Das nulidades processuais

Os atos processuais obedecem a certa forma predeterminada na lei, de modo que, se o ato processual for praticado em desobediência a essa forma haverá nulidade.

A validade é o oposto de nulidade, para ser existente no mundo jurídico, deve preencher determinados requisitos básicos. Existente o ato, verificar-se-á se este é válido, e assim sendo, será eficaz, ou seja, capaz de produzir seus efeitos no mundo jurídico.

Portanto há três planos a se estudar: o da existência, o da validade e o da eficácia.

Excepcionalmente, pode o ato processual válido, apesar de praticado em cumprimento e observância com modelo legal previsto, ainda assim não produzirá efeitos, sendo, portanto, ineficaz. É o caso da sentença proferida em juízo de primeiro grau e atacada pelo recurso de apelação que tenha efeito suspensivo.

Também é possível o contrário, ou seja, excepcionalmente um ato processual nulo pode vir gerar efeitos posto que no direito processual, diversamente do direito material, o ato mesmo que absolutamente nulo pode gerar efeitos, até que seja declarado como tal.

Confirma-se então que o ato processual deve preencher três planos distintos: o da existência, o da validade e o da eficácia.

Existem várias teses doutrinárias que buscam analisar e classificar as nulidades. Todas essas teses possuem em comum o fato de defenderem que o vício processual considerado o mais grave de todos é a inexistência jurídica.

A primeira tese pode ser chamada de teoria clássica, e é defendida por Galeno Lacerda e Egas Moniz de Aragão. O que caracteriza o sistema das nulidades processuais é que estas se distinguem em razão de natureza da norma violada, em seu aspecto teológico.

Se na norma processual prevalece o interesse público, a violação provoca a nulidade absoluta, sendo insanável o ato. O vício dessa natureza deve ser declarado de ofício pelo juiz e qualquer das partes o pode invocar.

Se a norma violada for de interesse da parte, o vício do ato é sanável. Surgem as figuras da nulidade relativa e da anulabilidade, cujos conceitos são distintos.

A saber, se a norma violada for cogente haverá a nulidade relativa, porém se for dispositiva haverá anulabilidade.

Diante da nulidade relativa o juiz pode proceder de ofício, ordenando o saneamento pela repetição ou ratificação do ato, ou pelo suprimento da omissão; enquanto que na anulabilidade o saneamento depende de requerimento do interessado.

Segundo Egas Moniz de Aragão existem cinco espécies de nulidade: enumeradas da mais grave nulidade para a de menor gravidade. A inexistência, a nulidade absoluta, a nulidade relativa, a anulabilidade e a mera irregularidade.

As irregularidades são vícios de mínima importância, são infrações que em nada compromete o interesse da parte e tampouco o interesse público.

Entre as nulidades absolutas temos: a violação do critério de competência funcional; a falta da intervenção necessária do MP na função de custos legis.

Como exemplo de nulidade relativa temos, o despacho que ordena a penhora de bens impenhoráveis sendo que a violação do critério territorial da competência seria caso de anulabilidade.

A segunda tese também chamada de teoria moderna que conta com apoio de Humberto Theodoro Junior e Fábio Gomes. Por essa tese, não há distinção entre nulidade relativa e anulabilidade, a irregularidade que seria apenas vício irrelevante, de modo que os vícios dos atos processuais podem ser agrupados em apenas três espécies, quais sejam: inexistência jurídica, nulidade absoluta e a relativa.

É característica peculiar da nulidade absoluta é a possibilidade do juiz pronunciá-la de ofício pelo magistrado, ao passo que em face da nulidade relativa depende-se da provocação da parte.

Outro divisor de águas no terreno das nulidades, é que a nulidade absoluta é insanável, daí poder ser argüida a qualquer tempo. Já para a nulidade relativa esta pode ser sanada, se o ato processual alcançou os seus objetivos sem que ninguém fosse prejudicado.

Há um fato relevante, o fato da nulidade absoluta ser insanável ser a regra, e não a exceção.

A terceira tese capitaneada por Teresa Arruda Alvim Wambier, Nelson Nery Jr., Rosa Maria Andrade Nery, onde se enxergam no processo dois tipos possíveis de vícios: os formais (ou de rito) e os de fundo.

As nulidades formais podem ser absolutas ou relativas, sendo que só serão absolutas se expressamente previstas em lei, enquanto que as nulidades de fundo, são vícios ligados às condições de ação, aos pressupostos processuais positivos de existência e de validade e, ainda, os pressupostos processuais negativos, e serão sempre nulidades absolutas.

O mais grave dos vícios é o da inexistência jurídica. Aqui o ato é apenas aparentemente praticado, não chega a ter vida no mundo jurídico, apenas existe no mundo dos fatos, mas juridicamente não.

Ovídio Baptista da Silva, não adere porém à essa tese, posto que é difícil admitir dada função preponderantemente instrumental da teoria das nulidades, a categoria dos atos inexistentes em processo civil.

Posto que o ato inexistente é um não-ato e, não um ato processual viciado. Aponta o ilustre doutrinador mineiro o parágrafo único do art. 37 do CPC eu é o atestado da fragilidade da terceira tese de nulidades, vez que o ato praticado por advogado sem procuração seria considerado inexistente se não fosse ratificado, e um ato que não existe pode ser ratificado.

Um ato processual pode ser qualificado como juridicamente inexistente, na verdade é um vício tão grave que o ato sequer chega a existir no mundo jurídico.

Desse vício, o ato processual não convalesce jamais, não havendo prazo para que seja declarado inexistente.

Como exemplo de ato inexistente, citamos a sentença proferida por juiz já aposentado como ato processual juridicamente inexistente. Não poderá tramitar em julgado, tornar-se imutável, não incidirá a coisa julgada.

Também a falta de citação, onde o processual de comunicação não existe, mas o processo sim. Se o réu não foi citado, e nem compareceu espontaneamente para se defender, tivemos um processo desprovido de contraditório, a bem da verdade, nem mesmo tivemos tecnicamente um processo.

O réu não assumiu sequer a posição de demandado, nem mesmo o decurso do tempo não faz existir um processo onde não houve um.

Pendente a dúvida sobre a existência ou não do processo, aquele que teria sido o réu, poderá ajuizar uma ação declaratória de inexistência, também denominada de querella nulitatis (que não possui prazo hábil para sua propositura e, cuja procedência do pedido pode sepultar todas as dúvidas acerca da inexistência da sentença).

Não é exatamente a falta do ato citatório que aduz a inexistência do processo e, sim, o fato de inexistir o contraditório.

É possível instaurar-se o contraditório embora não tenha havido a citação regular do demandado, quando, por exemplo, o réu comparece espontaneamente para se defender (§ 1º do art. 214 do CPC).

Observe que a citação é ato suprível.

Mas sublinhe-se que a citação é essencial para completar a relação jurídica processual. Assim a inexistência jurídica se justifica pela ausência do contraditório seja porque o réu não foi citado, seja porque essa ciência ocorreu de forma errônea de maneira que a defesa fora prejudicada, comprovada por seu não comparecimento.

É vigoroso concluir com apoio de Teresa Arruda Wambier que a citação nula somada à revelia, esta deixa de ser nula, para tornar-se inexistente.

O STJ também entende que a falta de citação provoca a inexistência jurídica do processo, embora não dê essa terminologia, preferindo chamar de inexistência jurídica de nulidade pleno iure.

Saliente-se que nesse caso não se trata de nulidade absoluta ou de nulidade relativa que deve ser apreciada de ofício.

Nesse mesmo caso, inclui-se também a falta de citação de litisconsorte necessário, assim a relação jurídica processual só se aperfeiçoa diante da citação de todos os respectivos demandados.

Na investigação de paternidade post mortem deve ocorrer a citação de todos os herdeiros do falecido indigitado pai, em litisconsórcio necessário, porém, a não citação de apenas um dos herdeiros, macula todo o processo com o vício insanável da inexistência jurídica.

Se fosse o vício da nulidade absoluta, a coisa julgada material em caso de procedência do pedido investigatório de paternidade irá se formar, e após dois anos seria inexpugnável, ou seja, impossível rescindi-la.

Portanto, todo o processo é contaminado fatalmente com o vício da inexistência devendo ser reiniciado com a citação daquele herdeiro que não fora devidamente citado.

Desta forma, o caput do art. 47 do CPC tem redação no mínimo equivocada, pois dispõe que a eficácia da sentença depende da citação de todos (grifo meu) litisconsortes no processo.

Assim, nesse caso, a sentença seria válida, porém ineficaz. Mas, em verdade, a sentença é de fato inexistente, e, daí ser justificadamente ineficaz.

É necessário saber sobre alguns princípios importantes para se entender sobre o sistema das nulidades processuais.

O primeiro destes, é o princípio da causalidade ou conseqüencialidade estampado no art. 243 do CPC onde se depreende que quem causou a nulidade, não poderá alegá-la, ressalve-se a nulidade absoluta e a inexistência jurídica, tendo em vista a imperiosa defesa do interesse público.

No art. 244 do CPC segundo se concluiu no IX Congresso Mundial de Direito Processual, há a mais bela regra do direito processual que se traduz no princípio da instrumentalidade do processo ao dispor que a lei quando prescrever certa forma para um ato, sem a cominação e nulidade, o juiz considerará válido desde que se atinja sua finalidade.

Parte da doutrina tenta limitar o espectro desse notável princípio, desde que não ofenda o interesse público, porém tal entendimento contraria as recentes práticas dos tribunais pátrios.

Mesmo ato absolutamente nulo pode ser considerado válido, se logrou atingir sua finalidade, pois haveria prejuízo maior ao interesse público, se o ato fosse anulado, em vez de convalidado.

A regra geral de que o ato absolutamente nulo não pode ser sanado e nem pode ser eficaz em razão da violação do interesse público comporta exceções já ventiladas por tribunais e, particularmente o STJ.

É curial traçarmos uma boa releitura sobre o sistema de nulidades processuais em virtude de ser o processo um instrumento, um método de acesso à justiça capaz de promover a atuação do direito material no caso concreto.

O juiz deve desapegar-se do formalismo rígido, procurando afinal atingir a finalidade social do processo.

Um claro exemplo dessa conduta está em considerar a nulidade absoluta por falta de citação do MP para atuar na qualidade de custos legis (art. 246 do CPC) e nos casos do art. 83 do CPC, típicos de nulidade absoluta.

Que, no entanto, pode ser suprida pela intervenção da Procuradoria de Justiça perante o colegiado de segundo grau, em parecer cuidando da matéria da causa, sem argüir prejuízo e nem alegar nulidade. (RESP 2903- MA – Relator Min. Athos Gusmão Carneiro, DJ 10/06/91).

Não basta, no entanto que o ato processual tenha galgado sua finalidade, é essencial que não tenha causado prejuízo às partes. (4ª. T. RESP 238 573-SE, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 09/10/2000).

O princípio do prejuízo espelhado no § 1ºdo art. 249 do CPC decorrente do direito francês da regra pas de nullité sans grief (favorável a banir as nulidades não essenciais).

Também não se tem aplicado nos casos de nulidade absoluta, posto que o bem jurídico afetado é indisponível à parte, há o interesse público.

Todavia, o STF já aplicou o princípio do prejuízo em uma hipótese de nulidade absoluta (falta de intimação do MP nos casos em que é obrigatória)

Vide ainda art. 245, parágrafo único e art. 249 § 2º do CPC.

Também entendeu por sanável o STF diante do vício da falta de citação que provoca a inexistência do processo, se não houve prejuízo do contraditório. (4ª. T. REsp 332 650 RJ, Relator Min. Barros Monteiro em 09/04/2002).

Importante igualmente é o princípio da preclusão (art. 245 do CPC) que orienta que a nulidade seja alegada na primeira oportunidade que couber a parte se manifestar, sob pena de não mais se poder alegar o vício.

Em seguida, no parágrafo único do art. 245 do CPC ressalva que não vige a preclusão para a nulidade absoluta e inexistência jurídica que por sua intensa gravidade devem ser apontados de ofício pelo juiz.

Outro fator relevante é que a nulidade declarada pelo juiz deve ser contingenciada, assim deverá o magistrado apontar exatamente quais atos foram fulminados, ordenando providências necessárias para que sejam esses repetidos ou retificados (conforme caput do art. 249 do CPC).

Os limites da nulidade hão de ser precisos e fixados, preservando-se os atos anteriores, caso não tenham causado prejuízo ao réu.

Em regra, anulado o ato, também se reputam os atos subseqüentes e que dele dependiam. Porém, não prejudicará a nulidade outros atos, se dele era independente.

Fecha o sistema de nulidades, o § 2º do art. 249 do CPC se a demanda pode ser decidida em favor daquele a quem beneficiaria a argüição de nulidade, é pois inexiste interesse , pois inexiste nulidade sem prejuízo.

Para o STJ a política de nulidades do CPC objetiva a sanação dos atos não prejudiciais aos fins da justiça de processo, repudiando a idolatria extremada e insana ao formalismo. (1ª. T. AGA 458 708- SP, Rel. Min., Luiz Fux, DJ 19/3/2003).

Outro princípio é o da conservação dos atos processuais que entende que a nulidade de uma parte, não prejudicará a outra parte do ato ou dos demais atos subseqüentes, se forem independentes do nulo (art. 250 do CPC e § único).

O princípio da economia processual compreendido nos arts 248 a 250 do CPC, informa que a conservação dos atos não atingidos pela declaração de nulidade deve ser a maior possível, a fim de evitar a repetição inútil.

O ato processual é ato jurídico praticado no processo e que tem relevância jurídica e podem ser encarados em dois aspectos, um quanto ao processo e, outro quanto ao procedimento.

No plano processual, tais atos formalizam manifestações de vontade, instrumentalizam o exercício de direitos e poderes bem como a observância de ônus, obrigações e deveres.

Já na égide procedimental, os atos processuais são instrumento e forma para atuação dos sujeitos do processo, seus auxiliares e terceiros. Sendo relevante a sua estrutura formal bem como sua posição no procedimento.

A forma do ato processual no procedimento é que lhe dá configuração jurídica. É no procedimento que o ato se revela funcional dentro do processo, ligando-se a outros atos e se desenvolvendo gradativamente até encerrar-se.

Os atos processuais contêm sempre manifestação de vontade, conteúdo volitivo esse que apresenta três modalidades ou categorias: a da voluntariedade, a da vontade e a vontade dispositiva ou intencional.

Quando apenas volitivo, o ato processual é o praticado para criar uma situação jurídica, cujos efeitos, no entanto, a lei prefixa ou determina.

Já quando intencional, tratar-se-á o negócio processual, é ato de causação, ou dispositivo, em que o respectivo efeito que é plasmado pela vontade do sujeito que o expressa.

A forma do ato processual é o que dá concretude e realidade ao ato processual na forma prevista em lei, vêm as formas descritas as condições de tempo, lugar e modo de expressão que são exigidos para o ato tomar a configuração jurídica.

Regulamentar a forma de um ato, segundo Carnelutti, “ significa indicar seus caracteres juridicamente transcendentes, no sentido de que o ato singular só produzirá efeitos jurídicos quando contenha esses caracteres”.

O art. 154 do CPC estatui que a forma a priori é livre, pois somente observar-se-á determinada forma quando a lei assim o exigir. Mais adiante, no art. 244 do mesmo diploma legal que adenda que se a lei apontar certa forma, sem a cominação de nulidade, considerar-se-á válido se atingir sua finalidade.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 23/07/2007
Código do texto: T576922
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.