Defeitos dos negócios jurídicos em face do Código Civil de 2002

É a lesão que transformou o famoso “negócio da China” em negócio jurídico anulável.

Ocorrem defeitos do negócio jurídico quando surgem imperfeições decorrentes de anomalias na formação da vontade ou em sua declaração. Deixando claro que nosso direito pátrio prestigia com maior vigor a intenção das partes do que exatamente a declaração da vontade destas, ou seja, a linguagem com qual está vestida.

Há seis defeitos do negócio jurídico e que o torna anulável, a saber: o erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores.

É curial observar o prazo decadencial de 4 (quatro) anos para se anular o negócio jurídico defeituoso conforme expõe o art. 178 do C.C.

Não se confunde vício de consentimento com vício social. A vontade viciada sempre acarreta o negócio anulável. O vício de consentimento impede que a vontade seja livre, espontânea e de boa fé, o que fatalmente prejudica a validade do negócio jurídico. Para a vontade ser jurígena (gerar os efeitos jurídicos desejados) é imprescindível que seja livremente manifestada, de forma espontânea e de boa fé.

Por outro lado, o vício social contém a vontade manifestada que não tem realidade, a intenção pura e de boa fé que enuncia. De fato, para a sociedade, a vontade tem aparência enquanto que para as partes, notadamente àquela que age com má fé, a mesma vontade ganha outro significado. Entre os vícios sociais temos a simulação (que causa a nulidade do negócio jurídico) e a fraude contra credores.

No defeito social, assevera Ulhoa há uma intenção subsidiária. O mesmo doutrinador propõe distinguirmos os defeitos internos do consentimento onde a vontade não se constrange como nos casos de erro e da lesão. Dos defeitos externos que, na maioria das vezes, a vontade é constrangida por ato de pessoa plenamente identificável. São três os defeitos externos do consentimento: o dolo, a coação e o estado de perigo.

O erro é a falsa representação da realidade, o sujeito engana-se sozinho. Já a ignorância é o completo desconhecimento da realidade, embora tanto o erro como a ignorância acarrete efeitos iguais, quais sejam, a anulabilidade do negócio jurídico, não obstante possuírem conceitos distintos.

Não é qualquer erro que é capaz de anular o negócio jurídico, há de ser erro substancial ou essencial e escusável conforme prevê o art. 139 do C.C.

O erro substancial abraiga umas sub-espécies tais como: o error in negotio (incidente sobre a natureza do negócio); o error in corpore( no objeto principal do negócio); o error in substantia or in qualitate; o error in persona (na pessoa) e, por fim, o error iuris .

O erro de direito (error iuris) é o falso conhecimento, ignorância ou interpretação errônea da norma jurídica aplicável ao negócio jurídico. Ocorre quando o agente emite a declaração de vontade no pressuposto falso de que procede de acordo com o preceito legal. O erro de direito era admitido como substancial quando fosse o motivo principal do negócio jurídico e não houvesse a intenção, por parte doa gente, de descumprir a lei.

O art. 3º da LICC diz que a alegação de ignorância da lei não é admitida quando apresentada como justificativa para seu descumprimento. Significa dizer, ao revés, que pode ser argüida se não houver tal nefasto propósito.

Além de ser essencial e escusável conforme o padrão do homo medius, e o caso concreto, há ainda de ser efetivo e real, sendo a causa do negócio jurídico.

Há a possibilidade de convalescimento do erro conforme se prevê o art. 144 do C.C. em razão do princípio da conservação dos atos e negócios jurídicos (pás de nullité sans grief) e ainda pelo princípio da segurança jurídica.

Às vezes o erro surge devido ao meio de comunicação empregado para a transmissão de vontade negocial, assim diante de mensagem truncada, há o vício e, ipso facto, a possibilidade de anulação do negócio jurídico.

Outras vezes o erro decorre de culpa in eligendo ou in vigilando de quem escolhe o mensageiro para levar a declaração de vontade. Não raro encontram-se discrepâncias graves entre a declaração de vontade emitida e a vontade finalmente comunicada.

O segundo defeito do negócio jurídico é o dolo que é cometido, por exemplo, por quem induz alguém a erro. O dolo é definido como ardil, artifício ou expediente usado para induzir alguém à prática de um ato que o prejudica e aproveita o autor do dolo ou a terceiro. Na verdade, o dolo é causa do vício da vontade.

O dolo no âmbito civil não se confunde com aquele previsto no âmbito penal ( art. 18, I do CP onde agente atua com a vontade predestinada a causar o delito ou assumiu o risco de produzi-lo.

A grande maioria das ações anulatórias em geral é mesmo com base no dolo em face da grande dificuldade de se provar processualmente o erro. O dolo anulador do negócio jurídico é sempre o dolo principal, é o dolo malus. Porque o dolus bonus é moderadamente aceitável, embora o CDC condene explicitamente a propaganda enganosa.

Registre-se que o dolus pode ser comissivo ou omissivo (chamado de dolo negativo), pois fere frontalmente o princípio da boa fé objetiva presente tanto no C.C. como no CDC.

É possível ainda, o dolo de terceiro (art. 148 C.C.) como o do representante (art. 149 C.C.). Porém, o dolo bilateral (art. 150 C.C.) pode não gerar a anulabilidade do negócio jurídico, pois prevalece o princípio de que ninguém poder valer-se da própria torpeza para auferir vantagens.

O terceiro defeito é a coação que representa toda ameaça ou pressão exercida sobre a pessoa para obrigá-la, contra sua vontade, a praticar ato ou realizar negócio jurídico. Há a coação física (vis absoluta) e a coação psicológica (vis compulsiva) que diferem não só pelo meio empregado, mas sobretudo, por seus efeitos.

Vejamos que a coação é o mais grave dos defeitos dos negócios jurídicos e especialmente na coação física temos na verdade a inexistência do negócio jurídico, pois não há manifestação de vontade livre, espontânea e de boa fé. Não há vontade jurígena.

Já na coação psicológica há a manifestação de vontade, embora não corresponda à intenção real do coacto, o que certamente redunda num negócio anulável.

Exigem-se certos requisitos para tipificação da coação (art. 153 do C.C.) e para ser considerada como defeito: deve ser determinante do negócio; deve ser grave e injusta; deve dizer respeito ao dano atual ou iminente e deve ameaçar a pessoa, bens da vítima ou pessoas de sua família (essa tomada na acepção alto sensu , art. 151 C.C.).

É possível que a coação seja exercida por terceiro sem que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento, mas nessa hipótese prevista no art. 155 do C.C., o negócio subsistirá não sendo anulado. Não se considera coação a simples ameaça , o exercício normal de direito e nem temor reverencial.

Estado de perigo é uma inovação trazida pelo Código Civil de 2002 juntamente com a lesão, embora já fossem defeitos dos negócios jurídicos conhecidos tanto pela doutrina como pela jurisprudência.

Enquanto na coação a violência decorre de pessoa interessada na prática do negócio jurídico, no estado de perigo a violência decorre das circunstâncias de fato, que exercem forte influência na manifestação de vontade do agente.

O estado de perigo é espécie de estado de necessidade e constitui uma situação de extrema necessidade que conduz a pessoa a celebrar negócio jurídico que assume obrigação desproporcional e excessiva.

Os exemplos clássicos temos o náufrago que promete pagar uma fortuna a quem lhe salvar de afogamento, ou ainda, dentro da famosa literatura inglesa em Shakespeare quando Ricardo III brada aos berros: “Meu reino por um cavalo!”.

No estado de perigo a pessoa é compelida a efetivar depósito ou prestar garantia (caução) sob forma de emissão de cheques ou notas promissórias (ou outros títulos cambiais) para, por exemplo, prover atendimento clínico-hospitalar emergencial ou ainda para obter internação de paciente que corre grave perigo de vida.

Nem sempre a extrema necessidade produz negócios anuláveis, pois temos outros exemplos como a passagem forçada, a gestão de negócios, o casamento nuncupativo, o depósito necessário (do hóspede de sua bagagem nos hotéis) e o pedido de alimentos.

Mas, se essa extrema necessidade é conduzida por outrem, para provocar a chamada usura real, temos aí, outro tipo de defeito de negócio jurídico, a lesão.

A lesão pode decorrer também da inexperiência do declarante e, se caracteriza pelo desequilíbrio das prestações assumidas pelas partes.

Admite a lesão, a bem do princípio da conservação dos negócios jurídicos a suplementação da contraprestação, tornando assim sanado o vício do consentimento.

O estado de perigo é previsto no art. 156 do C.C. e o dano não precisa ser inevitável para sua caracterização. Para haver os efeitos anulatórios do estado de perigo é necessário conhecimento da outra parte contratante das circunstâncias sofridas pelo declarante da vontade negocial.

Para Flávio Tarturce o estado de perigo é forma especial de coação, pois o negociante temeroso de sofrer grave dano acaba por celebrar negócio jurídico mediante prestação exorbitante. Assim, a venda celebrada e motivada pelo desespero da pessoa que quer, por exemplo, salvar o filho, é negócio jurídico anulável.

A lesão é prevista no art. 157 e, possui espécies como a lesão enorme (superior a metade do valor da coisa) e a lesão enormíssima (de origem canônica que corresponde a superior a 2/3 do valor da coisa). Além da desproporção das prestações assumidas, vale-se o sujeito da inexperiência ou da premente necessidade do outro.

É a lesão que transformou o famoso “negócio da China” em negócio jurídico anulável.

Aliás, é possível que ao revés de anulação negocial, se obtenha uma revisão contratual. Embora que a lesão ela se caracteriza por ser contemporânea ao momento da celebração do negócio jurídico comutativo, enquanto que a revisão contratual pressupõe onerosidade excessiva percebida no momento da execução do contrato.

A consagração do instituto da lesão dentro da sistemática privada deve-se pelos princípios da boa fé objetiva e do equilíbrio econômico das prestações e, mitiga o princípio da força obrigatória dos contratos.

A autonomia privada constitui-se em princípio para a promoção dos valores sociais segundo a ordem pública constitucional, sendo assim não se pode dar guarida a contraprestações injustas, portanto, a lesão está subjacente à idéia de justiça contratual.

A fraude contra credores é vício social e corresponde a todo ato suscetível de diminuir ou onerar seu patrimônio, reduzindo ou eliminando a garantia que este representa para o pagamento de suas dívidas, é praticada pelo devedor insolvente ou por este ato reduzido à insolvência.

Há dois elementos característicos: eventus damni (a insolvência) e o consilium fraudis (conluio fraudulento).Podemos ao analisar certo contrato presumi-lo como fraudulento, por exemplo, se este ocorre na clandestinidade, se há continuação da possa de bens alienados pelo devedor; se há falta de causa do negócio; se há parentesco ou afinidade entre o devedor e o terceiro; se ocorre a negociação a preço vil; e pela alienação de todos os bens.

A ação que pode socorrer os credores em caso de fraude é a ação pauliana ou revocatória e, pode incidir não só nas alienações onerosas, mas igualmente nas gratuitas ( doações). Há o ônus de se provar o consilium fraudis e eventus damni (art. 158 do C.C.).

Há a tipificação de fraudes aos credores também quando ocorre a remissão de dívidas (perdão) ou a concessão fraudulenta de garantias tais como penhor, hipoteca e anticrese.

(art. 1563 do C.C.) ou pagamento antecipado de dívidas

Somente nas alienações onerosas se exige provar o consilium fraudis ou a má fé do terceiro adquirente.

A ação pauliana visa prevenir a lesão aos direitos dos credores, e acarreta anulação do negócio. Embora maior parte da doutrina defenda que ocorra ineficácia relativa do negócio se demonstrada a fraude ao credor, então a sentença declara a ineficácia doa to fraudatório perante o credor, permanecendo o negócio válido entre os contratantes.

No entanto, na opinião do grande processualista Cândido Rangel Dinamarco, tal sentença tem cunho constitutivo negativo e decreta ineficácia superveniente.

É curial esclarecer que a ação pauliana não é ação real, nem quando referir-se aos bens imóveis; trata-se de ação pessoal, pois visa anular o negócio fraudulento restaurando o status quo ante do patrimônio do devedor.

Não se pode confundir de modus in rebus a fraude aos credores com fraude à execução. Posto que essa última, é instituto do direito processual, pressupõe a demanda em andamento e devedor devidamente citado, também por ter requisitos o eventual consilium fraudis e o prejuízo do credor.

A fraude à execução independe de ação revocatória e, apenas é aproveitada pelo credor exeqüente. E, por fim, acarreta a nulidade absoluta onde a má fé é presumida ( in re ipsa). Ao passo que a fraude aos credores acarreta a nulidade relativa do negócio jurídico e, é aproveitada indistintamente por todos credores.

Apesar da controvérsia, prevaleceu no STJ o entendimento que não é possível a discussão de fraude aos credores em sede de embargos de terceiro, sendo necessário, portanto, o ajuizamento da competente ação pauliana ( Súmula 195 do STJ de 1997).

O presente artigo pretende tão-somente dar uma visão global e didática sobre o tema sem jamais ter a intenção de esgotá-lo

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 10/11/2007
Código do texto: T731774
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