Inquérito Policial

CARLOS ALBERTO FERREIRA PINTO

Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá, 2006. Pós-graduado em Direito Civil, Processual Civil e Direito Empresarial pela FESUDEPERJ (Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro), 2007.

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Conceito e Natureza Jurídica – 3. Competência – 4. Características – 4.1 Escrito – 4.2 Inquisitivo 4.3 Sigiloso – 4.4 Autoritariedade – 4.5 Indisponibilidade – 4.6 Oficialidade – 4.7 Oficiosidade – 5. Valor probatório – 6. Dos Vícios – 7. Da Dispensabilidade – 8. Da Incomunicabilidade – 9. Notitia Criminis e Delatio criminis – 10. Instauração do Inquérito Policial – 11. Indiciamento – 12. Prazos para a conclusão do inquérito policial – 13. Encerramento do inquérito policial – 15. Desarquivamento do Inquérito Policial – 16. Conclusão.

1. INTRODUÇÃO

No momento em que alguém viola uma norma penal, geral e abstrata, imposta a todos, nasce para o Estado o direito de aplicar a sanção descrita no tipo violado. Porém, o Estado necessita de órgãos que sejam responsáveis pela aplicação da norma legal, apurando os fatos e suas circunstancias, e valendo-se do devido processo legal, dar garantia a todos, dos meios de defesa assegurados pelo Estado Democrático de Direito.

Surge então a chamada persecutio criminis, perseguição do crime, exercida pela polícia judiciária, por meio do inquérito policial e pelo Ministério Publico através da ação penal.

O inquérito policial é o instrumento de que se vale o Estado, através da polícia judiciária, para dar inicio a persecução penal, sendo o Ministério Público controlador das investigações realizadas.

Da remota antiguidade observa-se a existência do processo investigatório para apuração de diversos delitos, suas circunstâncias e seus autores. No Brasil, o procedimento investigatório como o nomen juris Inquérito Policial, surgiu com a reforma processual penal decorrida em 1871, pelo Decreto Regulamentar n. 4824, de 22 de novembro de 1871.

O Inquérito Policial foi mantido pelo atual Código de Processo Penal, no título II, do livro I, no seu art. 4º, pelos motivos presentes na exposição dos motivos do CPP:

[...] Foi mantido o Inquérito Policial como processo preliminar ou preparatório da ação penal, guardando as suas características atuais. O ponderado exame da realidade brasileira, que não é apenas a dos centros urbanos, senão também a dos remotos distritos das comarcas do interior, desaconselha o repúdio do sistema vigente [...]

Assim é que situado o contexto passamos ao estudo do inquérito policial e seus aspectos gerais.

2. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

O nosso Código de Processo Penal[1] não conceitua claramente o inquérito policial, o instituto encontra-se disciplinado nos arts. 4 a 23. A exposição de motivos do Código deixa de forma clara que o inquérito policial foi mantido como processo preliminar ou preparatório da ação penal. Tem ele uma função garantidora, pois a investigação tem por escopo evitar a instauração de uma persecução penal infundada por parte do Ministério Público.

Na doutrina pátria encontramos diversas conceituações de inquérito policial, dentre as quais destacamos algumas das mais importantes.

Na visão do mestre Paulo Rangel[2] inquérito policial é “um conjunto de atos praticados pela função executiva do Estado com o escopo de apurar a autoria e materialidade de uma infração penal”.

Aduz Fernando Capez[3] que “é o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo”.

No dizer de Mirabete[4] o "Inquérito policial é todo procedimento policial destinado a reunir os elementos necessários à apuração da prática de uma infração penal e de sua autoria".

Para Guilherme de Souza Nucci[5] “O inquérito policial é um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e sua autoria.”

Ainda o professor Tourinho Filho[6] entende que inquérito policial é o "conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo.”

Desta forma a doutrina é cediça no entendimento de que o inquérito policial é o procedimento administrativo informativo, com vistas à apuração da autoria e materialidade de uma infração penal, destinado a subsidiar a propositura da ação penal.

É muito comum o operador do direito confundir conceito e natureza jurídica de um instituto. A natureza jurídica vem a ser a sua localização no sistema de direito a que pertence esse instituto, é o enquadramento dentro da ordem jurídica vigente.

Sendo o inquérito policial, um ato praticado pelo Estado com vistas a apurar a pratica de uma infração penal, temos que a sua natureza jurídica é de procedimento meramente administrativo de caráter informativo, preparatório da ação penal.

3. COMPETÊNCIA

O termo competência, no inquérito policial, deve ser entendido como o poder conferido a alguém para conhecer determinados assuntos, não se confundindo com a competência jurisdicional, que é a medida concreta do Poder Jurisdicional.

O art. 4º do CPP preceitua que “A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria”. A polícia judiciária tem a finalidade de apurar as infrações penais e suas respectivas autorias, para fornecer ao titular da ação penal elementos para a sua demanda, cabe-lhe a primeira atividade repressiva do Estado. É atribuída no âmbito estadual às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira (CF, art. 144, §4º) e no âmbito federal as atividades de polícia judiciária cabem exclusivamente à polícia federal (CF, art. 144, §1º, IV).

Portanto é competência dos delegados de polícia de carreira a atribuição para presidir o inquérito policial. Essa atribuição constitucional poderá ser fixada em razão:

a) do lugar da consumação da infração penal, ratione loci, vide arts. 4º, 22, 69, I, e 70 todos do CPP;

b) em razão de sua natureza, ratione materiae, como por exemplo, em cidades onde há esta separação pela criação de Delegacias Especializadas (Roubos, Furtos de Veículos, Tóxicos, da Mulher, etc.); c) em razão dos atributos pessoais, ratione personae, tais como hierarquia funcional, agente do Ministério Publico, Juiz de Direito, Prefeito, Governador, etc.

Assim, entende Fernando Capez[7] que “salvo algumas exceções, a atribuição para presidir o inquérito policial é outorgada aos delegados de polícia de carreira (CF, art. 144, §§ 1º e 4º)”.

No mesmo sentido entende Tourinho Filho[8] que:

A competência para a realização de inquéritos policiais é distribuída a autoridades próprias, de acordo com as normas de organização policial dos Estados. Essas autoridades são normalmente Delegados ou Comissários que dirigem as Delegacias de Polícia, e, em se tratando de infrações da alçada da Justiça Comum Federal, a competência é dos Delegados de Polícia Federal, nos termos do art. 144, § 1º, da CF.

É de boa monta ressaltar que a competência para instauração do inquérito policial é normalmente da autoridade policial. Mas há casos em que não. É o que preceitua o parágrafo único do art. 4º do CPP quando determina que “A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.”

Portanto, há casos em que o inquérito policial será presidido por outras autoridades, a saber: Comissões Parlamentares de Inquérito (art. 58, § 3º, da CF/88); Crime cometido nas dependências da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal (Súmula n. 397 do STF – “O poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito”); Inquérito civil público (presidido pelo representante do MP, tem a finalidade de promover a ação civil pública, art. 129, III, da CF/88); Inquérito policial militar.

4. CARACTERÍSTICAS

O inquérito policial possui características próprias que o distingue dos demais institutos, suas particularidades são necessárias ao bom entendimento do seu real objetivo.

4.1 Escrito

O CPP exige como formalidade que as peças do inquérito policial sejam reduzidas a termo e assinadas pela autoridade policial. Não se concebe a existência de uma investigação verbal. Esta providência tem o sentido de que as autoridades acompanhem todas as investigações realizadas e documentadas nos autos. Assim preceitua do art. 9º do CPP “Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade.”

4.2 Inquisitivo

No inquérito policial o procedimento está concentrado nas mãos de uma única autoridade, que por isso, prescinde da provocação de quem quer que seja para sua atuação, podendo e devendo agir de oficio. Esse caráter inquisitivo traz consigo a impossibilidade do direito de defesa ao investigado, porque ele não está sendo acusado de nada, mas sendo objeto de uma investigação. Isso dá a autoridade policial a discricionariedade necessária de iniciar as investigações da forma que melhor entenda na condução do procedimento.

Cabe ressaltar que os únicos inquéritos que admitem o contraditório são; a) o judicial, na apuração de crimes falimentares, previsto no art. 106 da Lei de Falências; b) o instaurado pela polícia federal, a requisição do ministro da justiça, com vistas a expulsão de estrangeiro, previsto na Lei n. 6.815/80, art. 70 e neste caso o contraditório é obrigatório.

4.3 Sigiloso

É qualidade necessária ao inquérito policial, para que tenha efeito o procedimento investigativo da autoridade policial, na persecução da elucidação completa do fato, ou pelo interesse da sociedade. Tal preceito tem sua justificativa no sentido de que a divulgação, via imprensa, das diligências que venham a ser realizadas, possa frustrar o objetivo fundamental do inquérito, que é a colheita de indícios de autoria e materialidade do fato delituoso.

Em alguns casos a divulgação dos fatos pode auxiliar a polícia judiciária, como por exemplo, no surgimento de novas vítimas, ou na colaboração da população através de denúncias. Vislumbra-se aí a alegação de que o próprio interesse público motiva a divulgação dos fatos, muito embora esse procedimento não seja a regra. Ademais, a própria Constituição Federal, em seus artigos 5º, LX e 93, IX e o Código de Processo Penal, em seu artigo 792, § 1º, contemplam a possibilidade de se restringir a publicidade de alguns atos processuais.

Este sigilo não se estende ao Ministério Público (art. 5º, III, da LOMP), e nem a autoridade judiciária. O sigilo alcança inclusive o advogado, decretado o sigilo judicialmente, não poderá acompanhar a realização do procedimento investigatório (Lei n. 8.906/94, art. 7º, XIII a XV, e §1º - Estatuto da OAB), diante do princípio da inquisitoriedade que norteia o CPP no que tange a investigação.

Corrobora Paulo Rangel[9] assim prelecionando “O advogado tem o direito previsto no Estatuto da Ordem, porém somente quando a investigação está sendo conduzida sem o aludido sigilo”.

No mesmo sentido Fernando Capez[10] entende que “No caso do advogado, pode consultar os autos de inquérito, mas, caso seja decretado judicialmente o sigilo na investigação, não poderá acompanhar a realização de atos procedimentais”.

Em conformidade com este entendimento, o magistrado paulista Guilherme de Souza Nucci[11] cita em sua obra posição jurisprudencial:

Em confronto estão o direito individual de vista dos autos de procedimento inquisitorial, de um lado, e de outro, o interesse público de manter o sigilo da investigação, ante a necessidade de preservar-se a segurança do Estado e da sociedade (artigo 5º, XXXIII, da CF). Incidente o princípio da razoabilidade, o interesse de menor relevância (privado) cede em homenagem àquele que garante o interesse coletivo (público), consubstanciado este no direito estatal de perquirir sobre possíveis ilícitos de extremada repercussão social." (TRF-4ª Região, MS 2001.04.01.005057-0-PR, 7ª T., rel. Vladimir Passos de Freitas, 02.10.2001, v. u.).

O sigilo que se trata no art. 20 do CPP tem dupla finalidade. A primeira visa o resultado prático de futuras diligências por parte da autoridade competente na apuração dos fatos, e a segunda, o resguardo das garantias constitucionais do art. 5º, X, da CF., em favor do cidadão.

Assim também é o entendimento do STJ, quando no julgamento do RMS 15.167/PR, onde a eminente Minª. Eliana Calmon manifestou que o desenvolvimento das investigações em caráter sigiloso não agride o princípio do devido processo legal e da ampla defesa, como se transcreve:

Ementa: PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INQUÉRITO POLICIAL. ADVOGADO. ACESSO. NECESSIDADE DE SIGILO. JUSTIFICATIVA. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.

I - O inquérito policial, ao contrário do que ocorre com a ação penal, é procedimento meramente informativo de natureza administrativa e, como tal, não é informado pelos princípios do contraditório e da ampla defesa, tendo por objetivo exatamente verificar a existência ou não de elementos suficientes para dar início à persecução penal. Precedentes.

II - O direito do advogado a ter acesso aos autos de inquérito não é absoluto, devendo ceder diante da necessidade do sigilo da investigação, devidamente justificada na espécie (Art. 7º, § 1º, 1, da Lei nº 8.906/94).

Nesse sentido: RMS nº 12.516/PR, Rel. Min. ELIANA CALMON, j. em 20/08/2002). Recurso desprovido.

No entanto, há entendimento diverso na doutrina, o mestre Luiz Flávio Gomes[12] em artigo de doutrina, sobre o caso Paraná, assim se manifestou:

O inquérito policial, elaborado pela Polícia Judiciária para a apuração de crimes e suas respectivas autorias, diferentemente do que ocorre com o processo penal, tem caráter inquisitivo e sigiloso (CPP, art. 20). Mas esse sigilo, evidentemente, não é absoluto. Ele não vale para o juiz do caso, para o promotor que nele atua, nem para os advogados em geral. Qualquer advogado, por sinal, pode examinar os autos de um inquérito policial. É direito assegurado pelo Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94, art. 7.º, incisos XIII a XV). Aliás, para isso, nem sequer necessita, em princípio, de procuração.

Em recente julgamento o Min. Sepúlveda Pertence no HC 82.354 PR-PARANÁ, 1ª T, j. 10/08/2004, manifestou-se favoravelmente a vista dos autos do inquérito policial como se transcreve:

EMENTA: I. Habeas corpus: cabimento: cerceamento de defesa no inquérito policial. 1. O cerceamento da atuação permitida à defesa do indiciado no inquérito policial poderá refletir-se em prejuízo de sua defesa no processo e, em tese, redundar em condenação a pena privativa de liberdade ou na mensuração desta: a circunstância é bastante para admitir-se o habeas corpus a fim de fazer respeitar as prerrogativas da defesa e, indiretamente, obviar prejuízo que, do cerceamento delas, possa advir indevidamente à liberdade de locomoção do paciente. 2. Não importa que, neste caso, a impetração se dirija contra decisões que denegaram mandado de segurança requerido, com a mesma pretensão, não em favor do paciente, mas dos seus advogados constituídos: o mesmo constrangimento ao exercício da defesa pode substantivar violação à prerrogativa profissional do advogado - como tal, questionável mediante mandado de segurança - e ameaça, posto que mediata, à liberdade do indiciado - por isso legitimado a figurar como paciente no habeas corpus voltado a fazer cessar a restrição à atividade dos seus defensores. II. Inquérito policial: inoponibilidade ao advogado do indiciado do direito de vista dos autos do inquérito policial. 1. Inaplicabilidade da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa ao inquérito policial, que não é processo, porque não destinado a decidir litígio algum, ainda que na esfera administrativa; existência, não obstante, de direitos fundamentais do indiciado no curso do inquérito, entre os quais o de fazer-se assistir por advogado, o de não se incriminar e o de manter-se em silêncio. 2. Do plexo de direitos dos quais é titular o indiciado - interessado primário no procedimento administrativo do inquérito policial -, é corolário e instrumento a prerrogativa do advogado de acesso aos autos respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (L. 8.906/94, art. 7º, XIV), da qual - ao contrário do que previu em hipóteses assemelhadas - não se excluíram os inquéritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prerrogativa do defensor o eventual conflito dela com os interesses do sigilo das investigações, de modo a fazer impertinente o apelo ao princípio da proporcionalidade. 3. A oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5º, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações. 4. O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as informações já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução de diligências em curso (cf. L. 9.296, atinente às interceptações telefônicas, de possível extensão a outras diligências); dispõe, em conseqüência a autoridade policial de meios legítimos para obviar inconvenientes que o conhecimento pelo indiciado e seu defensor dos autos do inquérito policial possa acarretar à eficácia do procedimento investigatório. 5. Habeas corpus deferido para que aos advogados constituídos pelo paciente se faculte a consulta aos autos do inquérito policial, antes da data designada para a sua inquirição. Votação: Unânime. Resultado: Deferido, nos termos do voto do relator.

Com a devida venia, esta posição hoje predominante nos tribunais superiores, a nosso ver não se coaduna com os objetivos do inquérito policial, a uma porque se trata de procedimento investigatório e preparatório da ação penal, a duas porque não se tem acusado no procedimento, tão somente investigado, em conseqüência não há defesa, prescinde do contraditório. Sendo certo de que o direito do indiciado, por seu advogado, tendo por objeto as informações já introduzidas nos autos do inquérito, mesmo assim pode vir a torná-lo ineficaz.

4.4 Autoritariedade

O inquérito policial tem exigência expressa na Constituição Federal, em seu art. 144, §4º, deverá ser presidido por autoridade pública, no caso os delegados de polícia.

4.5 Indisponibilidade

A autoridade policial não pode arquivar por sua vontade o inquérito policial, tal preceito encontra assento no art. 17 do CPP.

4.6 Oficialidade

O inquérito policial é a atividade investigativa exercida por órgãos oficiais, nunca podem ficar a cargo de particulares, ainda que a titularidade da ação penal seja atribuída ao ofendido.

4.7 Oficiosidade

A atividade da policia judiciária independe de provocação. Sendo a instauração do inquérito policial obrigatória quando houver prova da materialidade de um delito, ressalvados os casos de Ação Penal Privada e Ação Penal Pública Condicionada. É uma conseqüência do princípio da legalidade da ação penal pública.

5. VALOR PROBATÓRIO

O inquérito policial tem valor probatório relativo, uma vez que as provas nele produzidas não estão sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, e nem tão pouco na presença do juiz de direito. Somente a prova pericial é que não necessitará ser reproduzida em juízo. O inquérito policial tem conteúdo informativo, visando fornecer ao Ministério Público ou ao ofendido, os elementos necessários para a propositura da ação penal.

Nesse sentido é que não poderá haver condenação exclusivamente com base no inquérito policial. Este é um suporte probatório sobre o qual se baseia o Ministério Público para a imputação penal, que deverá ser comprovado em juízo, sob pena de incidência de uma das hipóteses de absolvição previstas no art. 386 do CPP.

Assim se manifestou Paulo Rangel[13]:

Entendemos inadmissível a condenação do réu com base apenas nas provas (rectius = informações) colhidas durante a fase do inquérito policial, sem que as mesmas sejam corroboradas no curso do processo judicial, sob o crivo do contraditório, pois a “instrução” policial ocorreu sem a cooperação do indiciado e, portanto, inquisitorialmente.

Da mesma forma o Ministro Sepúlveda Pertence se manifestou no HC 83.864/DF, 1ª T, j. 20/04/2004 que se transcreve:

EMENTA: I. STF - HC - competência originária. Não pode o STF conhecer originariamente de questões suscitadas pelo impetrante e que não foram antes submetidas ao Superior Tribunal de Justiça, sob pena de supressão de instância. II. Citação por edital e revelia: L. 9.271/96: aplicação no tempo. Firme, na jurisprudência do Tribunal, que a suspensão do processo e a suspensão do curso da prescrição são incindíveis no contexto do novo art. 366 CPP (cf. L. 9.271/96), de tal modo que a impossibilidade de aplicar-se retroativamente a relativa à prescrição, por seu caráter penal, impede a aplicação imediata da outra, malgrado o seu caráter processual, aos feitos em curso quando do advento da lei nova. Precedentes. III. Contraditório e ampla defesa: nulidade da sentença condenatória fundamentada exclusivamente em elementos colhidos em inquérito policial e em procedimento administrativo. IV. Sentença: motivação: incongruência lógico-jurídica. É nula a sentença condenatória por crime consumado se a sua motivação afirma a caracterização de tentativa: a incoerência lógico-jurídica da motivação da sentença equivale à carência dela.

6. DOS VÍCIOS

Sendo o inquérito policial um procedimento administrativo, preparatório, destinado a formação da opinio delicti do titular da ação penal, as irregularidades que por ventura existirem nessa fase não acarretarão nulidades processuais. Estas não atingem a ação penal, poderão, entretanto gerar a invalidade do ato praticado.

O Promotor de Justiça Paulo Rangel[14] assevera que:

Pode haver ilegalidade nos atos praticados no curso do inquérito policial, a ponto de acarretar seu desfazimento pelo judiciário, pois os atos nele praticados estão sujeitos à disciplina dos atos administrativos em geral. Entretanto, não há que se falar em contaminação da ação penal em face de defeitos ocorridos na pratica dos atos do inquérito, pois este é peça meramente de informação e, como tal, serve de base à denúncia.

7. DA DISPENSABILIDADE

O inquérito policial, como já dissemos, é procedimento preparatório, e não fase obrigatória da persecução penal. Uma vez que o Ministério Público, ou o ofendido, já tenha indícios de autoria e materialidade suficientes para a propositura da ação penal, ou seja, a justa causa da imputação, poderá este ser dispensado. Assim se depreende da previsão dos arts. 12, 27, 39, §5º e 46, §1º todos do CPP.

Nesse sentido o Ministro Carlos Velloso no julgamento do Inq 1.957/PR, j. 11/05/2005, pleno, assim julgou:

EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. MINISTÉRIO PÚBLICO: INVESTIGAÇÃO: INQÚERITO POLICIAL. CRIME DE DISPENSA IRREGULAR DE LICITAÇÃO. LEI 8.666/93, art. 24, XIII, art. 89, art. 116. I. - A instauração de inquérito policial não é imprescindível à propositura da ação penal pública, podendo o Ministério Público valer-se de outros elementos de prova para formar sua convicção. II. - Não há impedimento para que o agente do Ministério Público efetue a colheita de determinados depoimentos, quando, tendo conhecimento fático do indício de autoria e da materialidade do crime, tiver notícia, diretamente, de algum fato que merecesse ser elucidado. III. - Convênios firmados: licitação dispensável: Lei 8.666/93, art. 24, XIII. Conduta atípica. IV. - Ação penal julgada improcedente relativamente ao crime do art. 89 da Lei 8.666/93.

8. DA INCOMUNICABILIDADE

No inquérito policial a comunicação do preso com terceiros pode vir a prejudicar a apuração dos fatos. Deve ser imposta a incomunicabilidade quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação assim o exigir. Previsão contida no art. 21 do CPP, não poderá exceder de três dias, sendo decretada por despacho fundamentado do juiz, a requerimento da autoridade policial, ou do Ministério Público, respeitadas as prerrogativas do advogado, art. 7º, III do EOAB.

A doutrina vem entendendo que a incomunicabilidade foi revogada pela Constituição Federal, que a vedou durante o estado de defesa (CF, art. 136, §3º, IV) e diante do art. 5º, LXIII, da CF. Assinalam que se não é admitida a incomunicabilidade durante um estado de exceção, por maior razão não teria cabimento diante de um inquérito policial.

9. NOTITIA CRIMINIS e DELATIO CRIMINIS

A notitia criminis é a comunicação, espontânea ou provocada, à autoridade policial, de fato tido como delito. Com base nesse conhecimento é que a autoridade dará início as investigações. Pode ser classificada em:

a) de cognição direta ou imediata: a autoridade toma conhecimento do fato delituoso por seus próprios meios (atividades rotineiras, formais, investigações, comunicação da policia administrativa) e delação anônima (noticia inqualificada).

b) de cognição indireta ou mediata: quando a autoridade toma conhecimento do fato por algum ato jurídico de comunicação (particular ou público). ex.: delatio criminis, requisição ministerial, representação do ofendido;

c) de cognição coercitiva: ocorre nos casos de flagrante delito (obs.: nos casos de ação privada ou condicionada, para lavratura do APF é necessária o requerimento ou representação do ofendido).

Sobre o instituto conceitua Guilherme de Souza Nucci[15]:

Notitia criminis é a ciência da autoridade policial de um fato criminoso, podendo ser: a) direta: quando o próprio delegado de polícia, investigando por qualquer meio, descobre o acontecimento; b) indireta: quando a vítima provoca a sua atuação, comunicando-lhe a ocorrência, bem como quando o promotor ou o juiz provocar a sua atuação.

Em relação a delatio criminis, Nucci considera esse instituto como a possibilidade que qualquer pessoa possui de levar ao conhecimento da autoridade policial o cometimento de um ilícito.

10. INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL

A instauração do inquérito policial se dá conforme o tipo de ação penal. Então vejamos os casos:

a) Na Ação Penal Privada

Na forma do art. 5º, §5º do CPP, sendo o caso de crime de ação privada, a instauração do inquérito policial pela autoridade policial depende de requerimento, verbal ou escrito, do ofendido ou de seu representante legal. Concluído o inquérito policial, os autos devem ser remetidos ao juízo competente, aguardando a iniciativa do ofendido ou de seu representante legal. Contudo deve-se observar um prazo razoável para a conclusão do inquérito e o oferecimento da queixa, haja vista o prazo decadencial do art. 38 do CPP.

De grande valor mencionar a explanação feita pelo doutrinador Fernando Capez[16] acerca do art. 35 do CPP: “Anote-se que o art. 35 do Código de Processo Penal não foi recepcionado pela Constituição de 1988, por força do seu art. 226, §5º. Assim, a mulher casada poderá requerer a instauração do inquérito policial independentemente de outorga marital”.

b) Na Ação Penal Pública Condicionada

O art. 5º, §4º do CPP estabelece que “O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado.” Portanto, a ação penal, muito embora pública, pode estar condicionada à representação da vítima ou à requisição do Ministro da Justiça.

I) Mediante representação do ofendido ou de seu representante legal

Neste caso a autoridade judiciária e o Ministério Público somente poderão requisitar a instauração do inquérito policial mediante a representação. Sendo esta simples manifestação de vontade da vítima ou de seu representante legal. O ofendido só poderá oferecer a representação se for maior de dezoito anos, se menor, a prerrogativa será de seu representante legal. Ficam desta forma revogados todos os dispositivos do CPP que tratam do representante legal para o maior de dezoito e menor de vinte e um anos, por força do Novo Código Civil em seu art. 5º que equiparou a maioridade civil a penal, salvo nos casos de doença mental.

II) Mediante requisição do Ministro da Justiça

São os casos de crimes cometidos por estrangeiro contra brasileiro, fora do Brasil; de crimes contra a honra contra o chefe de governo estrangeiro; nos crimes contra a honra do Presidente da República, e de outras hipóteses previstas na Lei de Imprensa, no Código Penal Militar. Essa requisição deverá ser encaminhada ao chefe do Ministério Público, que poderá oferecer a denuncia ou requisitar diligências à polícia.

c) Na Ação Penal Pública Incondicionada

É a regra geral, prevista no art. 5º, I, II, §§ 1º, 2º e 3º do CPP. Poderá ser:

I) De ofício:

Ao tomar conhecimento imediato de fato imputado como infração penal, a autoridade policial deverá instaurar o inquérito policial por portaria, que deverá conter o devido esclarecimento das circunstâncias do fato. Não poderá, entretanto, instaurar o inquérito policial se não houver justa causa.

II) Por despacho ordenatório

Ocorre nos casos de requisição da instauração do inquérito policial pelo representante do Ministério Público ou Juiz, quando, mediante simples despacho, a autoridade policial determina o cumprimento da requisição, ou seja, determina a instauração do inquérito policial. Nesse caso, não há necessidade de elaboração de portaria (art. 5º, II, do CPP).

Em resumo o inquérito policial pode ser instaurado por: a) portaria; b) auto de prisão em flagrante; c) representação do ofendido ou requisição da vítima; d) requisição do juiz ou do Ministério Público; ou e) requisição do Ministro da Justiça.

11. INDICIAMENTO

Indiciamento é a imputação a uma pessoa da condição de autora de um ilícito penal. A autoridade policial indicia o indivíduo quando as provas colhidas no inquérito e seus indícios apontam que aquela pessoa cometeu a infração penal. Com o indiciamento todas as investigações passam a se concentrar sobre a pessoa do indiciado.

Após o indiciamento, a autoridade policial ouvirá o indiciado. O interrogatório deverá observar as regras previstas no CPP. Ressalte-se aqui o preceito constitucional contido no art. 5º, LVIII da CF que determina: “O civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei”.

É uma norma de eficácia contida, e como tal, carece de regulamentação. Esta somente ocorreu com a Lei 10.054/00. Dessa forma, a pessoa, ao ser presa, mesmo apresentando o documento civil de identificação, será submetida à identificação criminal, na forma do art. 3º da lei, quando:

I. estiver indiciado ou acusado pela prática de homicídio doloso, crimes contra o patrimônio praticados mediante violência ou grave ameaça, crime de receptação qualificada, crimes contra a liberdade sexual ou crime de falsificação de documento público;

II. houver fundada suspeita de falsificação ou adulteração do documento de identidade;

III. o estado de conservação ou a distância temporal da expedição de documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais;

IV. constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações;

V. houver registro de extravio do documento de identidade;

VI. o indiciado ou acusado não comprovar, em quarenta e oito horas, sua identificação civil.

A Lei 9.034/95, Lei do Crime Organizado, em seu art. 5º também previa que: “A identificação criminal de pessoas envolvidas com a ação praticada por organizações criminosas será realizada independentemente da identificação civil”.

Nesse sentido a súmula 568 do Supremo Tribunal Federal estabelece que: “A identificação criminal não constitui constrangimento ilegal, ainda que o indiciado já tenha sido identificado civilmente”.

Mister esclarecer que a identificação criminal compreende a datiloscópica e a fotográfica.

12. PRAZOS PARA A CONCLUSÃO DO INQUÉRITO POLICIAL

O Código de Processo Penal prevê no seu art. 10 que o inquérito, como regra, deverá terminar no prazo de dez dias, se o indiciado estiver preso em flagrante ou preventivamente, ou no prazo de trinta dias, se o indiciado estiver solto, com ou sem fiança.

Por força de leis especiais a regra geral do art. 10 do CPP é excepcionada, tendo como parâmetro a natureza da infração, fixando assim prazos especiais para a conclusão do inquérito policial.

Na Justiça Federal o prazo é de quinze dias, quando o indiciado estiver preso, podendo ser prorrogado por mais quinze dias, a pedido, devidamente fundamentado, da autoridade policial e deferido pelo Juiz a que competir o conhecimento do processo, na forma do art. 66 da Lei n. 5.010/66, pois no âmbito federal a disciplina do inquérito é desta lei, que organiza a Justiça Federal e não do CPP.

Na Lei n. 1.521/51, crimes contra a economia popular, em seu art. 10, §1º prevê que o prazo para conclusão do inquérito é de dez dias estando o indiciado preso ou não.

No Código de Processo Penal Militar, seu art. 20, prevê que o prazo para conclusão do inquérito deverá terminar dentro em vinte dias, se o indiciado estiver preso, contado esse prazo a partir do dia em que se executar a ordem de prisão; ou no prazo de quarenta dias, quando o indiciado estiver solto, contados a partir da data em que se instaurar o inquérito. Podendo ocorrer ainda prorrogação por mais vinte dias pela autoridade militar superior, desde que não estejam concluídos exames ou perícias já iniciadas, ou haja necessidade de diligência, indispensável à elucidação do fato.

Por derradeiro, mas não exaurindo o ponto, a nova Lei de Entorpecentes, n. 11.343/06, prevê em art. 51 prazos de trinta e noventa dias, para a conclusão:

Art. 51. O inquérito policial será concluído no prazo de 30 (trinta) dias, se o indiciado estiver preso, e de 90 (noventa) dias, quando solto. Parágrafo único. Os prazos a que se refere este artigo podem ser duplicados pelo juiz, ouvido o Ministério Público, mediante pedido justificado da autoridade de polícia judiciária.

13. ENCERRAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL

Com o término das investigações, a autoridade policial deverá fazer minucioso relatório de tudo que tiver sido apurado no inquérito policial. Contudo não poderá a autoridade policial exercer opiniões e juízo de valores, devendo ainda informar as testemunhas e diligências que não foram realizadas.

Entende Mirabete[17] que “não cabe à autoridade na sua exposição, emitir qualquer juízo de valor, expender opiniões ou julgamento, mas apenas prestar todas as informações colhidas durante as investigações e as diligências realizadas.”

Encerrando o inquérito e feito o relatório, os autos serão remetidos ao juiz competente, acompanhados de todos os instrumentos e objetos que interessarem à prova. Deverá ainda a autoridade policial oficiar o Instituto de Identificação e Estatística, mencionando o juízo ao qual foi distribuído o inquérito, e os dados relativos à infração penal e à pessoa do indiciado, como prevê o art. 23 do CPP. Do juízo, os autos serão remetidos ao Ministério Público para que adote as medidas cabíveis.

14. ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL

Vimos ao longo do artigo que o inquérito policial tem encerramento com o relatório da autoridade policial, que descreverá todos os fatos ocorridos e será remetido ao juízo competente.

Mas isso não quer dizer verdadeiramente que o inquérito policial se encerrou. Pode ocorrer que o Promotor de Justiça ao examinar o inquérito conclua pela necessidade de mais elementos de convicção, e requeira o retorno do mesmo as mãos da autoridade policial para novas diligências.

Arquivar significa recolher, guardar, depositar em arquivo. O arquivamento do inquérito policial é o encerramento das investigações policiais, marcando o término da atividade administrativa do estado de persecução penal.

Este se dá no entender de Paulo Rangel[18] porque “há casos de se verificar que, não obstante ter sido instaurado o inquérito policial, o fato evidentemente não constitui crime; ou já está extinta a punibilidade; ou, ainda, ausente uma condição exigida por lei pra o regular exercício do direito de agir”.

O arquivamento não pode ser feito pela autoridade policial, haja vista a previsão do art. 17 do CPP: “A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito”, em decorrência do princípio da indisponibilidade do conteúdo das informações contidas no inquérito. No caso de falta de justa causa a autoridade policial pode e deve deixar de instaurar o inquérito, este só pode ser arquivado pela autoridade judicial.

No entender de Fernando Capez[19] “o arquivamento só se dá mediante decisão judicial, provocada pelo Ministério Público, e de forma fundamentada, em face do princípio da obrigatoriedade da ação penal”. Essa medida é exclusiva do Ministério Público, pois este é o “dominus litis”, ou seja, o senhor da ação.

O juiz não poderá determinar o arquivamento do inquérito policial, sem a prévia manifestação do Ministério Público, na forma do art. 129, I da CF, não atendendo a previsão estará sujeito a correição parcial.

O magistrado por sua vez não está obrigado a acatar o pedido de arquivamento feito pelo membro do parquet, discordando do pedido deverá remetê-lo ao Procurador Geral de Justiça, para que este adote a posição de oferecer a denúncia, ou designar outro órgão do Ministério Público para fazê-lo, ou insistir no arquivamento, quando aí sim estará o juiz obrigado a atender o pedido de arquivamento, como determina o art. 28 do CPP.

É de boa monta comentarmos o que na doutrina convencionou chamar de Arquivamento Implícito. Nas palavras de Paulo Rangel[20] a definição, com maestria, é dita: “o arquivamento implícito ocorre sempre que há inércia do promotor de justiça e do juiz, que não exerceu a fiscalização sobre o princípio da obrigatoriedade da ação penal”.

O que ocorre, é que o Ministério Público ao invés de pedir o arquivamento do inquérito policial, oferece a denúncia em face de um dos indiciados, esquecendo-se de outro(s) que figuram no inquérito. Ou ainda, ao proceder a imputação ao indiciado da pratica de um fato típico, não o faz com relação a outro(s) fato(s) também apurado(s) no inquérito policial.

Se da mesma forma o juiz não observar tal deslize e remeter o feito ao Procurador Geral de Justiça, terá ocorrido o arquivamento implícito.

O arquivamento de inquérito policial tem como principal característica a res non judicata, isto é, não faz coisa julgada, o que significa dizer que, a qualquer tempo poderá ser revisto, contanto que, não tenha ocorrido nenhuma excludente de punibilidade de que alude o art. 107 do Código Penal, com a nova redação que lhe emprestou a Lei n. 7.209/84.

15. DESARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL

Como foi visto o arquivamento é o encerramento das investigações policiais por falta de base na denúncia, na forma do art. 18 do CPP, e também que a decisão de arquivamento não faz coisa julgada.

O Código de Processo Penal não disciplina de forma absolutamente clara o desarquivamento do inquérito policial, apenas faz referência no art. 18 do CPP, nem sequer informando a legitimidade para tal fato.

O desarquivamento do inquérito policial se dá por força do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, com a finalidade de que os delitos não fiquem impunes.

É atribuição do Ministério Público, nas palavras do ilustre doutrinador Paulo Rangel[21] que assim preleciona: “Cabe ao Ministério Publico, através do Procurador Geral de Justiça (no Estado do Rio de Janeiro), desarquivar autos de inquérito (cf. art. 39, XV da Lei Complementar n. 106, de 03 de janeiro de 2003).”

Essa atribuição decorre da previsão do art. 18 do CPP que determina que a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia. A hipótese é de desarquivamento para procurar as provas de que se teve notícia, a fim de que, uma vez produzidas, estas sirvam de base a eventual denúncia.

Com relação à súmula 524 do STF que determina: “Arquivado o inquérito policial por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas”, neste caso, as “novas provas” dão ensejo a propositura de ação penal e não de desarquivamento do inquérito, uma vez que se o membro do parquet tem elementos de convicção suficientes, pode dar início da ação penal, prescindindo do inquérito policial.

16. CONCLUSÃO

Muito embora o texto legal determine que o inquérito policial seja dispensável, na hipótese do Ministério Público, titular da ação penal, possuir indícios suficientes de autoria e materialidade da infração penal cometida, esta certamente é a minoria dos casos que se apresentam a sociedade.

Na maioria dos casos o inquérito policial é a fonte de investigação que dá suporte ao titular da ação penal para promovê-la, fundamental para que se desenvolva a pretensão punitiva do Estado face ao agente que comete a infração penal.

Restringir seu desenvolvimento pode significar o engessamento da pretensão punitiva.

O presente artigo não tem a pretensão de esgotar o tema, mas de certo será de grande valor no estudo acadêmico e no aprofundamento profissional.

NOTAS

[1] BRASIL, Código de Processo Penal. Organizador Luiz Flávio Gomes. 6 ed. São Paulo: RT, 2004.

[2] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2003, p.68.

[3] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 66.

[4] MIRABETE, Júlio Fabrini. Processo Penal. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 78.

[5] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 3ª ed. São Paulo: RT, 2004, p. 67.

[6] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 21ª. ed. São Paulo : Saraiva, 1999, p. 197.

[7] CAPEZ, Fernando. op. cit. p. 67.

[8] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 200.

[9] RANGEL, Paulo. op. cit. p.92.

[10] CAPEZ, Fernando. op. cit. p. 71.

[11] NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit. p. 110.

[12] GOMES, Luiz Flávio. Advogado pode examinar qualquer inquérito policial. Disponível em http://www.consep.org.br/noticia_conteudo_poderes.asp?Codigo=99. Acesso em 15/11/2007.

[13] RANGEL, Paulo. op. cit. p.74.

[14] RANGEL, Paulo. op. cit. p.87.

[15] NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit. p. 81.

[16] CAPEZ, Fernando. Curso op. cit. p. 79.

[17] MIRABETE, Júlio Fabrini. op. cit. p. 88.

[18] RANGEL, Paulo. op. cit. p.181.

[19] CAPEZ, Fernando. op. cit. p. 92.

[20] RANGEL, Paulo. op. cit. p.189.

[21] RANGEL, Paulo. op. cit. p.194.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, Código de Processo Penal. Organizador Luiz Flávio Gomes. 6 ed. São Paulo: RT, 2004.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

GOMES, Luiz Flávio. Advogado pode examinar qualquer inquérito policial. Disponível em http://www.consep.org.br/noticia_conteudo_poderes.asp?Codigo=99. Acesso em 15/11/2007.

MIRABETE, Júlio Fabrini. Processo Penal, 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 3ª ed. São Paulo: RT, 2004.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2003.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 21ª. ed. São Paulo : Saraiva, 1999.

Referência Bibliográfica:

PINTO, Carlos Alberto Ferreira. Inquérito Policial. Recanto das Letras. São Paulo, 20 Nov. 2007. Disponível em:<http://www.recantodasletras.com.br/textosjuridicos/745383>. Acesso em: (data).