrário, está forçosamente sujeita às paixões”, que corrompem os magistrados e os melhores homens (Aristóteles, 2011).

A generalidade, a constância e a frieza da lei fizeram com que ela fosse identificada, segundo Bobbio, com a voz da razão. Não à toa, as primeiras constituições escritas, as norte-americanas e as francesas, “nascem sob o signo da missão histórica extraordinária de quem instaura, com um novo corpo de leis, o reino da razão, interpretando as leis da natureza e as transformando em lei positiva com uma constituição saída, de um só jato, da mente dos sábios” (Bobbio, 2004).

De acordo com Simone Goyard-Fabre, ao investigar as bases da legitimidade do poder, “Rousseau e depois a Revolução Francesa não tardarão em confirmar, na teoria e na prática, que a autoridade política só encontra sua fundamentação e sua justificação nos poderes da razão”.

O culto à lei ocorreu desde o século XVIII com o desenvolvimento da legalidade que se tornara o princípio mais atuante do direito político. Ao passo que a legitimidade foi encarada, como a regularidade formal das decisões e das ações do Estado.

Conforme Goyard-Fabre, "a legalidade seria assim, segundo a exigência lógica da racionalidade, o modelo moderno da legitimidade". A união de legalidade e legitimidade acabou por se tornar, desse modo uma das principais marcas da política e do Estado moderno.

Max Weber afirmou que, na modernidade, a dominação legítima é a legal. Assim como as associações políticas de outrora, o Estado também é, segundo o sociólogo alemão, uma relação de dominação. A sujeição à ordem decorre de uma crença na legitimidade da coação.

De caráter racional, a dominação legal se baseia “na crença na legitimidade das ordens estatuídas e do direito de mando daqueles que, em virtude dessas ordens, estão nomeados para exercer a dominação” (Weber, 2015).

Na dominação legal, “todo direito, mediante pacto ou imposição, pode ser estatuído de modo racional – racional referente a fins ou racional referente a valores (ou ambas as coisas) – com a pretensão de ser respeitado pelo menos pelos membros da associação [...]”. O superior, o senhor legal típico, obedece, nela, à ordem impessoal de regras abstratas: “no caso da dominação baseada em estatutos, obedece-se à ordem impessoal, objetiva e legalmente estatuída e aos superiores por ela determinados, em virtude da legalidade formal de suas disposições e dentro do âmbito de vigência destas” (Weber, 2015).

De fato, o governo da lei é o fundamento do Estado de direito, “cujos poderes são exercidos no âmbito de leis preestabelecidas” (Bobbio, 2004). “O Estado burguês de Direito se baseia”, afirma Schmitt, “no império da Lei”: ele é, por isso, um “Estado Legalitário” (1996a).

Além de respeitar a liberdade burguesa, a lei de um Estado de direito há de ser uma “norma geral, fixada de antemão e igual para todos”, à qual o próprio legislador deve ser submetido (Schmitt, 1996a). Assim, apenas normas de caráter geral são tidas por lei (NEUMANN, 1969).

A burguesia adotou, na luta por sua liberdade e por seu Estado de direito, uma concepção de lei que, remontando a uma velha tradição europeia, nela vê “uma coisa geral-racional; não vontade, mas razão”.

Uma lei só poderia ser geral se dispusesse de certas “propriedades” – a exemplo da retidão, da razoabilidade e da justiça. Uma lei jamais poderia ser, portanto, arbitrária. Mas, nota Schmitt, Hobbes se volta contra esse conceito de lei ao afirmar que a autoridade, e não a verdade, faz a lei, mandato cuja validade nada deve, segundo o autor de ‘’O Leviatã”, a eventuais qualidades morais ou lógicas.

Já para Rousseau, a lei exprime uma vontade geral e racional. Todos, em pé de igualdade, legislariam de maneira justa – afinal, racionalmente, ninguém seria injusto consigo mesmo (Rousseau, 1978). A obediência a uma vontade geral e racional afastaria arbitrariedades e voluntarismos. A democracia e a liberdade identificar-se-iam, assim, com a soberania da lei (NOVAIS, 2013) – que deve ser sempre geral:

Quando enfoco que o objeto das leis é sempre geral, por isso entendo que a Lei considera os súditos como corpo e as ações como abstratas, e jamais um homem como um indivíduo ou uma ação particular.

Nesse modo, a Lei poderá muito bem estatuir que haverá privilégios, mas ela não poderá concedê-los nominalmente a ninguém: a Lei pode estabelecer diversas classes de cidadãos, especificar até as qualidades que darão direito a essas classes, mas não poderá nomear este ou aquele para serem admitidos nelas; pode estabelecer um governo real e uma sucessão hereditária, mas não pode eleger um rei ou nomear uma família real. Em suma, qualquer função relativa a um objeto individual não pertence, de modo algum, ao poder legislativo (Rousseau, 1978).

“A declaração de Voltaire de que a liberdade significa dependência exclusivamente à lei se refere apenas a leis gerais. Se for permitido que o soberano decrete medidas individuais, para prender este ou aquele homem, para confiscar esta ou aquela propriedade, isso significa então o fim da independência do juiz, e aquele que tiver que mandar executar essas medidas se transforma em um simples polícia”.

A razão, a vontade e a lei geral e abstrata encontram-se entrelaçadas em Rousseau, para quem, soberano, o povo não tem outra força além do poder legislativo – que pertence unicamente a ele. E, sugere o pensador genebrino, cabe-lhe diretamente – unicamente a ele – dar-se as próprias leis: “Não tendo, o soberano, outra força além do poder legislativo, só age por meio das leis, e não sendo estas senão atos autênticos da vontade geral, o soberano só poderia agir quando o povo estivesse reunido” (Rousseau, 1978).

Mas é de Locke, conforme Schmitt, a fórmula clássica do Estado de direito: as leis devem ser fixadas de antemão – jamais depois dos fatos. Montesquieu também contribui de modo decisivo para a sua configuração ao elaborar a sua teoria da divisão dos poderes: um governo que toma decisões particulares sem qualquer vinculação a normas gerais é despótico.

Sob o ponto de vista de Schmitt, a vinculação de todo e qualquer cidadão, inclusive o legislador, a normas gerais constitui o “nervo essencial de todo pensamento de Estado de direito” (SCHMITT, 1996

A justiça e a razoabilidade, argui Schmitt, acabaram por se tornar “problemáticas” com a “perda de evidência do Direito natural”. “A uma propriedade, no entanto, não cabe renunciar sem que o Estado de direito mesmo desapareça: ao caráter geral da norma jurídica”. Tal caráter geral constitui “o último resto do fundamento ideal do Estado burguês de Direito” (SCHMITT, 1996a).

E, a partir do início do século XX, sustenta Schmitt, toda a construção do Estado burguês de direito passa a se basear unicamente no conceito da lei como norma geral (1996a).

À época, a lei é majoritariamente caracterizada como tudo aquilo que resulta de um procedimento prescrito pela própria legislação. Schmitt fala em tempos de um “formalismo desesperado” (1996a).

O legislador faz, então, “o que quiser”. Aberto é, assim, “o caminho para uma ideia absolutamente ‘neutra’ de legalidade, desprovida de valores e qualidades, funcional-formalístico em sua ausência de conteúdo” (Schmitt, 2007).

Na virada do século XIX para o XX, afirmou Carl Schmitt, domina o panorama jurídico do Estado de direito a ideia de que “Direito = lei; lei = regulamento estatal surgido com a participação da representação do povo”. “O Estado é a lei, a lei é o Estado”.

Há, aí, uma presunção de “congruência” não apenas entre direito e lei, mas entre justiça e legalidade, coisa e processo. A “dignidade” e a “grandeza” da lei estão absolutamente ligadas, em tal “Estado legiferante”, à “confiança na justiça e na razão do próprio legislador e de todos os participantes do processo de legiferação”.

O caráter geral da lei é o “último resto do fundamento ideal do Estado burguês de Direito”. O legislador faz, então, “o que quiser”. Aberto é, assim, “o caminho para uma ideia absolutamente ‘neutra’ de legalidade, desprovida de valores e qualidades, funcional-formalístico em sua ausência de conteúdo” (Schmitt, 2007).

Na virada do século XIX para o XX, afirmou Carl Schmitt, que dominou o panorama jurídico do Estado de direito a ideia de que “Direito = lei; lei = regulamento estatal surgido com a participação da representação do povo”. “O Estado é a lei, a lei é o Estado”. Há, aí, uma presunção de “congruência” não apenas entre direito e lei, mas entre justiça e legalidade, caso  e processo.

A “dignidade” e a “grandeza” da lei estão absolutamente ligadas, em tal “Estado legiferante”, à “confiança na justiça e na razão do próprio legislador e de todos os participantes do processo de legiferação”. É possível, porém, alerta o jurista alemão, que os criadores de legislação deixem, uma hora ou outra, de inspirar confiança – coisa que, ao menos até as duas primeiras décadas do século XX, não havia sido problematizada.

Essa identidade entre o direito e a lei positiva deve ser entendida a partir de seu papel histórico e político, já que segundo Schmitt, tal identificação [...] se insere no combate travado no século XIX pela burguesia liberal contra as estruturas políticas autoritárias do “Estado governamental” monarquista.

O positivismo, no domínio do direito público, não pode senão legitimar a nova fórmula política do “Estado de direito” que, em sua essência, é um Estado legislador. Nessas condições, a doutrina positivista, que faz da vontade legalmente expressa do legislador e legalmente competente a única fonte do direito [...], acompanha a instalação de um regime parlamentar fazendo da legalidade, como já notava Max Weber, a forma exclusiva da legitimidade política e, ainda mais amplamente, do direito como tal.

Para Schmitt, encarar o direito como o simples resultado de determinado procedimento formal sem qualquer vinculação com seu conteúdo substancial e com a justiça nada é senão positivismo. Sob tal perspectiva, afirma o jurista alemão, mesmo normas sem caráter geral poderiam ser tidas por lei: qualquer coisa oriunda da pena do legislador, que “faz o que quiser no processo legiferante”, seria direito e lei. “Com isso, estava aberto o caminho para uma ideia absolutamente ‘neutra’ de legalidade, desprovida de valores e qualidades, funcional formalístico em sua ausência de conteúdo” (Schmitt, 2007).

O conceito de Estado é construído na Europa entre os séculos XIII e XIX e descreve ou indica uma forma de ordenamento político específico que, a princípio limitado às fronteiras europeias, estendeu-se, ao longo do tempo, para o mundo todo. O elemento central dessa forma de organização política é a centralização do poder em determinado território – um contraponto ao “sistema policêntrico e complexo dos senhorios de origem feudal”.

Schmitt não viu com bons olhos essa equiparação entre legalidade e legitimidade. Pois, que “[...] para ele, se a ‘legalidade’ permite estipular o modo de funcionamento típico do Estado parlamentar, ela não constitui nela mesma um princípio de legitimidade. De fato, um princípio de legitimidade, monarca ou povo, é necessariamente uma vontade política, desenvolvendo-se como decisão soberana [...]

A legalidade é, em contrapartida, um princípio rechtsstaatlich: ela não institui uma forma de Estado (forma imperii), mas caracteriza o modo normal de ação e de funcionamento (forma regiminis). A relação entre legalidade e legitimidade se torna mesmo uma relação de oposição, na medida em que o sistema formal da legalidade acaba por ser apresentado pelo positivismo como o único fundamento possível do Estado”.

Para Schmitt, a presunção de justiça e racionalidade da lei deixa de ser evidente com a ascensão do positivismo (Kervégan, 2006). E, sob o ponto de vista do jurista alemão, o positivismo do período entreguerras é um “sobrevivente do século XIX: as condições que permitiram o seu desenvolvimento, aquelas de um Estado legislador estável, não estão mais em curso”.

Em “Ciência e Política: Duas Vocações”, Weber afirma que “o Estado não se deixa definir, sociologicamente, a não ser pelo específico meio que lhe é peculiar, da forma como é, peculiar a todo outro agrupamento político, a saber, o uso da coação física”.

Ainda segundo o sociólogo alemão, o Estado contemporâneo, “única fonte do ‘direito’ à violência”, constitui “uma comunidade humana que, dentro dos limites de determinado território reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física” (WEBER, 2004).

É justamente por meio da força física, lembra Bobbio, que o Estado pretende garantir o respeito às normas jurídicas. E é possível identificar, nas inúmeras teorias do Estado da Idade Moderna, uma “estatização do Direito” e uma “juridificação do Estado”: o Estado e o direito são, a rigor, as “duas faces da mesma medalha”.

Tal convergência leva a um processo de redução do direito ao direito estatal e de redução do Estado a um Estado jurídico: A partir do momento em que nasce o Estado moderno como Estado centralizador, unitário, unificante, que tende à monopolização simultânea da produção jurídica (através da subordinação de todas as fontes de produção do Direito até aquela que é própria do poder estatal organizado, isto é, a lei) e do aparelho de coação (através da transformação dos juízes em funcionários da coroa e da formação de exércitos nacionais), pode-se dizer que não existe outro Direito além do estatal e não existe outro Estado além do jurídico (Bobbio, 1993).

É também nesse processo que, abandonadas as fontes tradicionais do direito, a lei ganha força. Sua relevância, sua supremacia, aumenta à medida que o direito estatal se torna um direito legislativo e a “juridificação do Estado” se identifica com a “legificação do Direito” na esteira das constituições escritas do fim do século XVIII e da edição das grandes codificações.

Bobbio não deixa de notar que, para Locke, a pedra fundamental do “governo civil” é justamente o poder legislativo. Ele lembra, ainda, que, segundo Rousseau, apenas um Estado regido por leis é legítimo. Por fim, o jurista italiano ressalta que, para Hegel, um crítico ferrenho do sistema inglês de precedentes, a lei constitui a máxima expressão da racionalidade do Estado (Bobbio, 1993).

Para Bobbio, a melhor das explicações desse fenômeno de identificação do direito com a forma específica da lei no Estado moderno é a de Weber. “Poder legal é para Max Weber o que recebe a própria legitimidade quando é exercido em conformidade e no âmbito de regras pré-constituídas e pressupõe órgãos especificamente destinados à produção e à contínua modificação destas regras”, esclarece o jurista italiano. A sua legitimidade decorre, assim, de um procedimento adotado e seguido por instituições com competência para a produção da lei.

Essa nova forma de poder legítimo, típica do Estado moderno, acaba por, de modo paulatino, ofuscar o direito consuetudinário. Com isso, a produção das normas gerais deixa de ficar a cargo do costume e passa a ser controlada pelos parlamentos, responsáveis pela estruturação de ordenamentos jurídicos baseados na lei. Essa relevância atribuída à lei distingue, sob o ponto de vista de Bobbio, o Estado moderno de outras formas de organização do ordenamento jurídico.

O Estado de direito é, infere Bobbio, o resultado da junção da imagem do direito como um ordenamento normativo relativamente concentrado com a do Estado tomado por um aparelho que monopoliza o uso da força. Estado e direito tornam-se, de tal modo, um corpo único. “Nenhuma coisa é mais válida do que a doutrina do Estado de direito tornada doutrina oficial do direito público europeu [...] para sintetizar plasticamente o processo da estatização do Direito e de juridificação do Estado, que acompanha a formação do Estado moderno” (Bobbio, 1993).

Apoiada em Hans Kelsen, Simone Goyard-Fabre afirmou que o Estado moderno “não se distingue da ordem jurídica que o organiza”. Como o Estado e o direito são inseparáveis, “o Estado é, portanto, sempre o Estado DO direito”, “a ponto de um Estado de não-direito ser pura contradição”.

A normatividade e a coerção constituem os elementos centrais do Estado moderno, cuja potência soberana, caracterizada pelo monopólio da força, estabelece, por meio da lei, aquilo que deve ser (Goyard-Fabre, 2002).

Schmitt se bate contra tal “concepção monista legalista do Estado, pensado essencialmente como um sistema de normas”. Goyard-Fabre sustenta que, para o jurista alemão, confundir o Estado com o direito e, assim, estabelecer uma espécie de governo da lei alheio às vicissitudes históricas e políticas seria um erro. Ainda segundo a filósofa francesa, Schmitt atribui ao liberalismo abstrato a mediocridade e a vacuidade do formalismo administrativo e burocrático dessa espécie de concepção.

Seu alvo não é apenas Kelsen: “sua polêmica assume [...] maior amplitude e acusa todos os juristas do Estado moderno”. Esses teóricos, afinal, “só falam, num mundo doravante ‘desencantado’ e esvaziado de qualquer sopro espiritual, em nome de uma racionalidade que se pretende tão ‘pura’ que é vazia de qualquer substância”.

Igualmente reféns de uma razão formalista, o parlamentarismo e a democracia representativa padeceriam, conforme Schmitt, do mesmo mal.

 Esse formalismo e essa normatividade se afastam, sob o ponto de vista do teórico alemão, da especificidade política do direito (Goyard-Fabre, 2002).

De fato, para Schmitt, qualquer Estado de Direito apresenta, para além de seu elemento jurídico e normativo, um elemento político. Ser de direito não faz com que ele deixe de ser um Estado. O político integra, obrigatoriamente, o Estado. Nenhuma constituição é unicamente um sistema de normas jurídicas para a proteção do indivíduo em face do Estado. O Estado de Direito é apenas uma parte de toda constituição moderna (Schmitt, 2007)

Admitiu Schmitt, contudo, que a juridicidade e a normatividade representam um destacado papel na “moderna Constituição do Estado burguês de Direito” – uma constituição liberal preocupada, antes de tudo, com a liberdade dos cidadãos enquanto seres humanos.

O brilho e a glória do Estado não lhe interessam. Suas atenções se voltam para os direitos fundamentais ou de liberdade dos indivíduos e para a divisão de poderes – o conteúdo essencial do elemento típico do Estado burguês de Direito, justamente como enunciado no artigo 16 da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e, antes disso, em algumas Constituições de Estados norte-americanos (SCHMITT, 2007)

A Itália pavimentou a estrada para o fascismo. Tudo começou em 1919, logo depois do término da Primeira Grande Guerra Mundial, vencida pela coalização integrada pelos italianos, que aliás viviam às voltas com déficit fiscal enorme, com inflação gigantesca e, ainda, claudicante produção agrícola. E, ainda, seus investimentos na indústria estava paralisados.

Assim, em 1921, a crise econômica assombrava, pois, a economia de guerra elevou a concentração monopolista e a dependência em relação às demandas estatais.

Já no plano político, ignorando o Pacto de Londres, a França, Inglaterra e os EUA se opuseram, terminada a guerra, à anexação da cidade de Fiume pela Itália, pois parte significativa da burguesia e de antigos oficiais das Forças Armadas passaram a atacar o governo.  Cogitava-se, não obstante o triunfo marcial italiano, em vitória mutilada. Pois a classe dominante liberal estava em xeque.

Ecoava no plano político na sociedade que apenas as burguesias industrial e financeira, os chamados tubarões de guerra é que haviam lucrado com a contenda.

E, entusiasmado com a Revolução Russa de 1977, o proletariado, vinha ficando cada vez mais sindicalizado, protestava por melhores condições de trabalho e, de quebra, pelo controle das fábricas. Classe que mais esteve presente no front, o campesinato exigia, por sua vez, a reforma agrária que lhe fora tão prometida durante a guerra.

Enquanto a inflação empobrecia a classe média, a verdadeira base de consenso do Estado italiano.

Lembremos que os primeiros anos do século XX assistiu-se à forte escalada do Imperialismo, período marcado pela concentração da produção e do capital, pela fusão do capital industrial e do capital bancário e ainda pela repartição do mundo e de seus mercados entre as grandes potências.

A busca por lucros era cada vez maior e a conta ficou com os trabalhadores. Palmiro Togliatti sustenta que, por conta disso, as instituições burguesas deram uma guinada reacionária: a burguesia voltava-se, então, contra o que ela mesma havia criado, “[...] pois o que outrora foi para ela um elemento de desenvolvimento tornou-se [...] um obstáculo à conservação da sociedade capitalista”.

 

E o revolucionário italiano arremata: “é por isso que a burguesia deve tornar-se reacionária e recorrer ao fascismo”.

Togliatti nota, porém, que nem todos os Estados imperialistas vivem sob a batuta do fascismo: “é preciso ter cuidado para não cometer o erro de considerar como fatal, inevitável, a passagem da democracia burguesa ao fascismo. Por quê?

Porque o imperialismo não deve necessariamente dar lugar ao regime da ditadura fascista”. A França e a Inglaterra foram dois exemplos.

Heller afirma que, antes e depois da Primeira Guerra, ninguém contribuiu mais do que Mussolini para a desordem. Mesmo depois do primeiro grande conflito mundial, não houve uma única agitação dos trabalhadores que o jornal Il Popolo d’Italia, dirigido por ele, não tenha apoiado. O jurista alemão destaca que a primeira ocupação de fábrica do período foi encabeçada pelo fascista Edmondo Rossoni.

Foi em 1919 que assistiu à criação do Partido Popular italiano, com ideologia católica que, receoso de que as mudanças profundas pudessem estar a caminho, conforme pretendia fazer frente aos socialistas.

O seu idealizador era o Padre Luigi Sturzo, acreditava que as reformas pontuais seriam capazes de conter o ímpeto vermelho, este seria arrefecido com um sistema eleitoral proporcional, o voto feminino, mudanças na estrutura fiscal, a extensão da pequena e da média propriedade agrícola e com a colaboração entre o capital e o trabalho.

As bases do Partido Popular italiano fincaram-se no campo, mas era absolutamente diversas. Apenas o catolciismo uniu os líderes de ligas camponesas aos conservadores e reacionários que o integravam.

Na verdade, “o PPI nascia leigo, mas sua força estava no apoio das paróquias e das estruturas eclesiásticas”: “uma força que podia transformar-se em fraqueza (como realmente aconteceu), quando a Igreja decidisse abandoná-lo” (TRENTO, 1986).

Na mesma época, o Partido Socialista Italiano, criado em 1892, crescia de modo significativo. Encabeçados pelos maximalistas – revolucionários, eles desdenhavam dos minimalistas, os reformistas, que também integravam o partido –, os socialistas contavam com

Antonio Gramsci em suas fileiras. Sua corrente, entusiasta dos sovietes, defendia a necessidade de uma aliança entre camponeses e operários, que, em conjunto, haveriam de liderar um bloco de oposição à burguesia (TRENTO, 1986).

É nesse contexto que desponta a figura de Francesco Nitti, presidente do Conselho de Ministros entre 1919 e 1920: segundo Togliatti, foi nele que, para se salvar, a burguesia depositou suas fichas. Nome do capital financeiro, ele também era o homem de uma democracia mais progressista. Nitti trabalhava com a ideia de fazer pequenas concessões a certos grupos – inclusive às forças mais progressistas, que ele tentava cooptar.

E muito de seu programa coincidia com as propostas dos Fasci di Combattimento da Praça Santo Sepulcro, que, em 1919, falavam na instauração de uma república, na conclamação de uma assembleia constituinte e em medidas como o aumento de impostos sobre capitais (TOGLIATTI, 1978).

Mas Nitti não conseguiu vencer os elementos contraditórios de sua política: seu plano fracassou – sobretudo em razão da resistência do proletariado e do campesinato, que exigiam reformas mais radicais que as esboçadas pelo presidente do Conselho de Ministros (TOGLIATTI, 1978).

Com a queda de Nitti, a burguesia apostou em Giovanni Giolitti mais uma vez. O velho político tinha por propósito, em um programa de colaboração parlamentar, atrair para a base governista o Partido Popular Italiano e a ala reformista do Partido Socialista Italiano. Mesmo Mussolini defendeu, dentro do fascismo, uma política de pacificação em face dos socialistas, que, com a adesão de sua direita e com a saída dos comunistas do partido, aceita o acordo.

 O acordo durou, porém, pouco tempo. “Ao plano de Giolitti corresponde, nas massas, um desencadeamento da contraofensiva, a resistência à ofensiva do fascismo” e, diante disso, “os proprietários rurais, a grande indústria pesada, as finanças, intervieram para desmantelar o pacto de pacificação”. Os fascistas intransigentes também atuaram contra o acordo.

Na verdade, a introdução, em 1913, do sufrágio universal masculino evidenciou que o vetusto e arcaico Partido Liberal Italiano já não poderia governar sozinho. De fato, as eleições de 1919 demonstraram sua fragilidade: os liberais conseguiram, então, 180 cadeiras no parlamento. Seis anos antes, eles tinham 310 delas. Os socialistas foram os mais votados: seus 32% garantiram-lhes 156 deputados, contra os 52 de 1913. O Partido Popular Italiano amealhou 21% dos eleitores – que deram aos católicos 100 representantes.

Como os socialistas e os católicos não se entendessem – dentre outras causas, os vermelhos não viam com bons olhos o fortalecimento da pequena propriedade defendido pelos cristãos –, o novo governo foi formado com a união dos Populares e dos Liberais. Os fascistas obtiveram menos de cinco mil votos nas eleições de 1919.

Classificados por Antonio Gramsci como “os anos do grande medo”, 1919 e 1920 foram marcados por agitações sociais: motivados pelo aumento do custo de vida – que havia experimentado uma alta de aproximadamente 40% desde 1918 –, assaltos e saques a lojas tornaram-se frequentes. O período também foi marcado por uma série de greves operárias e camponesas.

Na indústria, elas somaram 300 em 1918 e, dois anos mais tarde, 1880. No campo, mais de um milhão de trabalhadores assalariados cruzaram os braços em 1920. Terras incultas e latifúndios foram ocupados: a reforma agrária prometida ainda durante a guerra não fora levada a cabo.

Pressionado, o governo concedeu tais glebas a cooperativas. Os liberais estavam sitiados: se a esquerda considerava tímidas as suas medidas, a burguesia as via como perigosas.

Giolitti, velho político liberal que se tornara chefe de governo, deparava-se com a hostilidade da burguesia a seus projetos democráticos e com as críticas e ações do proletariado – que, com a perspectiva de instituir democracias operárias baseadas em conselhos, ocupou, em 1920, muitas fábricas do setor metal-mecânico. Apesar de ter sido visto por muitos como o estopim de uma verdadeira revolução, o movimento dos trabalhadores da indústria não se alastrou.

Os maximalistas do Partido Socialista Italiano acabaram, então, por, ainda que contrariados, acatar os desígnios da Confederação Geral do Trabalho: tudo deveria ser resolvido com o controle operário nas fábricas: “assim sendo, o governo – que resistira às pressões do empresariado, no sentido de se utilizar o exército – conseguiu convencer a burguesia a aceitar esse controle (aliás, nunca aplicado) [...]”  O biênio vermelho conheceu seu fim em 1921, quando, devido ao aumento das taxas de desemprego e, por consequência, à menor combatividade do proletariado, o número de greves caiu cerca de três vezes. Atenta, a burguesia aproveitou esse momento para diminuir os salários e atacar frontalmente a classe operária (TRENTO, 1986).

Com o propósito de reduzir a força da esquerda, Giolitti convocou novas eleições em 1921 (GHISALBERTI, 1974). Uma coalizão entre os liberais e os fascistas foi então costurada. Os governistas defendiam a “constitucionalização” ou a “normalização” do fascismo. Antes, porém, seria preciso dele se valer para enfraquecer a ameaça dos socialistas e dos católicos.

Mas o resultado das urnas trouxe só uma surpresa: a ascensão dos fascistas, que abocanharam 35 cadeiras da Câmara dos Deputados. Em uma delas, se sentaria Benito Mussolini, eleito pela primeira vez (TRENTO, 1986).

Para Carlo Ghisalberti, essa eleição conferiu certa aura de legalidade formal à violência que os esquadristas levavam às ruas (1974). Pragmático, Mussolini aproximou-se do Vaticano e da monarquia. Ele passou a lançar diatribes contra o ateísmo comunista e a criticar a ala à esquerda do Partido Popular Italiano – o que agradou os setores conservadores e reacionários da igreja católica.

 O futuro Duce ainda abandonaria seus discursos contra o capitalismo: convertido ao liberalismo econômico, ele foi aplaudido pelo mundo industrial e financeiro.

Nas eleições de 1929, o mote pelo papa e pelo Duce ajudou a angariar os 98,4% de votos favoráveis à lista fechada dos fascistas. Mussolini notara que o apoio da igreja católica, instituição que sempre desempenhara um papel de relevo na história italiana, ser-lhe-ia fundamental.

Ele deu início, assim, a uma série de negociações para pôr um fim à chamada Questão Romana – que dizia respeito às relações entre o Vaticano e a Itália unificada desde 1870.

As conversas levaram à assinatura, em 1929, dos Pactos Lateranenses. Neles, acordou-se que a igreja católica reconheceria o Estado italiano e que a Itália encararia o Vaticano como um Estado soberano.

O Vaticano também receberia uma indenização de aproximadamente dois bilhões de liras pela antiga anexação dos territórios pontifícios.  O catolicismo passou a ser a religião oficial do Estado. Pio XI referiu-se a Mussolini como “um homem enviado pela Providência”.

Expressamente respaldado pela igreja católica, o fascismo viu sua popularidade crescer entre a população mais pobre e, de quebra, ganhar força no âmbito internacional.

Mussolini abandonaria seus discursos contra o capitalismo: convertido ao liberalismo econômico, ele foi aplaudido pelo mundo industrial e financeiro (TRENTO, 1986).

A aliança formada por liberais e católicos depois das eleições de 1921 deu lugar, em fevereiro de 1922, a um novo governo, dessa vez liderado por Luigi Facta. A burocracia e os militares deixariam, dali em diante, de tutelar a ordem pública: ambos seriam cada vez mais coniventes com as investidas esquadristas, marcadas, o mais das vezes, pela impunidade (GHISALBERTI, 1974).

O esquadrismo fascista se valeu dessa simpatia para intensificar suas ações: centenas de seções socialistas e sindicais, ligas e cooperativas foram violentamente destruídas. O proletariado reagiu com uma greve geral – que, ao fim, só fez recrudescer a violência dos esquadrões. Nessa época, os camisas negras já não atuavam apenas no campo: eles passaram a controlar centros urbanos de relevo (TRENTO, 1986).

No fim de 1922, a esquerda se encontrava absolutamente dividida. Os liberais agonizavam: nem mesmo Giolitti, figura de destaque da política italiana, foi capaz de evitar seu estertor (GHISALBERTI, 1974). Estava aberto o caminho para os fascistas marcharem sobre Roma.

Mussolini integrava os quadros do Partido Socialista Italiano: entusiasta do sindicalismo revolucionário ele fez parte de sua direção e esteve à frente de seu jornal, o Avanti!. Favorável ao ingresso da Itália na Primeira Guerra Mundial, tal posição levou à sua expulsão do partido em setembro de 1914 (PAXTON, 2007).

Há quem diga, como Renzo de Felice, que Mussolini teria deixado de ser socialista em 1919. Pierre Milza sustenta, porém, que tal mudança se deu em 1918. Emilio Gentile ressalta que o Duce sempre fora um herege dentre os socialistas – mais próximo de Friedrich Nietzsche do que de Karl Marx. Bosworth defende que ele era um arrivista que só se valera do socialismo para ascender

Em 1919, sem demonstrar qualquer escrúpulo por se lançar em uma eleição burguesa, Mussolini concorreu a uma vaga no parlamento por Milão. Dos 315.165 eleitores, 4.796 votaram no líder fascista. A pífia votação o levaria a, de modo pragmático, deixar de lado seu programa de nacionalismo esquerdista e a, dali em diante, fazer dos ataques ao socialismo seu principal mote.

As Esquadras de Ação passaram a agir justamente depois das eleições de 1919. Os esquadristas eram os discípulos mais agressivos de Mussolini: armados, muitos dos quais ex-soldados, atacavam, nas zonas rurais do norte da Itália, aqueles que tomavam por inimigos da nação, especialmente os socialistas.

Às voltas com as dificuldades financeiras, os tempos eram de forte crise econômica, os grandes proprietários de terra do Vale do Pó e da Toscana também não tinham muito apreço pelas Bolsas de Mão de Obra, instituições que, organizadas pelos novos governos de esquerda da região, atuavam para aumentar os salários dos trabalhadores rurais e melhorar sua condição de vida.

Como o governo central italiano não estivesse disposto a estender sua mão aos latifundiários, os esquadristas lhes ofereceram. No dia 21 de novembro de 1920, seus camisas negras tomaram de assalto a prefeitura de Bolonha, sobre a qual tremulava uma bandeira vermelha, e assassinaram seis pessoas.

As Bolsas de Mão de Obra e as repartições socialistas passaram a ser saqueadas e incendiadas durante a noite. Os organizadores e militantes socialistas eram intimidados e espancados. Óleo de rícino era-lhes ministrado pelos fascistas. Seus bigodes eram parcialmente extirpados.

As ações dos acólitos de Mussolini se espalharam com rapidez:

“Nos seis primeiros meses de 1920, os esquadrões destruíram 17 jornais e gráficas, 59 Casas do Povo (as sedes socialistas), 119 Câmaras de Trabalho (as agências de emprego socialistas), 107 cooperativas, 83 Ligas de Camponeses, 151 clubes socialistas, 151 organizações culturais. Entre 1º de janeiro e 7 de abril, 102 pessoas foram mortas: 25 fascistas, 41 socialistas, 20 policiais e 16 outras” (PAXTON, 2007)

A atuação dos fascistas não se limitou, porém, a saques e a assassinatos. Avançando sobre a área de influência socialista, eles ganharam a confiança de muitos camponeses ao oferecerem a poucos deles alguns nacos de terra doados por latifundiários. O fascismo também criou uma espécie de Bolsa de Mão de Obra própria. A ascendência da esquerda sobre os pequenos agricultores dessorou a olhos vistos (PAXTON, 2007).

Para os latifundiários, os fascistas faziam as vezes do Estado – que, sob seu ponto de vista, não era capaz de manter a ordem. Aos poucos, os esquadristas ocuparam cidades inteiras:

“Em inícios de 1922, os esquadrões fascistas [...] constituíam o poder de fato no Nordeste da Itália, com o qual o Estado tinha que se haver, cuja boa-vontade ele não podia dispensar e sem o qual era-lhe impossível funcionar normalmente”.

Na verdade, as próprias forças policiais e os comandantes do exército emprestavam-lhes armas e caminhões, quando não se juntavam, todos, aos ataques promovidos pelos camisas negras. Não bastasse isso, muitos chefes de polícia, coniventes, não tomavam qualquer providência contra as investidas fascistas (PAXTON, 2007).

Mas muitos fascistas – sobretudo os idealistas de primeira hora – não viam com bons olhos a atuação desses esquadristas, que, sob sua perspectiva, acabaram por fazer o papel de braço armado dos grandes proprietários de terras ou de guarda-costas dos exploradores.

Chegaram a Mussolini apelos para pôr fim a essa cumplicidade com os poderosos interesses locais. Em 1923, o Duce criaria, porém, com o propósito de limitar os poderes dos intransigentes, a Milícia Voluntária para a Segurança Nacional. Com isso, os puristas abandonaram o partido ou foram dele enxovalhados. Seu lugar foi tomado por filhos de latifundiários e por alguns criminosos (PAXTON, 2007).

Tratava-se de uma calculada guinada à direita. As propostas de nacionalizações, de aumento da tributação sobre o capital e de gerência das fábricas pelos trabalhadores sinalizadas nos albores do fascismo foram deixadas de lado ainda em 1920: não seria possível sustentar, dali em diante, metas que, “demagógicas”, inibiriam os investimentos.

O foco deveria estar no aumento da produtividade. Já não haveria espaço para um anticapitalismo extremado (PAXTON, 2007).

Se, em 1919, Mussolini, um ateu de propensões nietzschianas, defendia a expropriação de bens da igreja católica, ele trataria de dois anos depois, em discurso proferido na Câmara, nela reconhecer a “tradição latina e imperial de Roma”. Em 1919, o Duce proclamava o “fracasso da monarquia”. Sua opinião mudaria completamente em 1922: não haveria, àquela altura, razões para questionar a autoridade real.

Em 21 de junho de 1921 Mussolini fazia, eleito, seu primeiro discurso na Câmara dos Deputados.

O líder do fascismo lembrou, naquele dia, que conhecia os comunistas, seus “filhos espirituais”: fora ele, afinal, que os “infectara” quando “colocou em circulação”, na Itália, “um pouco de Bergson mesclado a muito Blanqui”. Mas, acrescentou, os fascistas os combateriam enquanto os acólitos de Marx continuassem a falar de ditadura proletária, sovietes ou “outros absurdos”.

 A posição de Mussolini em relação à Confederação Geral do Trabalho era um pouco diversa: os fascistas, declarou, nunca tiveram, “aprioristicamente”, um “comportamento de oposição” em face da entidade, para a qual acenou: os fascistas poderiam encará-la com outros olhos se ela se afastasse do Partido Socialista Italiano, com o qual mantinha estreitas relações.

Os fascistas, continuou Mussolini, seriam favoráveis aos projetos destinados a aperfeiçoar a legislação social. Mesmo o cooperativismo seria apoiado. De outra parte, rechaçariam quaisquer tentativas de socialização, estatização ou coletivização.

No mesmo discurso, depois de negar a existência de apenas duas classes, rechaçar o determinismo econômico e criticar o internacionalismo, o chefe fascista afirmou que o capitalismo não constituía só um sistema de opressão: ele também era “uma seleção de valores, uma coordenação de hierarquias e um senso mais amplamente desenvolvido da responsabilidade individual”.

O Estado só poderá ser salvo se for reduzido “à sua expressão puramente jurídica e política”. Se, a exemplo do gigante Briareo, o Estado conta com cem braços, noventa e cinco deles haveriam de ser cortados, pois seria preciso, exortou Mussolini, “retornar ao Estado manchesteriano” (MUSSOLINI, 1979).

Como o governo central italiano não estivesse disposto a estender sua mão aos latifundiários, os esquadristas lhes ofereceram. No dia 21 de novembro de 1920, seus camisas negras tomaram de assalto a prefeitura de Bolonha, sobre a qual tremulava uma bandeira vermelha, e assassinaram seis pessoas.

As Bolsas de Mão de Obra e as repartições socialistas passaram a ser saqueadas e incendiadas durante a noite. Os organizadores e militantes socialistas eram intimidados e espancados. Óleo de rícino era-lhes ministrado pelos fascistas. Seus bigodes eram parcialmente extirpados.

As ações dos acólitos de Mussolini se espalharam com rapidez: Nos seis primeiros meses de 1920, os esquadrões destruíram 17 jornais e gráficas, 59 Casas do Povo (as sedes socialistas), 119 Câmaras de Trabalho (as agências de emprego socialistas), 107 cooperativas, 83 Ligas de Camponeses, 151 clubes socialistas, 151 organizações culturais. Entre 1º de janeiro e 7 de abril, 102 pessoas foram mortas: 25 fascistas, 41 socialistas, 20 policiais e 16 outras.

Em verdade, as próprias forças policiais e os comandantes do exército emprestavam-lhes armas e caminhões, quando não se juntavam, todos aos ataques promovidos pelos camisas negras. Não bastasse isso, muitos chefes de polícia, coniventes, não tomavam qualquer providência contra as investidas fascistas.

Mas muitos fascistas – sobretudo os idealistas de primeira hora – não viam com bons olhos a atuação desses esquadristas, que, sob sua perspectiva, acabaram por fazer o papel de braço armado dos grandes proprietários de terras ou de guarda-costas dos exploradores.

Chegaram a Mussolini apelos para pôr fim a essa cumplicidade com os poderosos interesses locais.  Em 1923, o Duce criaria, porém, com o propósito de limitar os poderes dos intransigentes, a Milícia Voluntária para a Segurança Nacional. Com isso, os puristas abandonaram o partido ou foram dele enxovalhados. Seu lugar foi tomado por filhos de latifundiários e por alguns criminosos (PAXTON, 2007).

Tratava-se de uma calculada guinada à direita. As propostas de nacionalizações, de aumento da tributação sobre o capital e de gerência das fábricas pelos trabalhadores sinalizadas nos albores do fascismo foram deixadas de lado ainda em 1920: não seria possível sustentar, dali em diante, metas que, “demagógicas”, inibiriam os investimentos. O foco deveria estar no aumento da produtividade. Já não haveria espaço para um anticapitalismo extremado (PAXTON, 2007).

Se, em 1919, Mussolini, um ateu de propensões nietzschianas, defendia a expropriação de bens da igreja católica, ele trataria de dois anos depois, em discurso proferido na Câmara, nela reconhecer a “tradição latina e imperial de Roma”. Em 1919, o Duce proclamava o “fracasso da monarquia”. Sua opinião mudaria completamente em 1922: não haveria, àquela altura, razões para questionar a autoridade real (PAXTON, 2007).

Os liberais e os conservadores se convenceram de que a defesa da lei e da ordem passava pela tolerância à violência fascista. O fascismo ganhava relevância. Seu poder substancial sobre a Toscana e a Emília Romanha credenciou sua participação na coalizão eleitoral nacional montada por Giolitti para, nas eleições de 1921, fazer frente ao crescimento dos socialistas.

Os fascistas se legitimavam por meio do transformismo – a tradicional incorporação dos partidos desajustados ao sistema. Pragmático, Mussolini não se opôs à cooptação e obteve uma das trinta e cinco cadeiras que, naquela eleição, os fascistas conseguiram na Câmara dos Deputados. Sem um programa fechado, o fascismo adaptou-se muito bem às circunstâncias para chegar ao poder na Itália (PAXTON, 2007.

Algumas alas do Partido Nacional Fascista pretendiam tomar o governo com violência. E foi o que seu congresso de 24 e 25 de outubro de 1922, realizado em Nápoles, decidiu (TRENTO, 1986).

A ideia ganhara corpo depois do fracasso da greve legalitária organizada pela Aliança do Trabalho – uma greve geral que, com o propósito de fazer oposição ao fascismo e de denunciar a conivência do Estado em relação à violência esquadrista, acabou por, ao revés, fortalecê-lo.

Os fascistas sabiam que contavam com o apoio dos grandes proprietários rurais e que, de modo geral, os empresários e as forças armadas eram-lhe simpáticos (TRENTO, 1986). As classes dirigentes e o mundo econômico esperavam domesticar o fascismo – o que, supunham, seria simples: bastaria trazê-lo para o governo

Na noite do dia 26 de outubro, as esquadras fascistas marcharam para Roma. Elas partiram de diversas áreas da Itália. Inúmeros prédios públicos e estações ferroviárias foram tomados de assalto pelos camisas negras (TRENTO, 1986). Mussolini tratava de propalar, então, que, respeitando a monarquia, o exército, o catolicismo e a iniciativa privada, o fascismo restauraria a ordem do país.

Facta, chefe de governo, tratou de esboçar um decreto que instauraria o estado de sítio. Apresentado ao rei Vittorio Emanuele III na manhã do dia 28 de outubro – que, em um primeiro momento, pensou em assiná-lo (DE FELICE, 2018) –, o monarca se recusou a firmá-lo – ou por dúvidas a respeito da lealdade de oficiais das forças armadas ou por receio de uma guerra civil ou, quem sabe, por temer perder prestígio junto aos industriais, aos militares ou à sua própria corte.

Bernard Shaw notou que os fascistas marcharam sobre Roma e a oposição liberal indignada como um ferro quente sobre um pedaço de manteiga (apud HELLER, 1987). De fato, os sequazes de Mussolini ingressaram na capital italiana sem que um único tiro fosse disparado:

As esquadras de camisas negras se concentrariam em Santa Marinella, Monterotondo, Tivoli e Foligno: no total, cerca de 25-30.000 homens dotados de um armamento medíocre e bastante desarticulados quanto à disciplina militar. Em frente deles, defendendo Roma, havia 28.400 soldados do exército sob o comando do general Emanuele Pugliese, em teoria em condição de bloquear e condenar à falência a marcha fascista.

No dia 30 de outubro, Mussolini chegou a Roma de trem. Ele estava em Milão – afinal, se tudo desse errado, a Suíça estaria logo ali (TRENTO, 1986). Nesse mesmo dia, o rei Vittorio Emanuele confiou ao líder fascista, chefe de um partido minoritário no Parlamento, a tarefa de formar um novo governo – que foi costurado com oportunismo e habilidade.

O futuro Duce não pretendia ver-se prisioneiro dos fascistas e dos nacionalistas – que não se opuseram aos convites feitos por Mussolini para que políticos do Partido Popular Italiano integrassem a sua coalizão, mas vetaram as indicações de sindicalistas, cujos nomes foram, de fato, rechaçados (DE FELICE, 2018).

Entre os ministros figurava, na pasta da educação, Giovanni Gentile, filósofo que ficaria conhecido como um dos mais representativos intelectuais do fascismo.

 Ao propor à Câmara a formação de um governo de coalizão – só as esquerdas ficariam de fora dele –, o futuro Duce afirmou, em discurso lá proferido no dia 16 de novembro de 1922, que poderia ter fechado o Parlamento, mas não o quis – ao menos naquele momento:

Recusei-me a abusar de minha vitória e podia abusar. Impus-me limites. Disse a mim mesmo que a melhor sabedoria é aquela que não se abandona depois da vitória.

Com trezentos mil jovens totalmente armados, decididos a fazer tudo e quase misticamente prontos a obedecer a uma ordem minha, eu podia castigar todos aqueles que difamaram e tentaram lançar na lama o Fascismo [...] eu podia driblar o Parlamento e constituir um governo exclusivamente de fascistas. Podia: mas, ao menos neste primeiro momento, não quis (DE FELICE, 2018).

Na Câmara, 306 deputados deram seu voto de confiança ao ministério montado por Mussolini. Dentre os senadores, 196 o ratificaram. Os votos contrários se resumiram a 116 na Câmara e a 19 no Senado (GHISALBERTI, 1974).

De quebra, os parlamentares concederam ao governo plenos poderes para a realização de reformas administrativas e fiscais. Mussolini teria carta branca para diminuir o tamanho do Estado e para reduzir sua atuação na esfera econômica (GHISALBERTI, 1974).

Depois de uma guerra, do biênio vermelho e de dois anos de violência fascista, a opinião pública parecia disposta a acatar de bom grado qualquer governo que prometesse um período de paz. Na verdade, os maiores problemas dos fascistas tinham origens em suas próprias bases.

Refratários à “constitucionalização” ou à “parlamentarização” do movimento – em suma, à sua “normalização” –, muitos esquadristas batiam-se contra a coalizão costurada pelo governo e contra a permanência, no interior, de vários prefeitos comprometidos com o antigo regime.

Esses intransigentes promoveram, à época, inúmeros ataques violentos a verdadeiros ou supostos adversários políticos. Aos sindicalistas fascistas também não agradavam os flertes entre Mussolini e alguns dos quadros da Confederação Geral do Trabalho.

A ter em vista o crescimento vertiginoso dos filiados ao Partido Nacional Fascista – 200 mil em outubro de 1922, esse número saltou para 783 mil no fim de 1923 –, Mussolini arquitetou, de modo a melhor controlar a agremiação, a criação do Grande Conselho do Fascismo e da Milícia Voluntária para a Segurança Nacional; – que se viram boicotados por militares e esquadristas. Mas tais medidas não foram suficientes para impor uma disciplina ao partido e para frear o ilegalismo dos chefes das esquadras.

Naquela ocasião, Mussolini estava convencido de que a marcha da revolução fascista, tão cara aos integralistas, deveria diminuir seu ritmo: o momento exigiria a costura de pactos com o mundo econômico e com a Igreja.

Mussolini tinha consciência de que, à época, a monarquia tinha forte apoio junto a políticos, militares e à opinião pública. Não seria possível ao Partido Nacional Fascista assumir, naquela conjuntura, um papel de destaque. Isso, de todo modo, não desagradava a Mussolini – que sempre manteve uma atitude de desconfiança em relação ao seu partido, um motivo de dores de cabeça. O Estado exsurgia, assim, como o verdadeiro centro do regime: o próprio Estado deveria ser “fascistizado”.

A atuação dos fascistas não se limitou, porém, a saques e a assassinatos. Avançando sobre a área de influência socialista, eles ganharam a confiança de muitos camponeses ao oferecerem a poucos deles alguns nacos de terra doados por latifundiários. O fascismo também criou uma espécie de Bolsa de Mão de Obra própria. A ascendência da esquerda sobre os pequenos agricultores dessorou a olhos vistos.

Para os latifundiários, os fascistas faziam as vezes do Estado – que, sob seu ponto de vista, não era capaz de manter a ordem. Aos poucos, os esquadristas ocuparam cidades inteiras: “Em inícios de 1922, os esquadrões fascistas [...] constituíam o poder de fato no Nordeste da Itália, com o qual o Estado tinha que se haver, cuja boa-vontade ele não podia dispensar e sem o qual era-lhe impossível funcionar normalmente”.

Observando-se a formação da base congressual estritamente fascista, Mussolini apresentou ao Parlamento, em 1923, um projeto de lei que reformaria o sistema eleitoral, a legenda que angariasse a maioria relativa de votos teria dois terços dos deputados. E, as demais cadeiras seria proporcionalmente divididas entre as concorrentes.

A proposta, que valeria para as eleições de 1924, recebeu o apoio, em rápida tramitação, de 223 parlamentares. Outros 123 a rechaçaram (DE FELICE, 2018). A direita católica e boa parte dos liberais acompanharam os fascistas na votação. A maioria do Partido Popular Italiano se absteve.

Durante as negociações, Mussolini mostrou-se extremamente aberto – inclusive à oposição –, conclamando o Parlamento a atuar em compasso com a “alma da nação” (FELICE, 2018). Na realidade, o Duce pretendia, com a reforma eleitoral, reforçar a presença fascista no Congresso e desbancar a pequena oposição que lá ainda erguia a sua voz

 

 

 

 

No âmbito de seu próprio partido, Mussolini dedicava-se à tarefa de pôr freio à violência dos intransigentes por toda a Itália. Na realidade, o Duce faturava com a atuação dos esquadristas: sob os olhos da opinião pública, ele era visto como o único político capaz de, dentro da órbita constitucional, normalizar o fascismo. Já os fascistas o encaravam como um moderado – mais próximo aos revisionistas do que aos intransigentes.

Percebendo o comportamento indeciso e flutuante de alguns setores liberal-democráticos, Mussolini tratou de costurar uma nova lei eleitoral que estabeleceria uma lista nacional de candidatos “de plena confiança do Partido e do Governo” (GHISALBERTI, 1974). Os fascistas contaram, nesse listão, com a adesão e a colaboração de muitos liberais e alguns conservadores católicos.

A ofensiva de Mussolini deu-se mais a nível individual do que a nível propriamente partidário. A tentativa de esvaziar os partidos tradicionais parecia clara (DE FELICE, 2018). Dois terços dos integrantes do listão eram do Partido Nacional Fascista (GHISALBERTI, 1974).

Mussolini não pretendia que o processo eleitoral se desenrolasse sob o signo da Violência. Mas a campanha foi, nos termos de Giolitti, indigna de um país civilizado (DE FELICE, 2018). Camisas negras acompanharam os eleitores nas cabines durante a votação. Depois dela, milícias fascistas custodiaram urnas. Candidatos oposicionistas foram agredidos.

Ao fim, com um desempenho acachapante no sul do país, Mussolini e seus asseclas levaram 65% dos votos – um resultado que superou as expectativas dos próprios fascistas (DE FELICE, 2018). Juntos, os partidos de esquerda somaram aproximadamente 15% deles.

Com um discurso antifascista, o Partido Popular Italiano angariou 9% dos eleitores. Os liberais que não sucumbiram às legendas nacionais conquistaram 3,3% dos cidadãos italianos (TRENTO, 1986).

O Duce se aproveitou das contradições internas das forças liberal-democráticas e populares para promover uma reconfiguração da centro-direita (DE FELICE, 2018). A fragmentação da oposição facilitou bastante o trabalho dos fascistas (GHISALBERTI, 1974).

Logo depois das eleições, em 10 de junho de 1924137, o deputado Giacomo Matteotti, secretário do Partido Socialista Unitário, foi sequestrado e assassinado por esquadristas. Em 30 de maio, ele havia proferido na Câmara um contundente discurso em que pedia a anulação de todo o processo eleitoral, repleto de irregularidades (DE FELICE, 2018).

A opinião pública dava como certa a participação de Mussolini no crime contra o parlamentar socialista. Mas ele se apressou a dizer que nada tinha que ver com o assassinato e assegurou que o governo investigaria o caso com afinco.

Na tribuna da Câmara, o Duce sustentou que só aos seus inimigos políticos interessaria o homicídio de Matteotti, cuja morte, alegou, deixara-o exasperado. Nem a prisão de Amerigo Dumini – o suposto líder dos sicários responsáveis pelo assassinato – foi, porém, suficiente para aplacar a desconfiança que recaía sobre os fascistas (DE FELICE, 2018).

Se a política de coalizão levada a cabo por Mussolini parecia, até então, dar certo, o assassinato de Matteotti obrigou o Duce a dar mais atenção à ala intransigente do partido (FASCISMO, [20--]). De qualquer sorte, o governo entrava em crise pela primeira vez. Já não era possível ver os distintivos e as fardas fascistas circulando pelas ruas. Os periódicos de oposição aumentaram suas vendas. A indignação atingiu todas as classes sociais.

Os fascistas perderam terreno no campo institucional, mas seus adversários não conseguiram se aproveitar de sua debilidade. Os comunistas propuseram uma greve geral, mas a própria Confederação Geral do Trabalho e parte da oposição descartaram-na.

Em um movimento que ficou conhecido como A Secessão do Aventino, os deputados antifascistas abandonaram a Câmara no dia 12 de junho de 1924 e passaram a se reunir em outro espaço: eles só retornariam ao Parlamento com a dissolução das milícias e com a restauração da legalidade. Mas o rei, em quem depositavam suas fichas, clamou pela “concórdia nacional” (TRENTO, 1986).

Mussolini já dera sinais, no fim de 1922, de que a “tranquilidade” vivida na política italiana não passava de uma ilusão. A suposta unanimidade e o suposto consenso ali reinantes constituíam uma grande mentira: a “sedição do Aventino” o ilustrava.

 A tensão entre o governo e a oposição havia crescido. Comentando-a, Mussolini afirmou que “quando dois elementos estão a lutar e se mostram irredutíveis, o elemento resolutivo é a força – nunca houve outra solução na História e nunca haverá”.

Quando a maior parte dos oposicionistas deixou o Parlamento em sinal de protesto contra o regime, nele permaneceram, por exemplo, os liberais capitaneados por três antigos presidentes do Conselho de Ministros: Orlando, Giolitti e Salandra – sem o apoio dos quais, por sinal, o governo não teria conseguido vencer as eleições de 1924. Na esvaziada Câmara dos Deputados, o governo ainda contava com uma maioria que, formada por liberais de direita e por católicos, sustentava-o.

A heterogeneidade das oposições constituía uma grande dificuldade para fazer frente a Mussolini. Elas concordavam que seria preciso derrubá-lo, mas não se entediam a respeito da reconstrução da cena política. Fora do Parlamento, além da milícia, apenas uma parte da alta burguesia industrial e agrária dava sustentação ao fascismo em 1925.

A Secessão do Aventino foi muito útil a Mussolini – que pôde enfrentar a crise sem qualquer oposição no Parlamento. Por sinal, o presidente da Câmara, Alfredo Rocco, suspendeu os trabalhos da casa legislativa por prazo indeterminado (DE FELICE, 2018).

O empresariado não disse palavra, em um primeiro momento, a respeito do fechamento da Câmara – mas acabou por, mais tarde, apoiar a medida. O papa se referiu ao fascismo como o menor dos males (Trento, 1986).

Giolitti declarou, à época, que Mussolini era um homem de sorte: se ele, o velho liberal, conheceu, durante o período em que esteve à frente do governo, uma oposição das mais ferrenhas, o líder do fascismo não teve o mesmo problema – seu caminho estava, afinal, livre (De Felice, 2018).

Segundo Renzo de Felice, “o protesto exclusivamente moral do Aventino – tanto nobre quanto estéril politicamente – em última análise acabou fazendo o jogo do fascismo, consentindo-lhe superar o impasse do momento [...]

A Câmara estava esvaziada, mas o clima nas ruas não era dos melhores para os fascistas. O país encontrava-se envolto em uma atmosfera de tensão e de comoção. Isolado, o governo tentou passar a impressão de que estava a se “normalizar”: uma reforma levou oito nomes moderados ou monarquistas para os seus ministérios.

Algumas personagens diretamente ligadas ao assassinato de Matteotti foram afastadas – entre elas Arturo Fasciolo, secretário particular de Mussolini, e Emilio de Bono, um chefe de polícia. As mudanças também atingiram a Milícia Voluntária para a Segurança Nacional, declarada parte integrante das Forças Armadas – o que exacerbou as diferenças internas entre os fascistas moderados e os intransigentes

Em 12 de novembro de 1924, a Câmara dos Deputados foi reaberta. A base do governo estava desagregada (DE FELICE, 2018). Mas os comunistas, que haviam abandonado o Aventino, e os liberais giolittianos, que sequer haviam aderido à secessão, estavam isolados e sem força (TRENTO, 1986).

O início de 1925 foi marcado pelo recrudescimento da violência estatal e esquadristas contra as oposições. Numerosos políticos e intelectuais deixaram o país, os periódicos antifascistas interromperam suas publicações, servidores públicos avessos ao fascismo foram demitidos, os maçons se viram em apuros, os empresários só tratariam, dali em diante, com os sindicatos de matiz fascista.

Alfredo Rocco figura entre os grandes doutrinadores do fascismo. Nacionalista de direita, era econômica e politicamente antiliberal. “Bom jurista” reacionário, ele defendia um Estado forte encabeçado pela burguesia industrial e adaptado às novas exigências econômicas – um Antigo Regime revisado.

Rocco defendia a subordinação do indivíduo ao Estado e sustentava que a liberdade nada era senão uma concessão estatal. Para ele, um novo Estado haveria de surgir das ruínas do liberalismo, do socialismo e do anarquismo, ideologias marcadas tanto pelo individualismo quanto pelo materialismo (BOBBIO, 1986).

Em 03 de janeiro de 1925, Mussolini ocupou a tribuna da Câmara e, além de pespegar a pecha de sediciosos sobre os aventinianos, assumiu, em um breve e duro discurso, a responsabilidade política, moral e histórica sobre os acontecimentos que redundaram no assassinato de Matteotti: “Se o fascismo não foi senão óleo de rícino e cassetete [...] e não, ao invés disso, uma paixão soberba da melhor juventude italiana, a culpa é minha. Se o fascismo foi uma associação a delinquir, eu sou o chefe dessa associação a delinquir.

O termo fascismo vem de fascio – que, em italiano, significa feixe ou maço. Na Roma Antiga, o fasces era um machado envolto por varas usualmente exibido aos magistrados nas procissões públicas: ele representava a autoridade e a unidade do Estado.

Até a Primeira Guerra Mundial, tal símbolo era tradicionalmente usado pela esquerda: “Marianne, o símbolo da República francesa, foi muitas vezes retratada, no século XIX, portando o fasces, para representar a força da solidariedade republicana contra seus inimigos aristocratas e clericais” (PAXTON, 2007).

No fim do século XIX, os revolucionários italianos nele encarnavam a solidariedade entre os militantes.

Em fins de 1914, um grupo de nacionalistas de esquerda fundou o Fascio Rivoluzionario d’Azione: defensores do ingresso da Itália na guerra ao lado dos Aliados, contavam, em suas fileiras, com Mussolini, expulso do Partido Socialista dois anos antes.

Formalmente, o fascismo nasceu na cidade de Milão em 23 de março de 1919 com a criação dos Fasci di Combattimento.  Naquele dia, lideradas por Mussolini, aproximadamente cem pessoas se reuniram na Aliança Industrial e Comercial da cidade para declarar guerra ao socialismo – que, afirmavam, traía o nacionalismo.

Poucos meses mais tarde, o programa fascista defenderia a expansão italiana sobre os Balcãs e o Mediterrâneo, o sufrágio feminino, o voto aos 18 anos, a abolição do Senado, a jornada de trabalho de oito horas, a participação dos trabalhadores na gerência das indústrias, uma pesada tributação sobre o capital, o confisco de alguns bens da Igreja e, ainda, a realização de uma assembleia constituinte.

Nem de esquerda e nem de direita – assim se definiam os fascistas, que tomavam por obsoleta a clássica divisão entre os espectros políticos.

Integrado sobretudo por veteranos de guerra, sindicalistas nacionalistas e intelectuais vinculados ao movimento Futurista, o movimento fascista tinha apreço pela violência, dava de ombros para as negociações políticas e para o parlamentarismo liberal, lançava anátemas tanto contra o individualismo burguês quanto contra o intelectualismo e desprezava o arranjo social italiano.

Na verdade, “os fascistas odiavam os liberais tanto quanto odiavam os socialistas, por razões diferentes. Para eles, a esquerda socialista e internacionalista era o inimigo, e os liberais eram os cúmplices do inimigo”.

O fascismo rechaça o pacifismo e as construções “internacionalistas e societárias” dele decorrentes. Apenas a guerra é capaz, segundo Mussolini, de elevar ao máximo a concentração da energia humana e de conferir aos povos que a fazem um senso de mobilidade.

Os fascistas não renunciam à luta e aos riscos que ela encerra. Estão eles dispostos ao sacrifício. O “ne me frego” ou, em português, “estou me lixando” estampado sobre as faixas que cobrem as feridas dos esquadristas bem ilustra, segundo Mussolini, o “ato de filosofia estoica” desses fascistas.

Trata-se, inclusive, do “novo estilo de vida italiano”. A vida há de ser alta e plena. Por acreditar que haviam liderado a salvação do país na Primeira Guerra Mundial, os militares acreditavam que tinha o direito de governar a Itália.

Os sindicalistas ligados ao fascismo não endossavam as estratégias de luta que passavam pelo Parlamento ou que se pautavam em mudanças político-econômicas graduais: eles derrubariam o capitalismo e, com a implantação de um projeto coletivista, organizariam a economia em bases exclusivamente sindicais.

Filippo Marinetti à frente, os futuristas constituíam um grupo de artistas que rechaçava a herança cultural do passado, venerava a velocidade e exaltava a violência, tanto que seu líder participou, em 5 de abril de 1919, da invasão promovida por fascistas à sede do jornal socialista milanês Avanti!- que, além de acabar com a destruição de todo o equipamento do periódico, provocou quatro mortes.

Apesar de a maior parte de seus adeptos provir da classe média – uma classe de “ressentidos” –, os primeiros militantes do fascismo eram bastante diversos. Brigões de rua como Amerigo Dumini, músicos como Arturo Toscanini e filósofos como Giovanni Gentile dividiam suas fileiras.

Boêmios, intelectuais marginalizados e especialistas em atiçar multidões e realçar ressentimentos figuravam entre os seus líderes. Ligava-os, além do nacionalismo extremado e da tolerância à violência, a ojeriza à política tradicional e à esquerda.

O crescimento do fascismo foi rápido e, em um primeiro momento, concentrou-se sobretudo na zona rural do Vale do Pó e da Toscana. Sua presença era tímida nas regiões mais industrializadas e, salvo na Apúlia, praticamente inexistente no sul do país.

 Em 1920, a burguesia agrária era uma entusiasta do movimento. Já os industriais, hesitantes, desconfiavam dele. De olho na aquisição de pequenas propriedades, os trabalhadores rurais foram atraídos pelo fascismo. Ao contrário, a maioria dos proletários guardava distância dos fascistas.

Em sua Doutrina do Fascismo, Mussolini afirma que o fascismo nega o materialismo histórico, a base do “dito socialismo científico”. A economia tem importância, mas ela não explica, isolada, toda a história humana – que, creem os fascistas, também é impulsionada pela santidade e pelo heroísmo, fenômenos absolutamente alheios aos meios e instrumentos de produção. A luta de classes também não é, para o fascismo, o agente preponderante das transformações sociais.

Os fascistas rechaçam, ainda, a “aspiração sentimental” à “felicidade econômica” propalada pelos marxistas. O bem-estar de todos, sustenta Mussolini, não se realizará automaticamente e, de qualquer modo, não pode ser tido por um sinônimo de felicidade. Igualá-los equivaleria a encarar os homens como simples animais em regime de engorda (MUSSOLINI, 1979).

A transformação do movimento dos Fasci di Combattimento em um partido não foi um consenso entre os fascistas. Para alguns, sua institucionalização trairia suas premissas básicas. Ingressar no campo político tradicional, aquele dos acordos em um sujo parlamento burguês, não ficaria bem para um grupo que se dizia um antipartido.

Não era esse, contudo, o entendimento de Mussolini, cuja vontade prevaleceu.  O Partido Nacional Fascista surgiria em 1921 (PAXTON, 2007). Um ano mais tarde, ele já seria a maior organização política do país, com 200 mil filiados e um verdadeiro exército privado, cujo poder, fulgurante no Norte e no Centro do país, alçava-o à condição de um autêntico anti-Estado.

Se o conservadorismo, o liberalismo e o socialismo já demonstravam, em termos práticos e teóricos, força no fim do século XIX, o fascismo sequer havia sido então imaginado.

Em 1895, Friedrich Engels vaticinava que a entrada das massas no mundo das eleições traria muitos votos para a esquerda.

Os conservadores já se davam conta, segundo o pensador alemão, de que a legalidade trabalhava contra eles. Mas a previsão do coautor do Manifesto Comunista não se concretizou: uma geração depois, os fascistas seriam ovacionados nas urnas.

Segundo Gerhard Leibholz, o liberalismo político acabou por, no século XIX, proporcionar a “independência” da pequena burguesia e especialmente do proletariado: uma democracia aristocrática dera lugar, com as mudanças estruturais do direito ao voto, a uma democracia de massas (LEIBHOLZ, 2007).

Mussolini sustenta que os números não podem, por si mesmos, governar, mediante consultas periódicas, as sociedades humanas. Os homens são, afinal, defende o líder fascista, irremediavelmente diferentes – o que impede nivelamentos mecânicos realizados pelo sufrágio universal.

Para o Duce, “regimes democráticos podem ser definidos como aqueles nos quais, de tanto em tanto, dá-se ao povo a ilusão de ser soberano, enquanto a verdadeira soberania está em outras forças às vezes irresponsáveis e secretas.

“A democracia é um regime sem rei, mas com muitíssimos reis por vezes até mais exclusivos, tirânicos e destruidores do que um único rei tirano” (“La democrazia è un regime senza re, ma com moltissimi re talora più esclusivi, tirannici e rovinosi che un solo re che sai tirano”) (MUSSOLINI, 1979).

Depois de citar excerto das Meditações Filosóficas em que Ernst Renan assevera não ser possível ao povo conhecer a razão ou a ciência – “não é necessário para a existência da razão que todo mundo a conheça” (“Non è necessário per l’esistenza della ragione che tutto il mondo la conosca”) –,

Mussolini afirma que “o fascismo rechaça na democracia a absurda mentira convencional do igualitarismo político e o hábito da irresponsabilidade coletiva e o mito da felicidade e do progresso indefinido”.

Se, porém, a democracia puder ser entendida como uma forma de governo que não deixa o povo às margens do Estado, o fascismo, defende Mussolini, pode ser definido como uma “democracia organizada, centralizada, autoritária” (MUSSOLINI, 1979).

Apesar de, “por razões de contingência”, o fascismo ter flertado com a causa republicana, ele deixou de defendê-la antes mesmo da Marcha sobre Roma – depois de chegar à conclusão de que as “formas políticas de um Estado” não constituíam, por volta de 1922, um problema proeminente. Há repúblicas reacionárias. E há, por outro lado, monarquias vanguardistas.

Na verdade, acrescenta o Duce, o fascismo supera a “antítese monarquia-república”. O fascismo é uma das ideologias típicas do século XX.

Ele próprio, porém, tomava se, ao menos em seu período inicial, por anti-ideológico. Bobbio nota que o fascismo se via, a rigor, como práxis. Mussolini sintetiza tudo em um discurso proferido em março de 1921:

“O fascismo é uma grande mobilização de forças materiais e morais. Que coisa se propõe? Digamo-lo sem falsas modéstias: governar a nação. Nós não cremos em programas dogmáticos.

Mas Bobbio sustenta que há, em tais afirmações, uma ideologia “ativista” e “irracionalista”. Por um lado, os fascistas lançavam anátemas contra o socialismo, o liberalismo, a democracia. Por outro, enalteciam a força que cria o direito e a violência. O fascismo propalou, em sua antirrevolução ou contrarrevolução, mais do que uma anti-ideologia, uma ideologia negativa (BOBBIO, 198).

Foi sob essa ideologia negativa que, Mussolini a “domá-las”, o fascismo abrigou todas as tendências antidemocráticas de sua época – da corrente dos “conservadores à moda antiga” àquela dos “irracionalistas-nacionalistas”.

Aqueles buscavam a instauração de um Estado autoritário capaz de pôr os operários na linha e de fazer os trens andarem no horário. Estes batiam-se pela revolução dos “deslocados” e dos “desajustados” (BOBBIO, 1986).

Os “restauradores” se valeram do fascismo como um instrumento, um “remédio”, “ainda que amargo”, para a “crise do velho estado”. Com ele, intentavam frear a revolução e a democracia. Já o fascismo do “quinto estado” foi finalístico: seus adeptos realmente acreditavam no “monstro bolchevique” e na missão civilizatória fascista, encarregada de promover o renascimento do “gênio da estirpe itálica”.

Os “realistas” eram tidos por oportunistas pelos “crentes ou fanáticos” – cuja pecha de “exaltados” lhe foi pespegada pela facção contrária. As relações entre tais grupos nunca foram amigáveis.

Em maio de 1920, Mussolini propalava que os fascistas não estavam vinculados a qualquer doutrina. Instado a responder, meses antes de assumir o poder, qual seria seu programa, ele ripostou: “‘Os democratas do Il Mondo querem saber qual é o nosso programa?

Nosso programa é quebrar os ossos dos democratas do Il Mondo. E quanto antes, melhor”. Dois anos mais tarde, em 1922, o Duce tornaria clara a singeleza do programa fascista: “Nosso programa é simples. Queremos governar a Itália”. “O punho é a nossa teoria”, bradou um militante fascista no mesmo ano (PAXTON, 2007).

O debate ponderado foi, nos termos de Walter Benjamin, substituído pela experiência sensorial imediata.

Mussolini afirmava, aos quatros cantos, que ele mesmo era a definição do fascismo: o povo não precisava de uma doutrina, mas de uma liderança. É bem verdade que, em 1932, o

Duce, leitor aplicado de Friedrich Nietzsche, Gustave Le Bon e Georges Sorel, redigira, com o ghostwriter Giovanni Gentile, uma Doutrina do Fascismo (MELIS, 2018). Mas os tempos eram outros – uma época de consolidação do regime. A conquista do poder vem antes da formulação teórica (PAXTON, 2007).

Segundo Gerhard Leibholz, o fascismo não possuía um programa a ser posto em prática e sempre se guiou por objetivos concretos e determinados, o que o levou a, com pragmatismo, renunciar a muitas de suas pretensões originárias – que, além de anticlericais, incluíam a extinção do Senado e, com a instauração de uma república, o fim da monarquia. A ausência de um programa claro permitiu ao fascismo recrutar adeptos nas mais diversas classes e estratos sociais (LEIBHOLZ, 2007).

Muitos escritores fascistas viam com maus olhos a filosofia. Isso não significa, porém, conforme Giovanni Gentile, que o fascismo não tenha um “significado filosófico”. As posições antifilosóficas de inúmeros de seus propaladores constituem, na verdade, manifestações do próprio pensamento fascista.

O “estilo literário e prático” dos fascistas rechaça, em nome da eficiência e do máximo rendimento, o supérfluo. O fascismo não é um sistema atrelado a teorias baseadas em proposições ou teoremas imutáveis. Trata-se, antes, de um método.

Não foram poucas as oportunidades em que, no meio do caminho, o fascismo abandonou ou modificou planos que, com o tempo, haviam se tornado inadequados. “As verdadeiras resoluções do Duce são sempre aquelas que são ao mesmo tempo formuladas e efetuadas”.

O fascismo não atribui qualquer valor ao pensamento que não se transforme em ação. Daí a sua aversão ao “intelectualismo” – a divisão entre pensamento e ação, entre ciência e vida e entre teoria e prática defendida pelo “homem médio escondido sob a máxima de que falar é uma coisa e de que fazer é outra”, pelos “utopistas construtores de sistemas que não afrontam o cimento da realidade” ou, ainda, “pelo poeta, cientista, filósofo que se fecham na fantasia e na inteligência.

Ser anti-intelectual, defende Giovanni Gentile, não significa rechaçar o pensar ou as formas superiores de cultura, pois a realidade espiritual constitui uma síntese de pensamento e ação. As fórmulas trigonométricas, calcula o filósofo fascista, não afastam os inimigos da fronteira. São elas, no entanto, que regulam os tiros da artilharia.

Os fascistas se batem, portanto, contra os intelectuais que, presos à abstração e afastados da realidade, são “aconselhados pela doutrina a não fazer política”. O fascismo quer “extirpar do solo italiano esses maus cidadãos”, esses elementos que propagam a “cultura ruim.

Giovanni Gentile sustenta que os homens só progridem quando se dividem. O progresso é o fruto da vitória de um grupo sobre outro. Não se pode dar aos intelectuais o privilégio de assistir, como simples espectadores e em completa segurança, a tais pelejas e de, ao final das batalhas, simplesmente se sentar ao lado dos vencedores, beneficiando-se de seus louros.

Dinâmico, vitalista, indeterminado e irracionalista, o programa dos fascistas é, portanto, a ação.

Segundo Hannah Arendt, Mussolini foi provavelmente o primeiro líder de partido a rejeitar conscientemente um programa formal e substituí-lo apenas pela liderança e pela ação inspiradas. Por trás dessa atitude, estava a noção de que a atualidade do próprio momento era o principal elemento de inspiração, ao qual um programa partidário somente poderia prejudicar. A filosofia do fascismo italiano foi expressa pelo “atualismo” de Gentile e não pelos “mitos” de Sorel (1989).

Mussolini via “os programas e plataformas como desnecessários pedaços de papel e embaraçosas promessas”. Seu verdadeiro propósito era simplesmente a tomada do poder e a acomodação da “elite” fascista no governo – um projeto que, sustenta Arendt, passava longe do totalitarismo.

“O totalitarismo”, explica a pensadora alemã, “jamais se contenta em governar por meios externos, ou seja, através do Estado e de uma máquina de violência”. E, continua, “graças à sua ideologia peculiar e ao papel dessa ideologia no aparelho de coação, o totalitarismo descobriu um meio de subjugar e aterrorizar os indivíduos internamente”.

A inexistência de um programa fechado permitiu ao fascismo promover, nos primeiros anos à frente do governo, uma série de composições políticas. No exercício do poder, Mussolini e seus asseclas acabaram por deixar de lado seus ubíquos discursos contra quaisquer espécies de negociações. Os fascistas não foram, sobretudo nos 1920, tão irredutíveis quanto alardeavam.

Em sua Doutrina do Fascismo, publicada em 1932, Mussolini declara que, em março de 1919, por ocasião da fundação do movimento fascista, ele “não tinha nenhum plano doutrinário específico” em seu “espírito”. Mesmo quando estava ao lado dos socialistas, afirma o Duce, sua doutrina era a “doutrina da ação” (MUSSOLINI, 1979).

O fascismo não chegou ao poder, esclarece Mussolini, com uma doutrina redigida em uma escrivaninha. Ele nasceu da necessidade de ação e foi ação – um movimento que, em seus dois primeiros anos, constituiu um antipartido.

Os anos que antecederam a Marcha sobre Roma demandavam ação: não se poderia tolerar, então, pesquisas ou elaborações teóricas completas, assevera o Duce. Se, pondera Mussolini, os fascistas não tinham uma doutrina – “com divisões de capítulos e parágrafos e contornos de elucubrações” –, não lhes faltava, a substituí-la, “algo mais decisivo”: “a fé” (MUSSOLINI, 1979).

Os fundamentos da doutrina do fascismo surgiriam em meio a suas batalhas. Só com o passar do tempo os “acenos” e “antecipações iniciais” fascistas viriam a se tornar “uma série de posições doutrinárias”.

Em seus albores, como ocorre com toda as teorias que estão por surgir, afirma Mussolini, o fascismo constituiu uma violenta negação do que existia. Seu caráter propositivo só assomaria mais tarde. O “aspecto positivo de uma construção”, defende o Duce, ver-se-ia realizado nas leis e institutos do regime em 1926, 1927 e 1928 (MUSSOLINI, 1979).

Em 1932, sustenta Mussolini, o fascismo já exibia uma doutrina consolidada (1979). Nela, o indivíduo é o “relativo”.

Para Carlo Avarna di Gualtieri, o fascismo foi, ao longo dos anos de 1920 e 1921, “um estado de ânimo” ou uma “ação pura e imediata”.

Faltou-lhe tempo para, até aquele momento, formular uma ideologia – algo difícil de ser elaborado a ter em conta a “disparidade de elementos” que afluíram para o seu “tumultuado nascimento”. Tal quadro se alteraria, porém, depois da Marcha sobre Roma. “O cassetete já não podia ser sua única arma de luta” (“Il manganello non bastò più come sola arma di lotta”): dali em diante, a disputa de ideias também seria importante para justificar tanto a “tomada do Estado” quanto o “direito” que a minoria fascista “se arrogava” de governar a nação.

Era preciso elaborar uma doutrina: “tratava-se de contrapor uma nova concepção de soberania em face daquela até então invocada, de despedaçar todos os velhos esquemas ideais, para substituí-los com um mundo e uma mentalidade novos” (“si tratava di contrapporre una nova concezione di sovranità a quella finora invocata, di spazzare tutti i vecchi schemi ideali, per sostituirli con un mondo ed una mentalità nuova”).

A fusão do Partido Nacionalista ao Partido Fascista levou ao fascismo uma lufada intelectual. Contudo, surgiriam dificuldades para, em busca de uma doutrina propriamente italiana, conciliar os ideais reacionários e anticlericais dos nacionalistas aos “espíritos sorellianos” dos fascistas do núcleo originário do movimento.

A árdua tarefa competiria a “jovens “como Sergio Pannuzio, Curzio Suckert, Massimo Rocca e Giuseppe Bottai. Carlo Avarna di Gualtieri sustenta que erigir uma ideologia não seria tão difícil quanto “desembaraçar a tradição italiana”.

O direito é, afirma Hegel, a existência imediata que confere a si mesma a liberdade de modo imediato por meio da propriedade e da relação entre proprietários. Quando uma pessoa se relaciona apenas consigo mesma, tal liberdade é “essencialmente liberdade de vontade abstrata” (HEGEL, 1997).

Mas essa pessoa pode, relacionando-se com outra, “se diferenciar de si”. E só como proprietárias elas “existem uma para a outra”: “a identidade delas, que existe em si (virtual), adquire a existência pelo trânsito da propriedade de uma para a outra, com mútuo consentimento e permanência do comum direito”. O contrato surge dessa relação (HEGEL, 1997).

A pessoa, sustenta Hegel, precisa se dar um “domínio exterior” para que a sua liberdade venha a se “constituir como ideia”. É justamente essa “qualquer coisa de não livre” que “pode constituir o domínio da sua liberdade”.

O homem, defende o idealista alemão, tem o direito de se apropriar de todas as coisas, de “situar a sua vontade em qualquer coisa”. A vontade pessoal do indivíduo torna-se objetiva, assim, na propriedade privada (HEGEL, 1997).

O movimento é duplo: por um lado, o objeto se espiritualiza; por outro, o sujeito se objetiva. Desse modo, ambos acabam por se integrar.

Assim como trata de abolir o clássico dualismo entre sujeito e objeto, Hegel também deixa de lado a oposição entre o direito natural e o direito positivo. Para o filósofo alemão, o direito não trabalha com limitações ou restrições à liberdade: ele é, a rigor, a própria objetivação da liberdade (BILLIER; MARYIOLI, 2005).

Daí a crítica hegeliana ao jusnaturalismo moderno, que, deduzindo a ordem política da liberdade natural do homem, condiciona sua efetividade justamente à restrição de tal liberdade.

Sob o ponto de vista de Hegel, esclarece Kervégan, “a doutrina do direito natural é, de fato, levada a trair ou a relativizar o postulado no qual se apoia”.

Os pensadores jusnaturalistas ignoram que a liberdade nada tem de natural: ao contrário, ela deve ser adquirida, conquistada, e só é possível quando as leis a efetivam e, ao mesmo tempo, parecem restringi-la (KERVÉGAN, 2006). Nos termos de Hegel, “o direito que os indivíduos têm de estar subjetivamente destinados à liberdade satisfaz-se quando eles pertencem a uma realidade moral objetiva”.

Mas as críticas de Hegel ao jusnaturalismo moderno não param por aí: elas se estendem à noção de contrato social e ao tratamento privatista dado por seus teóricos à constituição da ordem política.

O pensador alemão denuncia a “subordinação tácita do direito público ao direito privado” estampada nos textos dos contratualistas, que põem tudo de ponta-cabeça. Na verdade, a forma jurídica da individualidade é uma construção política e social (KERVÉGAN, 2006).

 As relações contratuais entre sujeitos de direito, “quer de um contrato de todos com todos, quer de todos com o príncipe ou o governo”, nada têm que ver, sustenta, com a natureza do Estado, muito diversa e superior

A inserção destas relações contratuais ou da propriedade privada nas relações políticas teve por resultado as mais graves confusões no direito público e na realidade.

Tal como outrora os privilégios públicos e as funções do Estado foram considerados propriedade imediata de certos indivíduos em detrimento do direito do príncipe e do Estado, assim no período moderno se consideram os direitos do príncipe e do Estado como fundada em contratos de que eles constituiriam objeto, determinando-os como simples vontade comum resultante do livre-arbítrio de todos os que se reúnem no Estado.

Por mais diferentes que sejam estes pontos de vista, entre eles há, no entanto, de comum o fato de transporem os caracteres da propriedade privada para um terreno que é de uma natureza diferente e mais elevada (HEGEL, 1997,

Hegel não deixa de reconhecer, porém, a existência de direitos inalienáveis e imprescritíveis: “são, portanto, inalienáveis e imprescritíveis, como os respectivos direitos, os bens ou, antes, as determinações substanciais que constituem a minha própria pessoa e a essência universal da minha consciência de mim, como sejam a minha personalidade em geral, a liberdade universal do meu querer, a minha moralidade objetiva, a minha religião” (HEGEL, 1997).

Para o filósofo alemão, “a liberdade da pessoa é um direito inalienável e imprescritível e não existe ordenamento jurídico positivo que possa anulá-lo”: “qualquer contrato ou direito positivo que viole as liberdades fundamentais da pessoa é, na realidade, Unrecht”.

Apesar de suas ressalvas em relação ao jusnaturalismo moderno, lembra Kervégan, “Hegel permanece fiel ao projeto de uma base racional da ordem jurídica e política”. Seu propósito não é “arruinar a ideia de um direito baseado em razão, mas, muito antes, conferir-lhe as bases conceituais que até então lhe fizeram falta”. Os jusnaturalistas falharam, acredita, nesse projeto.

Hegel também tem ressalvas a respeito do livre mercado. Sempre pode dar-se, aduz ele, a oposição entre os interesses dos produtores e dos consumidores.

De um modo geral, no entanto, suas relações tendem a ser corretamente estabelecidas por eles mesmos. Ainda assim, uma “regulamentação intencional superior às duas partes poderá ser conveniente” (HEGEL, 1997).

O laisser aller, laisser faire, o princípio de seu tempo, pode até aumentar o volume da produção, mas destrói os equilíbrios do corpo social, provoca a miséria e promove, com os monopólios dele decorrentes, a concentração das riquezas nas mãos dos grandes capitalistas.

Para o autor dos Princípios da Filosofia do Direito, “o liberalismo econômico visa, na realidade, a uma completa desjuridificação do espaço social, a reconstituição desse estado de natureza do qual a sociedade civil organizada contém somente o resquício” (KERVÉGAN, 2006).

Muito mais importante que a liberdade de empreender é, para Hegel, a “instituição jurídica e ética” da corporação, estrutura da sociedade civil capaz de modernizada, ser um “contrapeso útil” à economia de mercado e à livre empresa.

Uma das raízes éticas do Estado, ela constitui a “expressão jurídica de um interesse organizado” e estabelece uma mediação entre o burguês e a universalidade concreta da ordem política: “se a sociedade civil é, de maneira

geral, o meio termo particular [...] entre a singularidade imediata natural da relação familiar e a universalidade da relação política, a instituição corporativa é a forma efetiva e concreta dessa mediação entre os polos extremos da totalidade ética objetiva”.

No pensamento de Hegel, “a sociedade civil é definida como um sistema de carecimentos, estrutura de dependências recíprocas onde os indivíduos satisfazem as suas necessidades através do trabalho, da divisão do trabalho e da troca; e asseguram a defesa de suas liberdades, propriedades e interesses através da administração da justiça e das corporações” (BRANDÃO, 2001).

Ela já não é a família, a sociedade natural primordial, mas tampouco é o Estado, cuja ampla eticidade resume em si e supera as formas precedentes da sociabilidade humana.

“Momento intermediário da eticidade” (BOBBIO, 2004), a sociedade civil é o “Estado externo”, um Estado sem organicidade (BOBBIO, 1993). “Ao invés de ser, como foi posteriormente interpretado, o momento que precede à formação do Estado, a sociedade civil hegeliana representa o primeiro momento de formação do Estado, o Estado jurídico-administrativo, cuja tarefa é regular relações externas, enquanto o Estado propriamente dito representa o momento ético-político, cuja tarefa é realizar a adesão íntima do cidadão à totalidade de que faz

parte, tanto que poderia ser chamado de Estado interno ou interior (o Estado in interiore homine de Gentile). Mais que uma sucessão entre fase pré-estatal e fase estatal da eticidade, a distinção hegeliana entre sociedade civil e Estado representa a distinção entre um Estado inferior e um Estado superior.

Enquanto o Estado superior é caracterizado pela constituição e pelos poderes constitucionais, tais como o poder monárquico, o poder legislativo e o poder governativo, o Estado inferior opera através de dois poderes jurídicos subordinados – o poder judiciário e o poder administrativo”.

O fundamento do Estado se encontra, em Hegel, na “vontade objetiva”, “racional em si e para si”, que nada tem de ver com a vontade individual e arbitrária dos contratualistas, responsável pela destruição “daquele divino que em si e para si existe das absolutas autoridades e majestades do Estado”.

“A vontade objetiva”, sustenta o filósofo alemão, “é o racional em si no seu conceito, quer seja ou não conhecido do indivíduo e aceito pelo seu livre-arbítrio”. A vontade, e não o contrato, constitui o conceito basilar do Estado, “unidade substancial” que “é um fim próprio absoluto, imóvel”, no qual “a liberdade obtém o seu valor supremo, e assim este último fim possui um direito soberano perante os indivíduos que em serem membros do Estado têm o seu mais elevado dever”.

Mas Hegel não defende, sustenta Marcuse, um Estado autoritário ou totalitário. Inscrita na tradição do idealismo alemão – que “dava relevo à liberdade e aos direitos privados, de modo que o indivíduo, pelo menos como pessoa privada, sentia-se garantido pelo Estado e pela sociedade” –, sua doutrina propõe a adaptação das instituições sociais e políticas ao livre desenvolvimento do indivíduo” (MARCUSE, 1978). No sistema hegeliano, não há liberdade fora do Estado, a realização da razão.

Para Hegel, o Estado subordina-se ao “direito absoluto da razão, direito que se afirmava na história universal do Espírito”. A “última palavra” não é, portanto, do Estado, mas da história, “o desdobramento dos momentos da razão, mediante a qual vão se realizando o aperfeiçoamento e a educação do gênero humano”. No fundo, os indivíduos, os povos e os Estados são “instrumentos inconscientes do espírito universal”.

“Para Hegel”, afirma Costa, “a história é um longo caminho em direção à liberdade, marcado pelas grandes etapas da reforma luterana e da revolução francesa. Esta última, porém, desencarcerou um valor mais destrutivo do que construtivo exatamente pela incapacidade de apreender o valor ‘positivo’ da liberdade e sua conclusiva realização no Estado.

É o Estado que se apresenta como a realização das instâncias mais profundas do sujeito: a liberdade, que no liberalismo anglo-francês se afirma, se não contra, mas certamente fora do Estado, para a tradição alemã encontra no Estado exatamente o seu necessário termo de referência” (COSTA, 2010).

“Hegel”, assevera Marcuse, “sustenta que o pensamento filosófico nada pressupõe além da razão, que a história trata da razão, e somente da razão, e que o Estado é a realização da razão”. A razão, por sua vez, “desemboca na liberdade, e a liberdade é a existência do sujeito”. Para Hegel, “a Revolução Francesa proclamou o poder definitivo da razão sobre a realidade, o que ele resume dizendo que o princípio da Revolução Francesa afirma que o pensamento deve governar a realidade.

As implicações que estão contidas nesta afirmação levam ao próprio cerne da sua filosofia. O pensamento deve governar a realidade. O que os homens pensam ser verdadeiro, certo e bom deve realizar-se na organização real da sua vida social e individual.

Mas o pensamento varia de indivíduo para indivíduo, e a diversidade resultante das opiniões individuais não pode fornecer um princípio diretor para a organização comum da vida.

A não ser que o homem possua conceitos e princípios de pensamento que designem normas e condições universalmente válidas, seu pensamento não poderá pretender governar a realidade. Em consonância com a tradição da filosofia ocidental, Hegel acredita na existência de tais conceitos e princípios objetivos, e à sua totalidade ele chama razão” (MARCUSE, 1978).

Ainda que subordinado à história, o Estado desempenha um papel central na filosofia de Hegel. Tamanha relevância chamou a atenção, no fim do século XIX e no início do século XX, dos neoidealistas italianos, preocupados com a instituição de um Estado nacional realmente unificado, de uma administração centralizada, de uma burocracia eficiente, de uma indústria socializada e de um Exército capaz de fazer frente, em tempos imperialistas, ao inimigo externo.

Giovanni Gentile foi um dos principais responsáveis pela “nova compreensão do sistema hegeliano” na Itália. Se, contudo, a sua linguagem era basicamente hegeliana, o conteúdo de sua filosofia nada tinha de Hegel. A rigor, o filósofo italiano abdicou dos “interesses fundamentais” do pensador alemão. “A despeito das suas muitas afirmações sobre a realidade do Espírito, Gentile nem pode ser considerado um hegeliano, nem um idealista” (MARCUSE, 1978).

Defensor da “autoridade dos fatos” – ele retoma a máxima de Giambattista Vico de que “o conceito de verdade coincide com o conceito de fato” –, Giovanni Gentile está bem mais próximo do positivismo. Em seu pensamento “o apelo aos fatos substitui o apelo à razão”. No fundo, com sua “rendição” àquilo que está dado, Giovanni Gentile deixa de lado a premissa idealista de que existe uma tensão e um antagonismo entre verdade e fato.

Quando o pensamento se identifica com a ação, ele não é capaz de desafiar a “realidade”: “a teoria torna-se prática, a um ponto tal que todo pensamento é rejeitado se não for prática imediata, ou se não for imediatamente consumido pela ação”. Os fatos ganham, assim, normatividade, determinando as regras (MARCUSE, 1978).

Apesar de “admirar” o autor da Enciclopédia das Ciências Filosóficas (ALTINI, 2016), “em todos os seus motivos fundamentais Gentile se mostra estritamente oposto à filosofia de Hegel, e é em virtude disto que passa diretamente à ideologia fascista”.

O uso da concepção hegeliana do Estado pelos fascistas é, na verdade, apenas aparente. A “cultura idealista alemã” rechaçava a “entrega total da vida humana aos poderes sociais e políticos dominantes” (Marcuse, 1978).

Sob a perspectiva fascista, afirma Giovanni Gentile, a liberdade do indivíduo e a autoridade do Estado são inseparáveis, “já que a liberdade só está no Estado, e o Estado é autoridade”. O fascismo não encara o indivíduo nos moldes fornecidos pelo “velho liberalismo”, que o toma por um “átomo indiferente”.

É sua “imanência” no Estado que confere ao indivíduo sua força e sua liberdade (GENTILE, 1929). Em sua “eticidade essencial”, o Estado não é algo superior ou externo ao indivíduo, pois o indivíduo já possui o Estado “em si originariamente” (GENTILE, 1937).

 Referindo-se diretamente a Hegel – “concebendo com Hegel”, anota –, Giovanni Gentile sustenta que “o indivíduo é no Estado enquanto é Estado” e que, antes de ser artista ou cientista, ele deve ser Estado. Na realidade, o Estado é o próprio indivíduo. Assim, ainda que o Estado seja despótico ou antidemocrático, não é possível ao indivíduo tê-lo contra si.

Para Giovanni Gentile, afirma também Carlo Altini, família, sociedade e Estado são “idênticos enquanto fundamento e produto da mesma substância”. Embora reconheça o “inegável progresso na concepção da ética do Estado levado a cabo por Hegel a respeito das teorias jusnaturalistas”, o filósofo fascista refuta tal “distinção triádica”, pois, defende ele, não há nenhuma realidade autônoma em face do Estado (ALTINI, 2016).

Sergio Panunzio, outro destacado intelectual do fascismo, considera Hegel o maior defensor moderno do Estado, o fundador do “Estatismo” e, com a teoria das corporações desenvolvida em seus Princípios da Filosofia do Direito, o primeiro teórico do “sindicalismo jurídico”. Para o jurista italiano, “Hegel quer o povo organizado em comunas e em corporações”.

Giacchè la libertà è solo nello Stato, e lo Stato è autorità” "Já que a liberdade está apenas no Estado, e o estado é autoridade".

O liberalismo clássico propala, segundo Giovanni Gentile, uma liberdade que, falsa e abstrata, desempenhe o papel de limite do Estado, ente tomado por um mal necessário. E, sob o ponto de vista do filósofo italiano, só o fascismo, com a concretude de seu Estado corporativo, promoveu, de modo “íntimo e substancial”, a “unidade da autoridade e da liberdade”: “o novo Estado [fascista] é mais liberal do que o antigo” e não aceita o liberalismo anárquico que não reconhece sua necessidade imanente.

O Estado nacional é, defende Giovanni Gentile, o centro da política fascista. Ele não é um meio ou um resultado, mas um princípio e o fundamento de cada valor e de todos os direitos dos cidadãos que dele fazem parte.

Na verdade, sustenta o filósofo italiano, Estado e indivíduo são “os termos inseparáveis de uma síntese necessária”. Para Giovanni Gentile, o Estado está dentro de cada um: vive, cresce e se eleva na vontade e no pensamento de todos. O desenvolvimento do indivíduo é, assim, o desenvolvimento do Estado.

A força e a eficiência do Estado consolidam-se à medida que se estrutura o caráter individual. É de cada indivíduo, portanto, segundo Giovanni Gentile, a responsabilidade pelo Estado fascista, cujo caráter popular e democrático não se impõe, para ele, a partir do alto: a formação do Estado é a formação da consciência do singular ou, o que dá na mesma, da massa.

Se cada século tem a sua doutrina, a do XX é, assevera Mussolini, o fascismo – um conjunto de ideias que, marcado pela vida e pela fé, exibe a “universalidade de todas as doutrinas que, realizando-se, representam um momento na história do espírito humano”.

Ao contrário dos liberais – que dão de ombros para o desenvolvimento espiritual da coletividade –, os fascistas erigem, segundo o Duce, um Estado ético e absoluto: frente a ele, os indivíduos e os grupos são o relativo. O Estado não deve se encarregar apenas de fins materiais – fosse assim, ele poderia, dispensável, ser substituído por um simples conselho de administração.

Carlo Altini aduz que a crítica de Giovanni Gentile ao liberalismo moderno não rechaça por completo a ideia de liberdade. O filósofo italiano refere-se a Hegel e ao idealismo alemão para sustentar o surgimento, no século XIX, de um liberalismo que não opõe o indivíduo ao Estado e que não vislumbra liberdade alguma fora de uma ordem política. “Um liberalismo sem Estado é, para Gentile, um liberalismo sem liberdade”, na medida em que o Estado “promove o desenvolvimento da liberdade considerando-a como ideal moral a realizar, não como direito natural a garantir”.

O Estado não deve se encarregar apenas de fins materiais – fosse assim, ele poderia, dispensável, ser substituído por um simples conselho de administração.

Sob o ponto de vista dos fascistas, compete-lhe a custódia e a transmissão do espírito do povo, que transcende os limites da vida dos indivíduos. Também é tarefa do Estado, postula o fascismo, a “educação para a virtude civil”, por meio da qual os cidadãos tomam consciência de sua missão e da necessidade de unidade.

No Estado fascista, defende Mussolini, o indivíduo não é anulado, mas multiplicado. Nele, sustenta o Duce, os direitos individuais não são tolhidos: os fascistas só trataram de “limitar as liberdades inúteis ou nocivas” e de conservar as essenciais. Incumbe apenas ao Estado, e não aos indivíduos, dispor sobre as margens de liberdade. “Se quem diz liberalismo diz indivíduo, quem diz fascismo diz Estado”184, sentenciou (Mussolini, 1979).

Sergio Panunzio e Carlo Costamagna figuram entre os mais destacados juristas do fascismo. Ambos publicaram diversas obras em que trataram do direito fascista – ou melhor, em que tentaram lançar suas bases teóricas.

E suas atividades teóricas foram invariavelmente acompanhadas pela prática política. Os dois ocuparam relevantes cargos públicos durante os anos que a Itália esteve sob a batuta de Mussolini. Suas trajetórias justificam um tópico especificamente dedicado a uma descrição bastante pontual de suas concepções a respeito do Estado e do direito.

“Juristas heterodoxos” vinculados ao corporativismo, Panunzio e Costamagna batem-se, por vezes divergindo teoricamente (Lanchester, 1999; Cupellaro, 1984), pela renovação da doutrina do direito público, mas, ressalva Fulco Lanchester, esbarram em “amplas limitações sistemáticas” (1999).

Embora lancem anátemas variados contra a doutrina constitucional e administrativa do Estado de direito liberal, tanto Panunzio quanto Costamagna se valem dela – cada um, é verdade, à sua maneira, aquele com mais críticas aos teóricos alemães do que este resgatam, assim, como ressalta Renato Treves, tendências e sentimentos contrários às suas próprias doutrinas (1956). Ilustra-o muito bem o uso que Costamagna faz do princípio da legalidade.

Giovanni Gentile, lembra Carlo Altini, não fala em anular o indivíduo, mas em valorizar seu papel de destaque na formação da unidade política enquanto elemento integrado na entidade coletiva do povo ou da nação. Seu indivíduo não é, definitivamente, o indivíduo singular do liberalismo clássico (ALTINI, 2016).

Sob o fascismo, o indivíduo já não possui direitos naturais anteriores ou superiores ao Estado, mas simples direitos concedidos por vontade estatal, “como dádivas que o Estado concede para melhor garantir a realização dos seus fins” (NOVAIS, 2013).

Criticando a neutralidade do Estado liberal, seu individualismo burguês, seu atomismo, seu vazio axiológico, seu racionalismo legalista e o parlamentarismo, Mussolini e seus seguidores defendem o Estado como um fim em si mesmo e a “eticidade” do poder político (Novais, 2013).

Lo Stato fascista [...] ha limitato le libertà inutili o nocive e ha conservato quelle essenziali”.  “Se chi dice liberalismo dice individuo, chi dice fascismo dice Stato”.

O próprio Mussolini adverte que “nenhuma doutrina nasce toda nova, luzente, jamais vista” e que “nenhuma doutrina pode orgulhar-se de uma ‘originalidade’ absoluta” (MUSSOLINI, 1979).

 

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[1] Edmundo Burke (1729-1797) foi filósofo, teórico político e orador irlandês e membro do Parlamento londrino pelo Partido Whig. Sua principal expressão como teórico político foi a crítica que formulou à ideologia da Revolução Francesa, manifesta Reflexões sobre Revolução na França e o sobre o comportamento de certas comunidades em Londres relativo a esse acontecimento, de 1790. Sendo advogado, dedicou-se, primeiramente aos escritos filosóficos, entre os quais entre os quais destaca-se o tratado de estética A Philosophical Enquiry into the Origin of Our Ideas of the Sublime and Beautiful ("Investigação filosófica sobre a origem de nossas ideias do Sublime e do Belo") (1757). O livro atraiu a atenção de proeminentes pensadores continentais, como Denis Diderot e Immanuel Kant. Sua participação na política interna inglesa foi igualmente relevante. Defendeu a restrição dos poderes monárquicos e introduziu novos conceitos constitucionais referentes aos partidos e seus respectivos membros. Burke é ainda lembrado por apoiar causas como a Revolução Americana, a Emancipação Católica e o impeachment do general Warren Hastings da Companhia Britânica das Índias Orientais. No século XIX Burke inspirou tanto conservadores quanto liberais. Subsequentemente, no Século XX, Burke foi amplamente reconhecido como o fundador do conservadorismo moderno.

[2] A Restauração Francesa ou Restauração Bourbon foi o período histórico francês entre a queda de Napoleão Bonaparte em 1814 até a Revolução de Julho em 1830. O rei Luís XVI havia sido deposto e executado durante a Revolução Francesa, que acabou sendo seguida pela Primeira República Francesa e, depois, pelo Primeiro Império Francês. Uma coligação de potências europeias derrotou Napoleão em 1814, encerrando seu império e restaurando a monarquia para os herdeiros de Luís XVI. A restauração durou desde aproximadamente o dia 6 de abril de 1814 até às revoltas populares da Revolução de Julho de 1830, exceto por um período em 1815, conhecido como o "Governo dos Cem Dias", quando Napoleão voltou de seu exílio e depôs Luís XVIII com ajuda do exército e da insatisfeita população francesa. Ele acabou logo depois sendo derrotado na Batalha de Waterloo e Luís XVIII voltou ao trono. Durante a restauração, o novo regime Bourbon era uma monarquia constitucional e, diferentemente do Antigo Regime absolutista, tinha limites ao seu poder. O período foi caracterizado por reações bem conservadoras e, consequentemente, pequenas, porém constantes, perturbações e agitações civis. Nesse período também ocorre a recuperação do poder da Igreja Católica na política francesa. Com a queda de Napoleão, as potências estrangeiras que ocuparam Paris restabeleceram a dinastia dos Bourbons. Luís XVIII, irmão do rei decapitado, foi escolhido para ocupar o trono. Em março de 1815, entretanto, Napoleão escapou da Ilha de Elba, onde estava confinado, e retomou o poder até junho do mesmo ano, quando foi mais uma vez vencido. Luís XVIII ocupou o trono até setembro de 1824, quando morreu e foi sucedido por seu irmão Carlos X, último rei da dinastia dos Bourbons, um autoritário mal adaptado a um regime constitucional. Apesar da instabilidade política, o desenvolvimento urbano não foi interrompido. Novas áreas foram saneadas e um sistema de iluminação a gás começou a ser instalado em Paris, primeiro na Place Vendôme, em 1825, e em seguida na rue de la Paix, em 1829.

[3] Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891) foi militar, engenheiro, professor e político brasileiro. Adepto do positivismo, em suas vertentes filosófica e religiosa — cujas ideias difundiu entre a jovem oficialidade do Exército brasileiro —, foi um dos principais articuladores do levante republicano de 1889, foi nomeado Ministro da Guerra e, depois, Ministro da Instrução Pública no governo provisório. Na última função, promoveu  importante reforma curricular. A reforma curricular do ensino primário e secundário do Distrito Federal, antigo município da corte, Decreto n.º 981, de 8 de novembro de 1890, estabeleceu novas diretrizes para a instrução pública, propunha a descentrabilidade da mesma, construção de prédios apropriados ao ensino, criação de novas escolas, inclusive Escolas Normais para formação adequada de professores e instituição de um fundo escolar. Foi o Primeiro diretor da recém inaugurada em abril de 1880 Escola Normal da Corte, atual Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ). As disposições transitórias da Constituição de 1891 consagraram-no como fundador da República brasileira, em seu artigo 8.º.Morreu aos 54 anos na cidade do Rio de Janeiro, sendo sepultado no Cemitério São João Batista na mesma cidade.

[4]  Diferente do pensamento hobbesiano, Locke afirma que os seres humanos em estado de natureza não vivem em guerra, tendem a uma vida pacífica por sua condição de liberdade e igualdade. Para ele, os indivíduos ao nascer receberiam da natureza, o direito à vida, à liberdade e aos bens que tornam possíveis os dois primeiros. Isto é, o direito à propriedade privada. Entretanto, o indivíduo em estado de natureza, por seus desejos e por sua liberdade, acabaria entrando em litígio (disputa) com outros indivíduos. Como cada uma das partes defenderia seu próprio interesse, tornou-se necessária a criação de um poder mediador ao qual todos se submetessem. Sendo assim, o indivíduo abandona o estado de natureza, celebrando o contrato social. Com isso, o Estado deve desempenhar o papel de árbitro nos conflitos, evitando injustiças e, consequentemente, a vingança daquele que se sentiu injustiçado. Tendo em vista sempre, a garantia do direito natural à propriedade. "Ser livre é ter a liberdade de ditar suas ações e dispor de seus bens, e de todas as suas propriedades, de acordo com as leis regentes. Dessa forma, não ser sujeito à vontade arbitrária de outros, podendo seguir livremente a sua própria vontade." Locke afirma que a função do estado é interferir o mínimo possível na vida dos indivíduos, atuando apenas na mediação de conflitos e na defesa do direito à propriedade. Onde não há lei, não há liberdade.

[5] Louis Althusser ( 1918-1990) foi filósofo do marxismo estrutural de origem francesa nascido na Argélia. Seu nome foi uma homenagem ao seu tio paterno, que havia morrido na Primeira Guerra Mundial. Em 1937 ele se uniu ao movimento da juventude católica. Althusser era um aluno brilhante, sendo aceito no prestigiado École Normale Supérieure (ENS) em Paris. Entretanto, ele não pôde frequentar a escola, pois estava convocado para a Segunda Guerra Mundial e ficou aprisionado na Alemanha. Althusser era um prisioneiro relativamente feliz, permanecendo no campo até o final da guerra, ao contrário dos demais soldados, que fugiram para lutar - motivo pelo qual Althusser se puniu mais tarde. Após a guerra, finalmente Althusser pôde frequentar a ENS. Entretanto, sua saúde mental e psicológica estava severamente abalada, tendo, inclusive, recebido a terapia de eletrochoques em 1947. A partir de então, Althusser sofreu de enfermidades periódicas durante o resto de sua vida. A ENS foi simpática a sua condição, permitindo que ele residisse em seu próprio quarto na enfermaria, onde ele viveu por décadas, a não ser em períodos de internação hospitalar. Marxista, filiou-se ao Partido Comunista Francês em 1948. No mesmo ano, tornou-se professor da ENS. Em 1946 Althusser conheceu Hélène Rytmann, uma revolucionária de origem judaico-lituana, oito anos mais velha. Ela foi sua companheira até 16 de novembro de 1980, quando foi estrangulada pelo próprio Althusser, num surto psicótico. As exatas circunstâncias do ocorrido não são conhecidas - uns afirmam ter se tratado de um acidente; outros dizem que foi um ato deliberado. Althusser afirma não se lembrar claramente do fato, alegando que, enquanto massageava o pescoço da mulher, descobriu que a tinha matado. A justiça considerou-o inimputável no momento dos acontecimentos e, em conformidade com a legislação francesa, foi declarado incapaz e inocentado em 1981. Cinco anos mais tarde, em seu livro L'avenir dure longtemps, Althusser refletiu sobre o fato, pretendendo reivindicar uma espécie de responsabilidade por seus atos quando do assassinato, o que gerou uma polêmica entre seus correligionários e detratores, sobre tal responsabilidade ser filosófica ou real. Althusser não foi preso, mas foi internado no Hospital Psiquiátrico Sainte-Anne, onde permaneceu até 1983. Após esta data, ele se mudou para o norte de Paris, onde viveu de forma reclusa, vendo poucas pessoas e não mais trabalhando, a não ser em sua autobiografia. Louis Althusser morreu de ataque cardíaco em 22 de outubro de 1990, aos 72 anos.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 08/09/2023
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