A possibilidade de retroatividade da lei penal benéfica, também se aplica para o Direito Administrativo?

A possibilidade de retroatividade da lei penal benéfica, também se aplica para o Direito Administrativo?

Em um processo administrativo o sujeito cometeu uma infração qualquer, cuja penalidade tinha por previsão a aplicação de uma multa, cujo valor era de ad exemplum R$1.500,00. Teve ao final do procedimento o reconhecimento de sua culpabilidade e foi sancionado com a multa no valor referido. Não se conformando com sua condenação, houve por bem recorrer da aplicação da dita multa. Durante a tramitação do recurso, seja administrativo ou judicial, o procedimento, já depois de saneado o processo, peticionou o recorrente nos autos informando que havia entrado em vigor a Lei/Resolução, que tinha alterado a redação do art. que previra a multa de R$1.500,0, , reduzindo o valor da multa para R$ 550,00.

Os menos avisados julgadores, invariavelmente, indeferem o pedido de retroação da norma posterior mais benéfica sempre ao argumento de que em se tratando de matéria de natureza administrativa, ou seja, que não diz respeito à aplicação de penalidades no âmbito penal, tributário, ou, ainda, a outras matérias em relação às quais exista previsão específica de retroatividade das normas ulteriores mais benéficas, deve imperar o princípio da imutabilidade do ato jurídico perfeito, consoante dispõe o art. 6º, I, c/c § 1º, do Decreto-Lei nº 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro)”.

No entanto agindo deste modo está a negar a aplicação do bom direito ao caso em comento.

Pois bem. O art. 5º, XL, da CF/88 prevê que: Art. 5º (...) XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

Para o STJ, é possível extrair do art. 5º, XL, da Constituição da República princípio implícito do Direito Sancionatório, qual seja: a lei mais benéfica retroage em qualquer nsituação. Isso porque, se até no caso de sanção penal, que é a mais grave das punições, a Lei Maior determina a retroação da lei mais benéfica, com razão é cabível a retroatividade da lei no caso de sanções menos graves, como a administrativa.

Assim, a norma mais benéfica retroage para beneficiar o infrator, mesmo nos casos em que a sanção aplicada tenha natureza administrativa.

Por este motivo, afigura-se possível a redução do valor da multa administrativa aplicada quando houver a superveniência de norma que comine penalidade mais benéfica para a infração em questão.

Seria possível reconhecer essa alteração mais benéfica mesmo já tendo ocorrido o saneamento do processo?

Por óbvio que sim.

O pedido de redução da multa pode ser conhecido mesmo tendo sido formulado após o saneamento dos autos. Isso porque, o art. 322, §2º, do CPC, determina que o pedido deve ser interpretado de acordo com o conjunto da postulação e com o princípio da boa-fé: Art. 322. (...) Art 2º A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé.

A parte autora (recorrente), em sua irresignação recursal, pleiteou a redução da pena de multa aplicada de R$1.500,00 do processo administrativo, pedido este claramente mais amplo e que contém, ainda que implicitamente, o de redução da multa aplicada. Se, com base no pedido feito pela parte autora, o órgão jurisdicional está autorizado a reduzir a multa aplicada, já que quem pode o mais, pode o menos.

O fato de tal alegação ter sido apresentada após a estabilização da demanda também não é um óbice para o seu conhecimento, pois o art. 493, do CPC, permite que ocorra a ampliação superveniente da causa de pedir em caso de fato novo constitutivo, modificativo ou extintivo do direito da parte:

Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão. Parágrafo único. Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir.

Em suma: O art. 5º, XL, da Constituição da República prevê a possibilidade de retroatividade da lei penal, sendo cabível extrair-se do dispositivo constitucional princípio implícito do Direito Sancionatório, segundo o qual a lei mais benéfica retroage no caso de sanções menos graves, como a administrativa. STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 2.024.133-ES, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 13/3/2023 (Info 769).

Guaxupé, 04/05/23.

Milton Biagioni Furquim

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 04/05/2023
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