Morosidade processual – um problema sócio-político

Tem crescido na doutrina jurídica brasileira cada vez mais a discussão a respeito da celeridade processual como um instituto necessário a efetiva prestação do serviço jurisdicional.

É dito que uma prestação jurisdicional morosa é uma prestação jurisdicional ineficiente, e que não se pode falar em acesso a justiça se essa tardar.

Fruto dessa reflexão, a celeridade processual passou a constar do rol dos direitos individuais listados na Constituição Republicana, dos princípios previstos juizados especiais, e dos vetores de reformulação novo Código de Processo Civil, fora do que já se pratica no âmbito do processo trabalhista.

Também, com base nessa ideia, vem sendo implantado no Poder Judiciário mecanismos formais e materiais para aceleração dos processos, tais como processo eletrônico, aplicação do princípio da instrumentalidade das formas, fenômeno da repercussão geral, julgamento dos recursos em bloco, semana da conciliação etc.

Porém tanto esforço é suficiente para garantir a celeridade processual? Será que o processo/procedimento é o único vetor da celeridade processual?

Entendo que não.

Acredito que mudanças nas regras processuais, digitalizações de processos e outros institutos incorporados ao Poder Judiciário não sejam suficientes para resolver esse problema que assola o jurisdicionado brasileiro.

Isso porque o problema da morosidade é também extraprocessual. O Poder Judiciário só aprecia conflitos que foram gerados fora dos fóruns e tribunais – pelo menos, na maioria das vezes.

Não que o sistema processual e procedimental seja perfeito, ou seja desnecessário um aperfeiçoamento da máquina judiciária. Na verdade, tem-se muito que melhorar do ponto de vista interno do Poder Judiciário.

Contudo, o problema não é só interno, mas também externo ao contexto do Direito Processual. Ademais, a melhoria do sistema judicial-processual faz aumentar a capacidade de julgamento de processos, mas essas melhorias não se demonstram capazes de, com eficácia e qualidade, atender o aumento de demandas.

E, o pior de tudo é que, a troco da velocidade de julgamento, sacrificamos a qualidade, sacrifício essa que se demonstra pela imensa utilização de "modelos" de sentença, ainda quando o contexto fático ou jurídico não seja idêntico ao do presumido nesses modelos.

Retomando, muitos dos problemas de morosidade processual surgem em virtude do fato que o Direito Substantivo brasileiro, por questões políticas e de estrutura administrativa, é fator que favorece, quiçá estimula, a judicialização de conflitos, não coagindo efetivamente as partes mais demandantes/demandadas do país ao ajustamento de suas condutas ao Direito.

Se assim não fosse, jamais teria sido criada a súmula vinculante. Esta fora criada porque, mesmo quando um tribunal pacifica e sumula o entendimento sobre determinado assunto ou questão, salvo no caso da súmula vinculante, tal pronunciamento terá carga meramente persuasiva.

Com todo respeito a quem concorde com a mera força persuasiva das súmulas, esse é o maior absurdo jurídico que já construímos em nossa nação, o que pode ser tema doutro excerto.

Enfim, a culpa da morosidade processual não é só do Judiciário Brasileiro, mas também dos outros Poderes da República.

Comecemos analisando a postura extrajudicial das próprias atividades estatais.

Primeiro, se a tributação brasileira fosse mais simples, e mais barata, certamente haveria menos conflito ou discussão sobre a constitucionalidade/legalidade/formalidade/existência/materialidade... dos tributos, bem como a inadimplência seria menor.

Mas não! Criamos um sistema tributário que parte se denomina “simples” – sendo que esse “simples” não é tão simples assim – e deixa o restante sobre a alcunha fática de complexa (afinal, se um é o “simples”, o outro é o "complexo" ou "complicado").

E o complexo gera conflito, um conflito desnecessário. O que, de per si, é um absurdo, pois convenha-se que já é complicado o suficiente pagar o tributo, na medida em que envolve um desprendimento de dinheiro, que será depositado nas mãos de outra pessoa que ninguém sabe realmente quem é, concomitante com a presunção de que o colega contribuinte também pagará o tributo, assumindo a posição de uma concorrência leal. Isso, afinal, isso já não é difícil o bastante?

Dessa forma, ao invés de se criar um novo tributo, é melhor aumentar um tributo já existente, de modo a se facilitar o entendimento do quanto e pelo que se deve pagar.

Porém, o Estado Brasileiro tem uma ideia muito melhor: enganaremos o contribuinte com um novo tributo, baratinho, que ele nem vai perceber que está pagando mais.

E criamos mais um tributo, que pode ser uma taxa, que pode ser uma contribuição de melhoria, que pode ser uma contribuição previdenciária, que pode ser FGTS, que pode ser um pedágio, que vem junto com outra taxa, e mais taxa por outro motivo, para que se venha um novo imposto, com mais um tributo...

Resultado: conflitos e mais conflitos relacionados a um tema muito simples – Quanto eu preciso pagar? Quando? Onde? –, que foi complexibilizado, talvez porque o Brasil não se contenta em apenas ter bons contribuintes, mas sim excelentes tributaristas, os quais demonstram sua sapiência jurídica nos inúmeros processos tributários desnecessários que permeiam o Poder Judiciário.

Ainda com o Estado: temos o interessante dado de que o Estado é o maior recorrente de todos: não aceita perder nunca; mesmo sabendo que irá perder, recorre apenas para postergar o trânsito em julgado de questões já muito bem resolvidas pelo Poder Judiciário.

Não seria mais fácil tentar se ajustar ao Direito? Não seria melhor corrigir os problemas, cumprir a lei, a Constituição, e seguir a “orientação” dos Tribunais Superiores?

De forma alguma! Afinal, por qual motivo é que se paga os vencimentos/subsídios dos procuradores dos entes públicos? É para recorrer!

Na prática, posterga-se judicialmente o dever estatal até onde for possível, pois o que interessa, de fato, não é o Direito, mas sim o interesse do administrador em fazer parecer que Estado é perfeito, e que ele não deve o mundo e os fundos para pagamento do precatório.

Noutras palavras, administração pública usa o Poder Judiciário e o processo como mecanismo hipócrita de mascarar a realidade repugnante em que se encontram suas finanças e atividades administrativas.

E coitado do jurisdicionado-administrado, que não é dotado da metade das prerrogativas do ente público na relação processual, e que precisa esperar pela resposta certa que ainda não veio, em virtude de um outro recurso que se propôs...

Mas ainda não acabamos – temos ainda o precatório, o qual, cada 5 anos, por meio de uma Emenda Constitucional, estimula o calote jurídico do entes públicos.

Se do bolso da própria administração (ou administrador) saísse efetivamente o dinheiro para pagar as dívidas do Estado, ou, quem sabe, as próprias custas judiciais, ou ainda, honorários sucumbenciais (de verdade), multas, talvez tivéssemos menos processos e recursos desnecessários, e, mais que isso, um efetivo bom atendimento ao administrado.

Mais não devemos parar por aqui.

As grandes empresas, no Brasil, tem boa parcela de culpa nessas causas e recursos desnecessárias. Ao invés de litigar, elas deveriam buscar uma boa relação com o cliente, e evitar a utilização práticas comerciais abusivas. Porém, por incrível que pareça, é mais barato recorrer, pagando um advogado terceirizado, e pagar as custas – ainda mais considerando que nem metade da metade dos consumidores reclama por seus direitos.

Vale frisar que, neste caso, a culpa não se extingue nas partes empresárias, que, outrossim, na maioria dos casos, são também vítimas do nosso sistema jurídico confuso, corrupto e desleal.

Aqui no âmbito do Direito Privado, a culpa calha principalmente ao Poder Judiciário, que em sua complacência, ao invés de permitir a aplicação de categórica do dano moral/material pedagógico, mais conhecido como "punitive damages", prefere abarrotar os escaninhos, a espera de uma lei (que nunca vem) prevendo esse instituto.

Por último, vale destacar ainda que, no que tange ao Direito Penal e Processo Penal, é inviável querer diminuir o número de processos pelo aumento no policiamento, e investimentos em varas, promotorias e presídios, ou mesmo no aumento das penas.

Somente veremos celeridade a Justiça Penal quando a sociedade brasileira proporcionar as pessoas um vida saudável e confortável, sem que, para tanto, tenham que cometer os mais diversos tipos de ilícitos que nossa alma legislativa consegue criar.

E isso só é possível quando o administrador público criminoso (responsável por administrar 40% do PIB brasileiro), mais conhecido como bandido do colarinho branco, pagar pelos seus erros, e for punidos pelos atos lesivos ao interesse público.

Porém, depois que o judiciário julgou milhares de processos e recursos desnecessários provenientes de causas tributárias e administrativistas, e ainda, depois que julgou mais milhares de demandas relacionadas a má prestação de serviço e danos causados pelas grandes empresas aos consumidores, e depois que se julgou mais milhares de habeas corpus e recursos da área penal, ainda sobrará tempo para julgar o processos de improbidade administrativa e demais ações civis públicas?

Não.

Por isso, esses são os processos que mais demoram, e, não sei porque cargas d´água, sempre acabam sem um resultado efetivo e proveitoso – de modo que caímos em um ciclo vicioso: os problemas são atacados em seus efeitos, e nunca em suas causas – de maneira que o administrador corrupto e ineficiente permanece no poder, e o cidadão e o empresário fraco e desamparado fica sujeito a sua má administração e aos reflexos sociais desta.

Conclusão: deve-se preocupar-se em não só melhorar a máquina judiciária e o processo, mas também o direito material, de um modo em que o sistema jurídico evite demandas desnecessárias, e o litígio seja uma exceção, e, outrossim, efetivar a responsabilização rápida e efetiva do administrador que lesou o interesse público.

Claro é que, para isso, seriam necessárias mudanças institucionais muito sérias e complicadas, mas só com elas poderemos ver uma prestação jurisdicional célere e efetiva: fazendo entrar menos processos, enquanto os que já existam se resolvam o mais rápido possível.