Tribunal de Justiça Militar - Reintegração aos Quadros da PMMG e o Instituto da Prescrição - Nulidade do Ato demissionário

O Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, Câmara de Direito Cível, por unanimidade de votos, confirmou em sede de segunda instância, a sentença que foi proferida em primeira instância, pelo MM Juiz de Direito Titular da 2 Auditoria Juduciária Militar do Estado de Minas Gerais. Eis a íntegra do acórdão.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 176

- Reexame Necessário -

Origem: Proc. nº 394/06 – AC/2ª AJME

Relator: Juiz Cel BM Osmar Duarte Marcelino

Revisor: Juiz Fernando Galvão da Rocha

Remetente: Juiz de Direito Titular do Juízo Militar da 2ª AJME

Autor: Itamar Imediato Passos

Advogados: Dra. Jeanete Chelini Pereira Heluey

Dr. Vanderlei Néri Marins

Réu: Estado de Minas Gerais

Procurador do Estado: Dr. Eduardo Goulart Pimenta

SUMÁRIO

Reexame necessário – Reintegração de cargo – Prescrição qüinqüenal –

Inocorrência - Ausência de publicação constatada – Nulidade do ato

administrativo punitivo – Configurada – Sentença mantida.

EMENTA

- Não corre a prescrição qüinqüenal prevista no Decreto Federal nº 20.910/32, quando se tratar de incapazes, inteligência do art.198 c/c 3° do Código Civil. - É nulo de pleno direito o ato administrativo praticado sem a observância do princípio da publicidade.

- Da mesma forma, deve ser anulado ato administrativo que demitiu militar com demência mental, oriunda de traumatismo craniano em serviço, com diversos laudos médicos atestando sua incapacidade definitiva para o serviço, vindo finalmente a ser interditado pela justiça.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos da Apelação Cível nº 176, sendo remetente o Juiz de Direito Titular do Juízo Militar da 2ª AJME, autor Itamar Imediato Passos, advogados a Dra. Jeanete Chelini Pereira Heluey e o Dr. Dr. Vanderlei Néri Marins, réu o Estado de Minas Gerais e Procurador do Estado o Dr. Eduardo Goulart Pimenta, acordam os Juízes da Câmara Cível, por unanimidade de votos, em anular o julgamento da apelação realizado anteriormente, retomando-o a partir do relatório inicial.

Por unanimidade de votos, em passar pela prejudicial de mérito de prescrição. No mérito, também por unanimidade, em reexame necessário, confirmar integralmente a sentença.

Fez sustentação oral o advogado Dr. Vanderlei Néri Marins.

RELATÓRIO

A presente ação ordinária de reintegração de cargo foi distribuída em

26/8/2004, para a Vara de Fazenda Pública e Autarquias de Juiz de Fora, em face ao ato administrativo de exclusão praticado pelo Comandante do 1° Batalhão de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais.

Narra a inicial que o autor ingressou na PMMG em 17/9/1693 e foi excluído em 11/9/1969. Que, desde 1963, já apresentava quadro clínico de insanidade mental e, mesmo assim, foi excluído das fileiras da PMMG sem que fosse submetido a qualquer perícia psicopatológica. Que o mesmo foi vítima de um acidente em serviço, com fratura de crânio, em que uma placa de alvenaria teria se desprendido do teto, em um local de incêndio, atingindo-o na cabeça, sendo este o único motivo da doença que o acometeu e que o levou a ser

excluído da Corporação sem a observância de seus direitos.

Noticia a inicial que o autor foi excluído por ato do Sr. Cel PM Sebastião Duarte de Almeida, Comandante do Corpo de Bombeiros à época, fls. 25, não tendo o autor sido submetido a processo de deserção ou de perícia psicopatológica obrigatória; sendo, contudo, excluído sumariamente com base no artigo 33 do Regulamento Disciplinar do Exército Brasileiro.

Que, no ano de 1970, o autor foi considerado desertor, sendo-lhe dada voz de prisão, ocasião em que foi apresentado ao Comandante do 1º Batalhão de Bombeiros, que ratificou a sua prisão, esquecendo-se, no entanto, de adotar as medidas legais pertinentes, visto que o mesmo em nenhum momento foi reintegrado para se ver processado.

Pugnou, ao final, pela reintegração nos quadros da PMMG, bem como fosse explicada a inexistência do processo de deserção, juntando diversos documentos, fls.14/211, dentre eles atestado de que o autor é incapaz de gerir sua pessoa e bens; bem como cópia da ação de interdição n° 145.03.081.964- 6, fls. 161 a 201, proposta em 2003, sendo que sua interdição foi declarada em

15/4/2004, fls. 198/199.

Foi-lhe deferida a assistência gratuita e determinada a citação do Réu, que apresentou contestação às fls. 220/228. Em preliminar de mérito, alegou a prescrição qüinqüenal prevista no art. 1º do Decreto Federal nº 20.910/32, alegando ainda, em outra preliminar de mérito – Prescrição Parcial, caso fosse diverso o entendimento do d. Juízo, no sentido de não se encontrar caracterizada a prescrição total do direito de ação, face a prescrição qüinqüenal de todas as parcelas vencidas há mais de cinco anos.

No mérito, alegou a necessidade de respeito aos princípios da legalidade e da moralidade – art. 37 da CF/88, citando que não há qualquer ilegalidade no ato repudiado pelo autor, uma vez que o Estado-réu nada mais fez do que aplicar a legislação pertinente, requerendo a improcedência total da ação.

Impugnação, acostada às fls. 226/227, combatendo a contestação, alegando que é de domínio público que as ações intentadas contra a Administração prescrevem em cinco anos, sendo necessário que a Administração adote os princípios tais como: moralidade, legalidade e publicidade, não sendo encontrados no caso em tela.

Alega que um ato nulo não se convalesce pelo lapso temporal de cinco anos, e que a prescrição somente poderia ocorrer após a publicidade do referido ato, o que não se verifica nos documentos juntados aos autos. Em 14/9/06, o douto juiz da Vara da Fazenda Pública e Autarquias de Juiz de Fora proferiu decisão, fls. 280/281, dando-se por incompetente, face à EC nº 45, de 8 de dezembro de 2004, determinando o encaminhamento dos autos à Justiça Militar em Belo Horizonte.

Recebido o feito na Justiça Militar, foi aberta vista às partes para produção de outras provas, tendo somente o autor se manifestado. Em novo despacho para apresentação de memoriais, novamente somente o autor os apresentou, fls. 287/288.

Em sentença de fls. 290/297, o Douto Juiz Titular da 2ª AJME julgou

procedente a presente ação, tornando nulo o ato administrativo praticado pela Administração Pública que excluiu o autor dos quadros da PMMG, remetendo os autos à este e. TJM para o reexame necessário. Registro que deixei de abrir vista dos autos ao douto Procurador de Justiça, haja vista o caráter manifestamente patrimonial da presente demanda, que não se enquadra nas hipóteses dos art. 81 e 82, ambos do CPC, bem como a Recomendação n° 01, de 3/9/01, do Conselho Superior do MP, publicada no “Minas Gerais” de 5/9/2001.

É o relatório.

RELATÓRIO COMPLEMENTAR

A presente apelação cível entrou em pauta de julgamento na 27ª. Sessão da Câmara Cível, realizada no dia 19/7/2007, tendo o relator e revisor proferido votos após a sustentação oral do Dr. Oscar Farinha da Silva, tendo o Eminente Juiz Vogal, Dr. Décio de Carvalho Mitre, pedido vista do feito, fls. 306 e 307.

O Juiz Vogal despachou nos autos, fl. 308 pedindo dia para julgamento.

Em pauta de julgamento na 28ª Sessão da Câmara Cível, realizada no dia 30/8/07, o referido processo foi retirado de pauta e determinada a abertura de vista ao Ministério Público para manifestação, fl. 321.

O IRMP manifestou fls. 323/325, elaborando um relatório do feito e pugnando pelo conhecimento do recurso, eis que presentes os pressupostos de sua admissibilidade. Alegou que o autor demonstrou fartamente através de provas documentais e testemunhais que foi excluído da Polícia Militar de Minas Gerais de forma arbitrária.

Descartou, o parquet, a prescrição qüinqüenal face ao estatuído no artigo 198 c/c 3° do Código Civil. Quanto ao ato de exclusão, entendeu o IRMP ser nulo de pleno direito e não se convalescer pela prescrição, pleiteando, ao final, a confirmação da brilhante

decisão, ora objurgada, pelas suas bem lançadas fundamentações.

É o relatório complementar.

VOTOS

JUIZ CEL BM OSMAR DUARTE MARCELINO, RELATOR

Conheço do recurso, vez que próprio e tempestivo, conforme narrado no relatório. Trata-se de Reexame Necessário, nos autos de ação de reintegração de cargo, movido pela curadora de Itamar Imediato Passos, em desfavor do ESTADO DE MINAS GERAIS, por ter sido excluído das fileiras da PMMG/CBM em 11 de setembro de 1964, fls. 25 dos autos.

Preliminar.

A presente apelação cível entrou em pauta de julgamento na 27ª Seção da Câmara Cível, ocorrida em 19/7/07, tendo, após a leitura do relatório e da sustentação oral do advogado do autor, proferido voto este Juiz Relator e o e. Juiz Revisor. Em seguida o e. Juiz Dr. Décio de Carvalho Mitre pediu vistas dos autos, colocando-o em pauta na 28ª Sessão da Câmara Cível, ocorrida em 30/8/07. Nesta oportunidade, foi constado um equívoco, visto que o autor encontra-se interditado judicialmente e o i. Procurador de Justiça oficiante nesta corte não havia se manifestado nos autos, oportunidade em que o processo foi retirado de pauta e foi aberta vista ao IRMP.

Face ao exposto, com fulcro no art. 82, inciso I, e art. 246, parágrafo único, do Código de Processo Civil, anulo o julgamento iniciado da 27ª Sessão, devendo ser retomado a partir da leitura do relatório inicial.

Ultrapassada a questão preliminar, passo a analisar questão prejudicial de mérito alegada pelo Estado, quando da contestação inicial.

Após receber o parecer do IRMP e o Memorial do autor, destinado aos juízes desta C. Câmara, por desencargo de consciência, mais uma vez reli detidamente os presentes autos e, após uma análise mais acurada do processo, conclui que a medida mais acertada seria rever o voto anteriormente proferido, sobre a questão prejudicial de mérito argüida pelo Estado, referente à prescrição qüinqüenal.

É por demais sabido que o art. artigo 1º do Decreto nº 20.910/32, dispõe que o direito de ação movida contra a Fazenda Pública, Federal, Estadual ou Municipal, prescreve em 5 (cinco) anos. Portanto, considerando que a interdição do autor somente se deu em 15/4/2004, primeiramente cabe verificar se o mesmo, à época de sua exclusão era ou não imputável.

Antes de analisar esse aspecto, necessário se faz esclarecer que, segundo

consta da inicial, os problemas mentais do autor foram provocados por um

traumatismo craniano, acidente este ocorrido em serviço, tendo sido juntado

aos autos o ofício número 222/SAME, do Hospital Geral de Juiz de Fora, do

Ministério do Exército, informando que o autor esteve internado naquele

hospital no período de 18 a 28 de junho de 1962 para cirurgia craniana.

Compulsando os autos, não é possível constatar se o autor era ou não

imputável, visto que, à época, o mesmo não foi submetido à perícia

psicopatológica. Todavia, diversos atestados médicos acostados aos autos nos

dão conta de que, a partir de 1963, o autor passou a apresentar sérios

problemas mentais, conforme pode ser constatado pelos seguintes

documentos e médicos:

- Expediente do Ten Paulo Ferreira dos Santos, datado de 11/11/63,

comunicando ao Comandante do Corpo de Bombeiros, que o autor, “por estar

sofrendo das faculdades mentais” estava sendo encaminhado, devidamente

escoltado, e que em anexo encontrava-se o atestado médico que confirmava o

mal mencionado, fl. 39.

- Atestado médico, datado de 8/11/63, assinado pelo Dr. Manoel Lage, onde

consta: “atesto que Itamar Imediato Passos, doente mental, vem piorando e

necessita de tratamento em hospital de psicopatas”, fl. 46.

- Atestado médico, datado de 28/2/2002, assinado pelo Dr. Roberto Dimas

Costa, médico psiquiatra, atestando que o autor é portador de enfermidade

mental crônica e irreversível, manifestada após trauma crânio encefálico,

ocorrido em junho de 1962. Afirma ainda que o mesmo já foi internado diversas

vazes e que a doença tem relação com o acidente e é incapacitante, fl. 171.

- Atestado médico, datado de 27/12/1963, assinado pelo Dr. Gleyson Martins,

da Clínica Psiquiátrica Vila Serro Azul Ltda, onde atesta: “Atesto para os

devidos fins que Itamar Imediato Passos, encontra-se sob meus cuidados

psiquiátricos em regime hospitalar, sendo considerado definitivamente

incapacitado para o exercício profissional”, fl.172.

Declaração da Clínica psiquiátrica Vila Serro Azul Ltda, datada de 5/12/02, de

que o autor esteve internado naquela clínica 12 vezes, no período de 1984 a

1996, fl. 205, estando detalhadas as datas de internação e alta.

Após todas essas provas apresentadas, ficou sobejamente demonstrado que o

autor, à época de sua exclusão, sofria de transtornos mentais. Não obstante a

inexistência de laudo pericial, é de se concluir que o mesmo não tinha

condições de entender a ilicitude do crime de deserção praticado, que levou à

sua exclusão disciplinar. Portanto, uma vez não tendo o autor as mínimas condições de discernir o caráter ilícito do fato, há que se reconhecer a sua incapacidade.

Feitas essas considerações, com fundamento no art. 198, inciso I, c/c com o

art. 3º, todos do Código Civil, passo pela prejudicial de mérito argüida pelo

Estado.

Mérito.

Ultrapassada a questão prejudicial de mérito, não restam dúvidas de que o ato

administrativo punitivo deve ser anulado, visto que se encontra eivado de

nulidades.

Verificando o documento acostado à fl. 25 dos autos, não foi dado

constatar se houve ou não ato de exclusão, nem tão pouco, caso tenha havido,

se o mesmo foi publicado. Também não consta o motivo da exclusão, o que

por si só torna o referido ato nulo de pleno direito.

O que existe de concreto além do documento acima mencionado, onde o Cel

Comandante do Corpo de Bombeiros comunica ao Diretor da Caixa

Beneficente que o autor foi excluído da Polícia Militar é um despacho do

referido Comandante, datado de 11/09/64, com os seguintes dizeres: “Excluir

face artigo 33 do RDE”, fl. 36.

O Estado, intimado, não produziu provas ou mesmo alegações finais, sendo

que o autor compareceu e manifestou em todos os atos processuais

convocados, trazendo aos autos documentos e testemunhos que deixam clara

a arbitrariedade da Administração não levando em consideração os

regulamentos militares e legislação aplicável à época.

Noutro norte, após o grave acidente ocorrido com o autor, que lhe causou

traumatismo craniano, era dever da Administração ter confeccionado o

competente Atestado de Origem, para que, no futuro, caso sobreviesse alguma

seqüela, o mesmo pudesse ser amparado. Tal negligência acabou por

acarretar graves prejuízos ao autor.

Há de se considerar ainda que a Administração, em face das condições

mentais que autor apresentava, conforme atestados médicos citados, foi mais

uma vez negligente, ao não submetê-lo à perícia psicopatológica, com vistas à

sua reforma.

Numa posição cômoda e arbitrária, com a constatação da ausência prolongada o autor, a Administração limitou-se apenas a excluí-lo da Corporação, não se dignando nem mesmo a adotar as providências com vistas a formalizar sua condição de desertor.

Por sua vez, o Estado, representado pela Advocacia Geral, também nem se deu ao trabalho de apelar da decisão de primeiro grau de jurisdição, o que demonstra ter se conformado com a decisão primeva ou que a considerou justa e acertada.

Com esses fundamentos, em reexame necessário, mantenho integralmente a r. decisão proferida pelo d. Juiz de Direito do Juízo Militar, titular da 2ª AJME.

É como voto.

JUIZ FERNANDO GALVÃO DA ROCHA, REVISOR

Acompanho o voto do eminente Juiz relator.

JUIZ CEL PM RÚBIO PAULINO COELHO, CONVOCADO

Acompanho o voto do eminente Juiz relator.

Belo Horizonte, sala das sessões do Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, aos 29 de novembro de 2007.

Nota : A decisão foi proferida no Diário Oficial do Estado de Minas Gerais, no dia 06 de dezembro de 2007.

Proibida a reprodução no todo ou em parte sem citar a fonte em atendimento a lei federal que cuida dos direitos autorais no Brasil.