CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE: O BICO LEGALIZADO?

Luiz Oscar Corrêa Ribeiro Júnior¹

Christiano Abelardo Fagundes Freitas²

RESUMO:O presente artigo, elaborado como trabalho de conclusão do curso de pós-graduação lato sensu em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho do Centro Universitário Fluminense (UNIFLU), discorre acerca do contrato de trabalho intermitente no Direito do Trabalho brasileiro, instituto jurídico que ganhou força com o advento da Lei nº 13.467/2017. Pretende-se, com este artigo, analisar se o contrato de trabalho intermitente está em harmonia com os princípios constitucionais, plasmados na atual Constituição da República Federativa do Brasil, entre os quais se encontra a dignidade da pessoa humana. No que tange à metodologia, realizou-se uma ampla pesquisa bibliográfica, bem como a pesquisa nos “sites” dos tribunais trabalhistas brasileiros e do Supremo Tribunal Federal, a fim de trazer à luz as vozes divergentes que existem sobre o instituto objeto de perquirição.

Palavras-chave: Contrato. Trabalho Intermitente. Reforma Trabalhista.

INTRODUÇÃO

O contrato de trabalho intermitente está relacionado com um tema que vem ganhando relevância nos seminários, nos congressos, nos encontros, isto é, na pauta dos eventos em que o Direito do Trabalho está em foco, qual seja: a flexibilização das normas trabalhistas.

A flexibilização trabalhista consiste na possibilidade da mitigar a força imperativa das normas trabalhistas, seja por determinação da lei, ou em decorrência de cláusula de ACT (acordo coletivo de trabalho) ou de CCT (convenção coletiva de trabalho). Vólia Bomfim Cassar traz, com precisão, a diferença entre desregulamentação e flexibilização, in verbis:

A desregulamentação pressupõe a ausência do Estado (Estado mínimo), revogação de direitos impostos pela lei, retirada total da proteção legislativa, permitindo a livre manifestação de vontade, a autonomia privada para regular a relação de trabalho, seja de forma individual ou coletiva. A flexibilização pressupõe intervenção estatal, mais ou menos intensa, para proteção dos direitos do trabalhador, mesmo que apenas para garantia de direitos básicos. Na flexibilização um núcleo de normas de ordem pública permanece intangível, pois sem estas não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade, sendo fundamental a manutenção do Estado Social (CASSAR, 2014, p. 40).

A Lei nº 13.467/2017, conhecida como a grande reforma trabalhista, vem a lume com o pretexto de modernizar a legislação trabalhista, adequando-a aos novos tempos, trazendo para o bojo da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), diversas inovações, tais como: o princípio da prevalência do negociado sobre o legislado (art. 611-A), a regulamentação do teletrabalho (do art. 75-A ao 75-F), a figura do empregado hipersuficiente (art. 444, parágrafo único) e o detalhamento do contrato de trabalho intermitente (art. 452-A). O trabalho intermite, até então, era citado, de forma sucinta, nos artigos 237, “d”, 243 e 248, caput, e §1º, da CLT, para ferroviários e tripulantes.

Com a precisão que lhe é peculiar, o ministro Mauricio Godinho Delgado discorre acerca da força da flexibilização e da desregulamentação trabalhista nesta última década:

Com a derrubada, em 2016, no Brasil, do governo democraticamente eleito em 2014, retomou-se, no País, de maneira mais célere e compulsiva, as teses ultraliberalistas do Estado Mínimo e do império genérico e incontrastável dos interesses do poder econômico nas diversas searas da economia, da sociedade e das políticas públicas. Entre estas teses, sobrelevam-se as vertentes da desregulamentação trabalhista e da flexibilização trabalhista.

Nesse quadro, a lei n. 13.467, aprovada em 13.07.2017 e vigorante desde o dia 11 de dezembro do mesmo ano, implementou inúmeras medidas de desregulamentação e de flexibilização trabalhistas (DELGADO, 2019, p. 76).

CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE

Antes de trazermos o conceito de contrato de trabalho intermitente, imperioso consignar o conceito do contrato de trabalho (gênero do qual o contrato de emprego é uma espécie).

De acordo com o art. 442, da CLT: “Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”. Os professores Christiano Fagundes e Léa Paiva destacam a mudança provocada com a “chegada” do contrato de trabalho intermitente:

Contrato de emprego é o negócio jurídico por meio do qual a pessoa física se obriga a, pessoalmente, prestar serviços de natureza não eventual, em regra, a uma outra pessoa (física, jurídica ou ideal), sob a direção desta, mediante salário.

Diz-se em regra, pois a Lei n. 13.467/17 (Reforma Trabalhista) criou a figura do contrato de emprego intermitente, situação em que não há continuidade na prestação dos serviços.

Dessarte, o art. 443, da CLT, com a redação alterada pela Lei n. 13.467/17, preceitua que “O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente (Christiano Fagundes e Léa Paiva, in Curso de Direito do Trabalho, 3ª ed., Autografia, Rio de Janeiro, 2022, p.54).

O conceito de contrato de trabalho intermitente está no § 3º do art. 443, da CLT: “Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria”.

Com base no conceito acima, elaborado pelo legislador, fica nítido que se trata de um negócio jurídico solene, que deve ser celebrado por escrito. Nessa diretriz, a lição de Correia: “O trabalho intermitente é um contrato de trabalho solene, pois deve ser necessariamente firmado por escrito e deve conter o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não”(CORREIA, 2021).

Cláudio Freitas e Amanda Diniz são peremptórios quanto à impossibilidade de acordo tácito ou verbal nesta espécie de contrato, verbis:

Ou seja, não há possibilidade de acordo tácito ou verbal na modalidade intermitente, havendo a exigência legal expressa da sua formalização por escrito. Caso não haja tal formalização, será o contrato entendido como na modalidade de prazo indeterminado (FREITAS, Claudio; DINIZ, Amanda, CLT Comentada, 2ª ed., 2021, p. 574)

Os tribunais também entendem que a validade do contrato de trabalho intermitente exige a forma escrita, além da observância das demais regras constantes dos parágrafos do art. 452-A, da CLT. Sobre a forma escrita, segue o julgado abaixo:

CONTRATO INTERMITENTE DE TRABALHO. ART. 452-A da CLT. FORMALIDADE NÃO OBSERVADA. Em consonância com a regra plasmada no art. 452-A da CLT, para a validade do contrato de trabalho na forma intermitente, impõe-se a celebração por meio escrito, o que incontroversamente não restou evidenciado no caso em exame. Sendo assim, incide o regramento relativo à contratação por prazo indeterminado. (TRT18, ROT - 0011400-62.2019.5.18.0052, Rel. WELINGTON LUIS PEIXOTO, 1ª TURMA, 03/12/2020).

Como informado, as características do contrato de trabalho intermitente, na legislação brasileira, constam do artigo 452-A, da CLT. Dessarte, transcreve-se, na íntegra, o referido dispositivo legal. Verbis:

452-A. O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não.

§ 1o O empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência.

§ 2o Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa.

§ 3o A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente.

§ 4o Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo.

§ 5o O período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes.

§ 6o Ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o pagamento imediato das seguintes parcelas:

I - remuneração;

II - férias proporcionais com acréscimo de um terço;

III - décimo terceiro salário proporcional;

IV - repouso semanal remunerado; e

V - adicionais legais.

§ 7o O recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma das parcelas referidas no § 6o deste artigo.

§ 8o O empregador efetuará o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações.

§ 9o A cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador.

Christiano Fagundes e Léa Paiva, com apoio no art. 452-A, da CLT, resumem as peculiaridades do contrato de trabalho intermitente. São elas:

1) o contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não (art. 452-A, caput, CLT);

2) o empregador convocará o empregado, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência (art. 452-A, §1º, CLT);

3) recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa (art.452-A, §2º, CLT);

4) aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo (art.452-A,§4º, CLT);

5) a recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente (art.452-A, § 3º, CLT);

6) no período de inação, não há pagamento de nenhuma rubrica ao empregado, pois não é considerado tempo à disposição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes (art.452-A, §5º, CLT). Ficará descaracterizado o contrato de trabalho intermitente caso haja remuneração por tempo à disposição no período de inatividade;

7) o recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma das parcelas (art. 452-A, §7º, CLT), evitando-se o salário COMPLESSIVO;

8) o empregador efetuará o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações (art. 452-A, §8º, CLT) (Christiano Fagundes e Léa Paiva, in Curso de Direito do Trabalho, 3ª ed., Autografia, Rio de Janeiro, 2022, p. 72 e 73).

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Entre as particularidades, consigna-se que a legislação impõe que, ao final de cada período de prestação de serviço, para o qual o empregado foi convocado pelo empregador, este deverá proceder ao pagamento imediato das seguintes rubricas: a)remuneração, b) das férias proporcionais com um terço, c) do 13º salário proporcional, d)do repouso semanal remunerado, e) dos adicionais legais devidos ao empregado, tais como: adicional noturno, adicional de insalubridade, adicional de periculosidade. É preciso abrir um parêntese, para informar que, caso o empregado seja contratado para laborar por período superior a 30 (trinta) dias, não poderá o empregador deixar para fazer o pagamento da remuneração ao término da prestação do serviço, pois o artigo 459, da CLT, impõe que o pagamento do salário, qualquer que seja a modalidade do trabalho, não deve ser estipulado por período superior a 1 (um) mês.

O rol de direitos elencados no §6º, do art. 452-A, da CLT, é meramente exemplificativo, pois, de acordo com o caso concreto, o empregado intermitente terá outros direitos não citados nesse dispositivo legal, tais como: vale transporte e outros previstos em acordo coletivo de trabalho e/ou em convenção coletiva de trabalho.

Quanto ao seguro-desemprego, percebe-se que há omissão no rol constante do art. 452-A, da CLT. O professor Christiano Fagundes, na dissertação de mestrado, intitulada “Contrato de Trabalho intermitente na legislação brasileira: avanço ou retrocesso social?”, apresentada na Universidade Candido Mendes, unidade Campos dos Goytacazes, no ano de 2022, evidenciou a omissão legislativa acerca do direito ao seguro-desemprego para os empregados intermitentes, informando existir projeto de lei complementar objetivando assegurar, expressamente, tal direito aos intermitentes, in verbis:

A legislação nada menciona acerca do seguro-desemprego. Isso contribui para que haja divergência quanto à extensão desse direito ao empregado intermitente. Correia (2021) posiciona-se pelo direito ao seguro-desemprego por parte dos empregados intermitentes, desde que preenchidos os requisitos exigidos pela legislação específica desse benefício. Verbis:

Durante sua vigência (14/11/2017 a 23/04/2018), a MP nº 808/2017 alterou profundamente a disciplina jurídica do trabalho intermitente, com ampla regulamentação do tema. De acordo com o §2º do art. 452-E, da CLT (atualmente revogado), o término do contrato de trabalho intermitente não assegurava o direito ao recebimento do seguro-desemprego. Dessa forma, as dispensas de trabalhadores intermitentes realizadas até 23/04/2018, não asseguravam o direito ao recebimento de seguro desemprego ao intermitente.

(...)

Entendemos, diante do silêncio da Reforma Trabalhista, pela aplicação do art. 2º, I e 3º, “caput” da Lei nº7.998/1990 (Lei do Seguro-Desemprego), que prevê o direito ao recebimento do seguro-desemprego pelo empregado dispensado sem justa(sic): (CORREIA, 2021, p. 612)

O Projeto de Lei Complementar nº 116, de 2022, de autoria do senador Jorge Kajuru (PODEMOS/GO), tem o objetivo de assegurar o seguro-desemprego aos empregados intermitentes (Christiano Fagundes, in “Contrato de Trabalho intermitente na legislação brasileira: avanço ou retrocesso social?”, Universidade Candido Mendes, unidade Campos dos Goytacazes, RJ, 2022).

CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE: VANTANGENS E DESVANTAGENS

O contrato de trabalho intermitente divide a opinião dos doutrinadores, dos professores, dos tribunais, enfim, dos estudiosos acerca da sua constitucionalidade. Há vozes que defendem o contrato de trabalho intermitente, apontando que permite, por exemplo, a conquista do primeiro emprego, a possibilidade de compatibilizar trabalho.

Por sua vez, há quem sustente que o contrato de trabalho intermitente é sinônimo de imprevisibilidade para o trabalhador e que representa um grande retrocesso social, violando princípios constitucionais.

Beatriz Garcia Gouveia Santos chama a atenção para a mitigação de um dos principais princípios do Direito do Trabalho, qual seja: o princípio da proteção. Ipsis litteris:

O princípio protetivo é mitigado, havendo a precarização da garantia constitucional de salário mínimo, uma vez que o trabalhador intermitente não sabe quando será convocado para trabalhar, e pode, efetivamente, não ser convocado, o que impacta as horas de trabalho e, consequentemente, a possibilidade de recebimento do salário mínimo integral. Ademais, quando não está trabalhando (período de inatividade) não tem nenhum seguro para cobrir este período inativo.

Segundo o doutrinador Carlos Henrique Leite (2018) o contrato intermitente é benéfico para os empresários que fomentaram a reforma trabalhista, mas não para o trabalhador intermitente. Para o autor o trabalho intermitente é manifestamente inconstitucional, pois o trabalhador após prestar os serviços e receber a remuneração é descartado como se fosse uma mercadoria, violando assim princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana do cidadão trabalhador, do valor social do seu trabalho, da busca do pleno emprego, da correção das desigualdades sociais e da função social da empresa. Além disso, fere o art. 7º, IV, da CF, pois o trabalhador intermitente, poderá não receber remuneração durante um mês ou meses ou ainda receber remuneração inferior ao salário mínimo.

Além destas observações, o trabalhador intermitente é equiparado à máquina descartável devido à superexploração do trabalho humano, ferindo o texto constitucional de melhorias das condições sociais do trabalhador, além de ferir os princípios constitucionais anteriormente citados (LEITE, 2018) (TRABALHO INTERMITENTE: BENEFÍCIOS E DESVANTAGENS PARA O EMPREGADO, Beatriz Garcia Gouveia Santos)

Lemos, Wanderley e de Ferreira Junior acenam para o fato de o contrato intermitente transferir os riscos do empreendimento para o trabalhador. Verbis:

(...)Essa modalidade de contrato de trabalho não era prevista pela CLT e fere as convenções da OIT de trabalho digno, apesar de modelos similares serem adotados em alguns países ricos, como os Estados Unidos. Ao vincular o tempo remunerado do contratado às contingências de necessidades da empresa, em função de suas atividades produtivas, essa modalidade contratual não garante a remuneração mínima de subsistência do empregado (e sua família), cujas necessidades mínimas são um piso de reprodução, sem margem para a queda. (...) Do ponto de vista da CLT, o período de inatividade não remunerado à disposição da empresa não atende às regras do contrato de trabalho referentes à transferência dos riscos da atividade para o empregado e ao princípio remuneratório de disponibilidade laboral. (BRASIL, 1943, art. 2º, 4º) Portanto, essa modalidade de contrato de trabalho está distante do que poderia ser considerado um patamar mínimo de igualdade de oportunidades dos assalariados no mercado de trabalho, ferindo os princípios da democracia econômica. (LEMOS, WANDERLEY; FERREIRA JUNIOR, 2022, p. 322).

Reforçando a seleção dos doutrinadores que veem, no contrato de trabalho intermitente, uma modalidade contratual que retira do trabalhador vantagens e garantias estruturadas pela legislação trabalhista, encontra-se Delgado, ministro do Tribunal Superior do Trabalho. Delgado faz duras críticas a essa espécie de contrato de emprego, afirmando tratar-se de uma disruptiva novidade trazida pela Lei nº 13.467/2017.

O novo contrato de trabalho intermitente, conforme se pode perceber, inscreve-se entre as mais disruptivas inovações da denominada reforma trabalhista, por instituir modalidade de contratação de trabalhadores, via CLT, sem diversas das proteções, vantagens e garantias estruturadas pelo Direito do Trabalho.

Pacto formalístico, necessariamente celebrado por escrito, busca afastar ou restringir as garantias que a ordem jurídica confere à jornada de trabalho e, do mesmo modo, ao salário, colocando o trabalhador em situação de profunda insegurança quer quanto à efetiva duração do trabalho, quer quanto à sua efetiva remuneração.

Ademais, por meio de rigorosa correlação que fixa entre estrito trabalho prestado e o estrito salário devido, não só viabiliza eliminar (ou restringir) diversas parcelas e garantias inerentes à contratação empregatícia padrão, tais como, por exemplo, tempo à disposição, intervalos intra e interjornadas, descansos semanais remunerados, descansos em feriados. A par disso, instiga o empregador a não preencher, com o seu empregado intermitente, a duração padrão diária, semanal e mensal do contrato (oito horas ao dia, 44 horas na semana, 220 horas no mês – neste caso já considerados os descansos semanais remunerados), tornando, com essa estratégia, muito mais desvalorizado, precário, barato mesmo, o trabalho humano. (DELGADO, 2019, p. 672-673).

Apresentando outra concepção, Melek apresenta pontos positivos do contrato de trabalho intermitente. Segundo esse autor, o contrato intermitente representa a oportunidade de obtenção do primeiro emprego, por parte da população mais jovem, além de permitir aos empregados mais experientes a possibilidade de realização de trabalho compatível com a terceira idade, verbis:

Num primeiro momento, a vertente teleológica do meio jurídico para a nova modalidade foi que essa reduzisse a informalidade, ou seja, fizesse com que tantos free lancers, prestadores de serviços dentre outros, pudessem sair do meio informal e passassem a ter direitos trabalhistas e previdenciários.

Entretanto, a mens legis remete a uma possibilidade maior: a de absorver jovens e membros da terceira idade, para o trabalho intermitente: o que para alguns representaria a oportunidade do primeiro emprego, e para os mais experientes a possibilidade de auferir renda com um trabalho possível e compatível com a terceira idade.

O trabalho intermitente nasce do binômio necessidade de trabalho versus eliminação da ociosidade para o setor produtivo, e oportunidade de trabalho versus desemprego para o trabalhador e para o desempregado.

(...)

Voltando a nosso foco, o intermitente pode ser chamado para um trabalho de apenas duas horas, v.g., vai fazer a segurança de alguém que chegou ao

aeroporto da cidade e precisa se deslocar para o hotel.

Uma convocação de apenas duas horas? Sim, sendo que o trabalhador não é obrigado a aceitar aquela convocação, bastando rejeitá-la. À evidência que se a remuneração for interessante, o mesmo poderá aceitá-la, ou seja, há liberdade na contratação e na aceitação ou não (MELEK, 2019).

Negar essa espécie contratual é colocar um contingente de trabalhadores à margem dos direitos trabalhistas, como argumenta Batalha.

O trabalho intermitente é realidade produtiva incontornável em alguns setores da economia. Negar tal realidade tem como efeito levar um grande contingente de trabalhadores para a informalidade, diante da inexistência de outra figura jurídica contratual apta a regulamentar tal tipo de prestação de serviços (BATALHA, 2018).

CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE E O STF

O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Nunes Marques, ao votar em processos que versam sobre Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5826, nº 5829 e nº 6154, manifestou-se pela constitucionalidade do contrato de trabalho intermitente, por entender que esse contrato não representa supressão de direitos trabalhistas.

Primeiro a votar na sessão de hoje, o ministro Nunes Marques considera que o contrato de trabalho intermitente não representa supressão de direitos trabalhistas, fragilização das relações de emprego nem ofensa ao princípio do retrocesso. De acordo com ele, a modalidade de contratação é constitucional, entre outros aspectos, porque assegura ao trabalhador o pagamento de parcelas como repouso semanal remunerado, recolhimentos previdenciários e férias e 13º salário proporcionais. Além disso, proíbe que o salário-hora seja inferior ao salário-mínimo ou ao salário pago no estabelecimento aos trabalhadores que exerçam a mesma função, mas em contrato de trabalho comum.

Nunes Marques considera que, embora o contrato de trabalho tradicional ofereça maior segurança, por estabelecer salário e jornada fixos, a nova modalidade eleva a proteção social aos trabalhadores informais que executam serviços sem nenhum tipo de contrato. Segundo ele, o novo modelo proporciona flexibilidade para uma parcela de trabalhadores, regularizando-os ou reinserindo-os no mercado de trabalho com direitos assegurados. (STF, 2020).

O ministro Alexandre de Moraes também votou pela constitucionalidade do contrato de trabalho intermitente. Por sua vez, o ministro Edson Fachin votou pela inconstitucionalidade dessa espécie contratual. O ministro Edson Fachin asseverou, em seu voto, proferido na ADI 5826, que “Sem a obrigatoriedade de solicitar a prestação do serviço, o trabalhador não poderá planejar sua vida financeira, de forma que estará sempre em situação de precariedade e fragilidade social”. Em sua decisão, arrematou Fachin:

Os direitos fundamentais sociais expressamente garantidos nos arts. 6º e 7º da CRFB estarão suspensos por todo o período em que o trabalhador, apesar de formalmente contratado, não estiver prestando serviços ao empresário. Não há como afirmar garantidos os direitos fundamentais sociais previstos nos arts. 6º e 7º da Constituição se não houver chamamento à prestação de serviços, pois o reconhecimento das obrigações recíprocas entre empregador e trabalhador dependem diretamente da prestação de serviço subordinado. (STF, 2022).

Mafioleti traça um resumo dos 3(três) primeiros votos proferidos, pelo Supremo Tribunal Federal, quanto à (in) constitucionalidade do contrato de trabalho intermitente.

Tanto que, logo após o início de vigência da lei, ainda em 2017, já foram ajuizadas ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, ADIs 5.826, 5829 e 6154, que discutiam a constitucional do regime de trabalho intermitente. O relator das ADIs é o ministro Edson Fachin, que já se posicionou contrário à modalidade sob o principal argumento de que não fixa horas mínimas de trabalho nem rendimento mínimo, ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana.

Por outro lado, já foram apresentados votos dos ministros Nunes Marques e Alexandre de Moraes favoráveis à constitucionalidade de tal regime de trabalho. Em linhas gerais, o ministro Nunes Marques frisou que a modalidade de contratação é constitucional porque assegura ao trabalhador o pagamento de parcelas como repouso semanal remunerado, recolhimentos previdenciários, férias e 13º salário proporcionais. Além disso, proíbe que o salário-hora seja inferior ao salário-mínimo ou ao salário pago no estabelecimento aos trabalhadores que exerçam a mesma função, mas em contrato de trabalho comum.

Já o ministro Alexandre de Moraes destacou em seu voto que foram respeitados os direitos previstos nos artigos 6º e 7º da Constituição Federal, conciliando-os com a necessidade de uma nova forma de contratação. O próximo voto, bastante aguardado e que poderá ser crucial, é o da ministra Rosa Weber. A ministra solicitou pedido de vista, de modo que o julgamento está suspenso desde 12/2020 e até o momento não há previsão de nova data para julgamento. (MAFIOLETI, 2022).

No momento da elaboração deste artigo, em 24/04/2023, o julgamento da ADI 5826 encontra-se com o placar empatado, pois a Ministra Rosa Weber acompanhou, com ressalvas, o voto do Ministro Edson Fachin (Relator), que é pela inconstitucionalidade do contrato de trabalho intermitente. O voto da ministra Rosa Weber não está disponível no “site” do STF, encontrando-se apenas a seguinte informação:

Decisão: Após o voto-vista da Ministra Rosa Weber (Presidente), acompanhando com ressalvas o Ministro Edson Fachin (Relator), o processo foi destacado pelo Ministro André Mendonça. Plenário, Sessão Virtual de 11.11.2022 a 21.11.2022. (STF, 2022).

Até o presente momento, há um empate no STF, como visto acima, acerca da (in) constitucionalidade do contrato de trabalho intermitente, sendo o feito retirado do julgamento virtual, pois o processo foi destacado pelo Ministro André Mendonça.

CONCLUSÃO

Percebe-se que o tema divide a opinião dos doutrinadores, existindo a corrente que considera o contrato de trabalho intermitente um espelho do atual cenário laboral, sendo uma necessidade dos novos tempos; outra, um retrocesso social sem precedentes. Essa divergência não fica restrita à academia, aos escritores. Vai muito além. Existem três Ações questionando a constitucionalidade do contrato de trabalho intermitente, tramitando no Supremo Tribunal Federal.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.826 foi proposta pela Federação Nacional dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados de Petróleo, que defende a precarização da relação de trabalho. A ADI 5.829 foi ajuizada pela Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações e a ADI 6.164, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria.

A divergência existente em torno do trabalho intermitente também alcança os ministros da mais alta Corte do Judiciário brasileiro. Na ADI 5.826, até o presente momento, quatro ministros emitiram seu voto. Para o relator da Ação, ministro Edson Fachin, o contrato de trabalho intermitente está na contramão da Carta Magna, promulgada em 5 de outubro de 1988. Já os ministros Nunes Marques e Alexandre de Moraes votaram a favor da constitucionalidade do contrato intermitente. A ministra Rosa Weber acompanhou o voto do relator, com ressalvas.

Trata-se de contrato que deixa o empregado, embora com a CTPS assinada, em situação de imprevisibilidade, de insegurança e de vulnerabilidade, pois, como visto, o tempo de inatividade, em que não são assegurados direitos trabalhistas, não foi sequer delimitado pelo legislador.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.826/DF – Distrito Federal. Relator: Ministro Edson Fachin. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/fachin-adi-5826-trabalho-intermitente.pdf. Acesso em: 16 abr. 2023.

BATALHA, Elton. Trabalho Intermitente: A Reforma Trabalhista Brasileira e a Experiência Estrangeira – Parte I – Direito Individual do Trabalho. In: FILHO, Jorge; MARTINS, Rafael; MIZIARA, Raphael (org.). Reforma Trabalhista na Visão da Advocacia: aspectos prático e estratégias para o cotidiano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. Disponível em https://thomsonreuters.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/1250395875/trabalho-intermitente-a-reforma-trabalhista-brasileira-e-a-experiencia-estrangeira-parte-i-direito-individual-do-trabalho. Acesso em: 22 abr. 2023.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho: de acordo com a reforma trabalhista. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017.

CASSAR, Vólia Bomfim. Resumo de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: Método, 2018.

CORREIA, Henrique; MIESSA, Élisson. Manual da reforma trabalhista: lei 13.467/2017 o que mudou? Comentários artigo por artigo. 1. ed. Salvador: Juspodivm, 2018.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr, 2019.

DELGADO. Mauricio Godinho; DELGADO. Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com comentários à Lei n. 13.467/2007. 1. ed. São Paulo: LTr, 2017.

FAGUNDES, Christiano e PAIVA, Léa. Curso de Direito do Trabalho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Autografia, 2022.

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¹Advogado. Pós-graduado lato sensu pelo Centro Universitário Fluminense (Uniflu) em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho.

²Advogado. Mestre. Professor e Coordenador do Curso de pós-graduação lato sensu em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho do Centro Universitário Fluminense (Uniflu).

CHRISTIANO FAGUNDES e LUIZ OSCAR CORRÊA RIBEIRO JÚNIOR
Enviado por CHRISTIANO FAGUNDES em 24/04/2023
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