Videotestamento - Uma nova forma de Testamento

Entrevista com a advogada e professora Lisieux Borges, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) falando acerca de todas as formas de Testamentos e a necessidade de inovação na formação e uso do VIDEOTESTAMENTO.

Professora A senhora acredita que o videotestamento tem validade?

Antes de falarmos da validade em si, é importante deixar claro que o videotestamento, como defendo, não se trata de uma nova espécie testamentária, mas sim, uma forma, um modo, que as pessoas poderão também expressar suas disposições testamentárias. Trata-se, na verdade, de aceitar que as espécies legais de testamentos, que já possuímos, sejam instrumentalizados por outras mídias diferentes daquela escrita e cartular, que normalmente os testamentos são feitos entre nós. Deste modo, poderiam, inclusive, serem feitos por vídeo.

Acredito, assim, que os testamentos poderiam ser expressos de quaisquer formas, se a vontade do testador for inequívoca e sem quaisquer interferências por parte de terceiros, e, desde que respeitados os requisitos legais exigidos para cada espécie devidamente tipificada. A forma para fazer o testamento pode ser variada, por escrito através de documento cartular, escrito digitalmente, por vídeo, ou mesmo oralmente, entre outras possibilidades. Porém, não restam dúvidas, que a segurança jurídica em torno da matéria testamentária é essencial para que a

vontade do testador seja respeitada, e que permita assim, que sua vontade irradie efeitos mesmo em seu post mortem.

Para tanto, é essencial e irrefutável, que os testamentos possuam requisitos mínimos exigidos pela lei, e que quando necessários possam ser expressos e de conhecimentos para os interessados. É preciso, então, que estes testamentos independentemente do modo que eles foram feitos, que eles possam ser armazenados de forma

imodificável.

Hoje, com a tecnologização intensa e cada vez maior de nossas práticas sociais, passa a ser ordem do dia, que todos os atos jurídicos, e não apenas os testamentos, sejam pensados e repensados sobre esta ótica da tecnologia e da informatização, que estão hoje a nossa disposição.

Quanto à validade dos testamentos, podemos analisar sobre dois aspectos, primeiro do ponto de vista da validade da norma jurídica, e em segundo lugar, do ponto de vista da validade do negócio jurídico que surge desta norma.

A validade jurídica formal das normas testamentárias não estão postas em questão, pois, estão de acordo com o processo legislativo de nosso ordenamento. Muito embora, seria sim possível, que questionássemos, aqui, a validade jurídica material, ou de fundamento, destas normas, pois sem sombras de dúvidas, a nossa codificação civil de 2002, perdeu

uma verdadeira oportunidade de considerar diversos princípios constitucionais, que poderiam, sem embargos, permitir uma atualização da matéria de modo mais inclusivo, mais dignificante, e mais adequado a nossa prática social, principalmente, admitindo com mais tranqüilidade e naturalidade a informatização dos nossos atos cotidianos.

Já quanto à validade dos negócios jurídicos que surgem destas normas, os testamentos, temos que respeitar o que determina o artigo 104 de nosso Código Civil: agente capaz, objeto lícito, possível determinado ou determinável, forma prescrita, ou não defesa em lei. De acordo, com este preceito legal infraconstitucional, facilmente, poderíamos afastar que os testamentos fossem feitos por formas diferentes das expressamente tipificadas, pois, tratam-se de forma prescrita. Aqui, se incluiria, por óbvio o videotestamento. Mas, neste ponto, que temos que trazer a reflexão, mais uma vez, sobre os fundamentos constitucionais de validade, não podemos aceitar que as prescrições legais sobre testamentos reduzam direitos que a própria Constituição deseja ampliar para os seus cidadãos. Com isto, quero dizer, que as prescrições específicas sobre o tema de testamento precisam

sofrer modificações legislativas que possibilitem que os fundamentos constitucionais sejam devidamente recepcionados pela lei civil.

A partir do momento, que passamos a compreender que a prática civil deve se aliar a prática social, que é informatizada, fica claro, que nossas leis de vem ser modificadas. No entanto, em sede testamentária, diferente de outros ramos do direito civil, a

Necessidade de manter a ordem pública e a segurança jurídica dos testamentos inviabiliza, que possamos fazer na prática, estas interpretação de já incluir as novas tecnologias na feitura de nossos

testamentos, muito embora, como já dito, temos fundamentos para tanto. Será necessário e inevitável, que alterações legislativas sejam feitas no sentido de aceitar estas novas tecnologias em sede de testamentos.

Especificamente, com relação ao videotestamento, caso algum de nós decidíssemos fazê-lo hoje, dificilmente, algum juiz o aceitaria, pois, embora tenhamos fundamentos de ordem constitucional que o

validariam, a fato de existir uma forma prescrita para eles, que é a forma escrita, requisito essencial destes testamentos, afastaria sua admissão.

Hoje, o videotestamento, de acordo com nossa legislação vigente, no meu entendimento, teria apenas validade como prova subsidiária, que poderia ser utilizado para a melhor compreensão da vontade real descrita pelo testador em alguma das formas testamentárias escritas e vigentes entre nós.

O videotestamento preserva a vontade do testador?

Independentemente, de qual seja a forma pela qual o testamento se materializará, seja através de vídeo, seja através de um documento digital, seja por meio de um documento escrito, sempre deverá resguardar a vontade do testador, sem vícios ou máculas,

garantindo, assim, a integridade de sua vontade e a segurança jurídica das relações que de seu testamento surgirão.

No entanto, para a adoção de outras formas de materialização do testamento, diferentes do documento escrito cartular, como na

hipótese de testamento em vídeo, será necessário uma reforma legislativa profunda, que estabeleça quais as forma possíveis, e quais os seus requisitos mínimos. Vale ressaltar, mais uma vez, que

é necessário, sim, certa previsão legal dos testamentos, certa tipificação, ainda que a técnica legislativa utilize-se de cláusulas abertas por vezes. Pois, em sede de testamento, a certeza da vontade do testador e a segurança jurídicas dos atos de vontade

praticados por ele são essenciais.

Além disso, não vejo problema algum em tipificar os testamentos que poderemos fazer, o grande problema na verdade, reside em reduzir a uma única forma e expressão ou materialização dos testamentos através da escrita de documento, e nem ao menos aceitar que seja possível fazer por documento eletrônico, por exemplo.

É necessário, que nossa legislação atual acompanhe os modos de expressão que a sociedade vem adotando para suas práticas sociais. E, isto significa agregar para o meio jurídico, com as devidas adequações e balizamentos, outras mídias como vídeo, voz, documentos digitais, biometria, entre tantas outras possibilidades, que além de se compatibilizarem com os modus sociais atuais, ainda trazem como benefícios a possibilidade de inclusão de pessoas que a princípio estariam vedadas de praticar os atos testamentários.

A senhora acha que o Poder Judiciário vai absorver estas inovações tecnológicas como o videotestamento?

Eu acredito que o Poder Judiciário não terá escolha, pois, estas inovações tecnológicas fazem parte de nossa sociedade e de nossa prática individual cotidiana. Por toda parte, estamos inseridos, e já

acostumados com estas interações tecnologias, como por exemplo, ao irmos ao caixa eletrônico, ou ao acessar nossos bancos através de nossos smartphones, nossa forma de comprar hoje acontece,

muitas vezes, através de um ambiente virtual, e até mesmos nosso modo de comunicar foi modificado pela tecnologia, comunicamos velozmente através de mensagens com a utilização da internet.

E, não penas nossa vida privada modificou-se por meio das tecnologias, até mesmo na nossa interação com o Poder Público, hoje, foi modificada,que permite mais rapidez de certos atos, como por exemplo, a retirada de certidões, a expedição de guias de

recolhimento, atendimento online saneando dúvidas ou fazendo marcação de atendimentos presenciais,e entre tantas outras interações.

Além disso, a informatização e virtualização, já é, inclusive, uma realidade patente dentro de nosso Poder Judiciário. O nosso Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a partir do ano de 2013 aprovou a implantação do Pje (Processo Judicial Eletrônico), que vem sendo implantando de forma paulatina, porém constante. Hoje, muitos de nós, já atuamos com o processo judicial eletrônico, que a par de quaisquer críticas sobre o sistema, já e real e temos que nos acostumar com este nosso novo modo interagir com a Justiça.

Assim, a tecnologia está hoje presente em todos os nossos setores de vida, seja no âmbito público ou privado, é uma realidade patente inegável e inafastável. Mas, sem sombras de dúvidas, será

necessário um aparelhamento do Poder Judiciário para que possamos ter testamentos através de outras mídias. Será de real importância, que aconteça uma reforma legislativa pontual e profunda para que as tecnologias que temos à disposição possam realmente fazer parte de nosso agir ao testar.

O que temos que deixar claro, que por mais moderna que esta ideia se pareça, temos condições para refletir sobre a questão à luz de uma perspectiva constitucional e inclusiva, bem como, temos também um corpo técnico estatal e privado que vem desenvolvendo soluções em tecnologia para usarmos em nossas vidas.

Quando eu defendo, que outras formas tecnológicas sejam utilizadas para fazer os testamentos, é importante ter em mente que não se trata de uma defesa do banimento dos testamentos feitos

nos moldes tradicionais (apesar de que defendo a necessidade profunda de atualização de toda a matéria testamentária, que hoje possuímos), pois temos que pensar no Brasil em termos gerais

e regionais, e, que as condições e acesso a tecnologia em cada lugar é diferenciado. O que temos que permitir é oportunizar que outras mídias também possam ser usadas, de modo que o testar seja

inclusivo, democrático e a todos acessível.

Como fica o testamento cerrado na era digital?

Eu acredito, que se o testamento cerrado, que hoje nós possuímos, não sofrer um novo repensar e profundas modificações legislativas em seus requisitos e no seu modo de materialização, a tendências é, que paulatinamente, este modo de testar desapareça, pois, muito distante de nossas práticas sociais cotidianas e tecnológicas.

Atualmente, ao se produzir um testamento cerrado, é necessário, por exemplo, que o tabelião lacre o testamento e o costure (art.1869, CC/02), após esta ato material do tabelião é preciso que este

lacramento mantenha-se inviolável, após a morte do testador, sob pena de se considerado inválido (art. 1875,CC/02). Vejamos, que paira sobre esta forma testamentária diversas condicionantes, no sentido de que impõe-se que terceiros, no post mortem do testador, deem a devida continuidade e execução ao testamento cerrado. O direito, ou faculdade, de testar do testador fica na pendência da vontade e boa-fé de terceiros, que deverão encontrar o dito testamento e não violar o lacre.

Há uma patente fragilidade na efetivação do testamento cerrado, pois, diferentemente do que acontece no testamento público em que o tabelião registra-o e mantém cópia integral das disposições do

testador, no testamento cerrado ocorre de forma diversa, pois, apesar de o tabelião proceder aos registros de praxe, não mantém cópia de suas disposições, entrega-o ao testador, com a finalidade

de que os conteúdos de suas disposições fiquem secretas e resguardadas (art.1874,CC/02).

O nosso atual sistema legal ao redor do testamento cerrado é hoje ineficaz e inseguro, uma vez que dependente de ações e vontades de terceiros, que poderão inclusive ao agir com má-fé, e derrogar o

que quis e desejou o testador ao escolher esta forma

testamentária.

Este é o atual cenário do testamento cerrado que hoje possuímos, um testamento que possui uma finalidade legítima, que busca garantir a privacidade e intimidade do testador, porém, que tem diversas exigências de atos materiais frágeis, que acabam por desnaturar sua finalidade precípua.

A tecnologia poderia ser uma verdadeira aliada desta forma de testamento, como tenho defendido. Pois, seria possível:

1) O testamento cerrado, assim como as demais espécies de testamentos, poderia ser feito em ambiente virtual, tal como já ocorre com o processo judicial eletrônico,

2) A inviolabilidade e o sigilos do conteúdo do testamento cerrado poderiam se dar, através de criptografia, uma vez que a criptografia

não aceita adulteração. Para se ter conhecimento do conteúdo criptografado é necessário uma chave decodificadora (senha), de modo que o testamento cerrado não seria invalidado pelo rompimento de seu lacre.

3) Seria possível a criação de bancos de dados públicos, que armazenassem esta espécie testamentária, bem como de sua chave decodificadora, o que permitiria que o referido testamento pudesse ser utilizado, sem o risco de que não fosse encontrado, como acontece, em regra, com a hipótese do testamento cerrado tradicional e físico.

4) Com o armazenamento em banco de dados, seria mais fácil a comunicação e ciência a respeito de existência de dito testamento, principalmente, quanto à feitura deste testamento em outros tabelionatos, permitindo mais facilmente saber sobre a revogação, e validade de qual testamento deveria prevalecer.

Neste ponto, o armazenamento de testamentos públicos também seria altamente importante e recomendável.

5) Possibilidade de inclusão e democratização desta espécie de testamento para pessoas que a princípio não poderiam dele se beneficiar. Pois, a pessoa cega, analfabeta, ou por qualquer motivo não possa firmar sua assinatura fisicamente estariam excluídas desta possibilidade testamentária.

Com o uso da tecnologia, podem se utilizar assinaturas não físicas, como biometria ou mesmo assinaturas digitais.

Estas possibilidades acima descritas são alguns exemplos de como a tecnologia pode ser apta a readequar o testamento cerrado nesta era digital que vivenciamos hoje.