A BATALHA DAS TOGAS 2 - O JUÍZO FINAL

Muitos dos meus amigos já fizeram piadinhas na época do caso Daniel Dantas, afirmando que eu era amigo do Ministro Gilmar Mendes. Naquela época, o paladino da verdade, então delegado federal Protógenes Queiroz, atualmente Deputado Federal, de completo conluio com um famoso magistrado federal, hoje rotulado como desembargador, pretenderam render ao judiciário brasileiro uma posição cinematográfica, onde a instituição seria ovacionada em nome de uma prisão e seus artífices posariam de galãs.

Gilmar Mendes passou de herói a bandoleiro apenas porque interpretou a Constituição Federal de modo próprio, contrariando a mídia e o povão. Um de meus textos defendeu a tese do Ministro e foi o bastante para me colocarem na mesma jaula que ele; tudo por causa de um texto e de um único encontro que tivemos em Cuiabá.

Eu jamais foi amigo do Ministro Gilmar Mendes, mas sempre o admirei, sobretudo por causa de seu posicionamento firme, de sua eloquência eminente e sua sapiência jurídica incontestável; das mesmíssima forma que sempre cito o intelectual e humilde Carlos Ayres Britto.

Agora, com a Guerra das Togas, o Supremo Tribunal Federal voltou a ser alvo do linchamento público, porque dois Ministros, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski sustentaram teses contrárias a opinião pública no caso do Conselho Nacional de Justiça X Juízes malfeitores do Brasil. - Como então se posicionou o apedrejado Gilmar Mendes? O ministro antes acusado de favorecer aos grandes e encobrir a verdade se manteria entorpecido, acocorar-se-ia do prélio ou acastelaria a veridicidade?

“Até as pedras sabem que as corregedorias não funcionam quando se cuida de julgar os próprios pares. Jornalistas e jornaleiros sabem disso”; assim foi parte do voto de Gilmar Mendes, um dos seis ministros que defenderam o poder legítimo e constitucional do CNJ em investigar todo e qualquer juiz brasileiro!

Outro que se agigantou nas vocábulos circunspectos foi Joaquim Barbosa, concluindo o entendimento de Gilmar Mendes: “A tese da subsidiariedade é fruto da imaginação criadora de uns poucos que querem que as coisas mudem de certa forma para que tudo continue como antes”.

Pela decisão de ontem, dia 2 de fevereiro; O Conselho Nacional de Justiça pode sim abrir e julgar processos ético-disciplinares contra juízes sem ter que esperar pela ação das corregedorias dos tribunais locais. Outro fator de suma importância para a decisão sacramentada pelo STF é que a decisão do CNJ de agir não depende de motivação expressa. Ou seja, o Conselho pode trazer para a sua competência as ações sem explicar os motivos pelos quais decidiu julgar determinado caso envolvendo qualquer servidor da justiça, independentemente da sigla que esteja lotado.

A liminar concedida pelo Ministro Marco Aurélio de Mello caiu sem ter sido contemplado a importância provocada por ela; ainda assim, 5 ministros ficaram do lado da dissimulação da verdade. O pai da liminar ironizou ao final da seção dizendo que o STF deu uma carta em branco ao CNJ e que só espera que o mesmo CNJ não os despeje da sede do STF...

Os poderes do CNJ sempre foram claros para todos nós; esta história embasbacada de que ele foi criado para uma coisa e acabou virando outra não completa qualquer ideologia lógica dentro dos palácios de justiça; e o próprio Gilmar Mendes lembrou que a intocável AMB, leia-se Associação de Magistrados Brasileiros, órgão de classe dos juízes tupiniquins, foi um dos consultados que aprovaram, na época, a criação e implementação do Conselho Nacional de Justiça. Pelo visto, agora estão arrependidos!

Várias outras decisões foram adotadas na mesma seção, que em meu humilde ponto de vista, passou para a história do Brasil, pelo menos até a próxima promulgação da Lei Orgânica da Magistratura, Loman. Juízes podem ser julgados e seus processos são públicos, este é para mim a mais fundamental decisão; e neste caso, Marco Aurélio de Mello foi favorável.

Já nas questões envolvendo os deveres de cada tribunal, sobretudo quem atua em cada um, o STF foi genérico em decidir que o CNJ não pode interferir. Carlos Ayres Britto enfatizou que “o CNJ não pode impor deveres aos tribunais. Mas se os tribunais não cumprirem o seu dever, aí atua o CNJ”.

Enquanto a nossa Suprema Corte bate cabeça para aprovar regras para limitar o acesso de juízes celerados ao Olimpo dos Deuses, do outro lado do Atlântico o Legislativo italiano aprovou o projeto de lei que responsabiliza civilmente os juízes por erros judiciais. Se virar lei, os juízes que cometerem algum erro vão poder ser condenados a indenizar por danos materiais e morais o prejudicado.

A emenda prevê que quem tiver sofrido um dano injusto por um comportamento, ato ou medida judicial pode processar tanto o Estado como o juiz, desde que fique comprovada clara violação da lei ou que o juiz agiu com dolo ou negligência. Os juízes não receberam bem a aprovação da proposta e, dentro da associação de classe, já se cogita uma greve para forçar o Senado a rejeitar a emenda. Esta é a prova cabal que juiz é igual em qualquer parte do planeta, mesmo nos Estados totalitaristas...

O que os juízes desejam é voltar ao antigo padrão de rotulação da magistratura, onde alguns eram considerados deuses e outros tinham certeza. Juízes que sempre foram mais Grãos Mestres do que julgadores perspicazes na ciência que deveriam praticar. Blindar o judiciário e transformá-lo, ainda mais, num bastião de ações fétidas, pode não ser o anseio de todos, mas com certeza é a razão da maioria. Velhos e novos julgadores já ingressam na carreira sabendo que são quase intocáveis e que suas canetas podem abrir e fechar portas; abrir para eles e fechar para seus desafetos.

Quem não pode ler a magnífica crônica de Marco Antônio Villa, professor da Universidade Federal de São Carlos, que foi publicado em O Globo; deveria procurar ler e entender, porque ela traduz claramente um dos mais fortes motivos pelos quais o CNJ tem batido firme em alguns Tribunais, como o de São Paulo e de minha vulnerável e abandonada Bahia. Veja na íntegra o artigo:

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) é formado por 33 ministros. Foi criado pela Constituição de 1988. Poucos conhecem ou acompanham sua atuação, pois as atenções nacionais estão concentradas no Supremo Tribunal Federal. No site oficial está escrito que é o tribunal da cidadania. Será?

Um simples passeio pelo site permite obter algumas informações preocupantes.

O tribunal tem 160 veículos, dos quais 112 são automóveis e os restantes 48 são vans, furgões e ônibus. É difícil entender as razões de tantos veículos para um simples tribunal. Mais estranho é o número de funcionários. São 2.741 efetivos.

Muitos, é inegável. Mas o número total é maior ainda. Os terceirizados representam 1.018. Desta forma, um simples tribunal tem 3.759 funcionários, com a média aproximada de mais de uma centena de trabalhadores por ministro! Mesmo assim, em um só contrato, sem licitação, foram destinados quase R$2 milhões para serviço de secretariado.

Não é por falta de recursos que os processos demoram tantos anos para serem julgados. Dinheiro sobra. Em 2010, a dotação orçamentária foi de R$940 milhões. O dinheiro foi mal gasto. Só para comunicação e divulgação institucional foram reservados R$11 milhões, para assistência médica a dotação foi de R$47 milhões e mais 45 milhões de auxílio-alimentação. Os funcionários devem viver com muita sede, pois foram destinados para compra de água mineral R$170 mil. E para reformar uma cozinha foram gastos R$114 mil. Em um acesso digno de Oswaldo Cruz, o STJ consumiu R$225 mil em vacinas. À conservação dos jardins — que, presumo, devem estar muito bem conservados — o tribunal reservou para um simples sistema de irrigação a módica quantia de R$286 mil.

Se o passeio pelos gastos do tribunal é aterrador, muito pior é o cenário quando analisamos a folha de pagamento. O STJ fala em transparência, porém não discrimina o nome dos ministros e funcionários e seus salários. Só é possível saber que um ministro ou um funcionário (sem o respectivo nome) recebeu em certo mês um determinado salário bruto. E só. Mesmo assim, vale muito a pena pesquisar as folhas de pagamento, mesmo que nem todas, deste ano, estejam disponibilizadas. A média salarial é muito alta. Entre centenas de funcionários efetivos é muito difícil encontrar algum que ganhe menos de 5 mil reais.

Mas o que chama principalmente a atenção, além dos salários, são os ganhos eventuais, denominação que o tribunal dá para o abono, indenização e antecipação das férias, a antecipação e a gratificação natalinas, pagamentos retroativos e serviço extraordinário e substituição. Ganhos rendosos. Em março deste ano um ministro recebeu, neste item, 169 mil reais. Infelizmente há outros dois que receberam quase que o triplo: um, R$404 mil; e outro, R$435 mil. Este último, somando o salário e as vantagens pessoais, auferiu quase meio milhão de reais em apenas um mês! Os outros dois foram “menos aquinhoados”, um ficou com R$197 mil e o segundo, com 432 mil. A situação foi muito mais grave em setembro. Neste mês, seis ministros receberam salários astronômicos: variando de R$190 mil a R$228 mil.

Os funcionários (assim como os ministros) acrescem ao salário (designado, estranhamente, como “remuneração paradigma”) também as “vantagens eventuais”, além das vantagens pessoais e outros auxílios (sem esquecer as diárias). Assim, não é incomum um funcionário receber R$21 mil, como foi o caso do assessor-chefe CJ-3, do ministro 19, os R$25,8 mil do assessor-chefe CJ-3 do ministro 22, ou, ainda, em setembro, o assessor chefe CJ-3 do desembargador 1 recebeu R$39 mil (seria cômico se não fosse trágico: até parece identificação do seriado “Agente 86”).

Em meio a estes privilégios, o STJ deu outros péssimos exemplos. Em 2010, um ministro, Paulo Medina, foi acusado de vender sentenças judiciais. Foi condenado pelo CNJ. Imaginou-se que seria preso por ter violado a lei sob a proteção do Estado, o que é ignóbil. Não, nada disso. A pena foi a aposentadoria compulsória. Passou a receber R$25 mil. E que pode ser extensiva à viúva como pensão. Em outubro do mesmo ano, o presidente do STJ, Ari Pargendler, foi denunciado pelo estudante Marco Paulo dos Santos. O estudante, estagiário no STJ, estava numa fila de um caixa eletrônico da agência do Banco do Brasil existente naquele tribunal. Na frente dele estava o presidente do STJ. Pargendler, aos gritos, exigiu que o rapaz ficasse distante dele, quando já estava aguardando, como todos os outros clientes, na fila regulamentar. O presidente daquela Corte avançou em direção ao estudante, arrancou o seu crachá e gritou: “Sou presidente do STJ e você está demitido. Isso aqui acabou para você.” E cumpriu a ameaça. O estudante, que dependia do estágio — recebia R$750 —, foi sumariamente demitido.

Certamente o STJ vai argumentar que todos os gastos e privilégios são legais. E devem ser. Mas são imorais, dignos de uma república bufa. Os ministros deveriam ter vergonha de receber 30, 50 ou até 480 mil reais por mês. Na verdade devem achar que é uma intromissão indevida examinar seus gastos. Muitos, inclusive, podem até usar o seu poder legal para coagir os críticos. Triste Judiciário. Depois de tanta luta para o estabelecimento do estado de direito, acabou confundindo independência com a gastança irresponsável de recursos públicos, e autonomia com prepotência. Deixou de lado a razão da sua existência: fazer justiça.

Voltando às minhas palavras; ao final de tantas informações, a maioria vergonhosa e que macula a imagem da justiça do Brasil, eu não sei ao certo se a Ministra Eliana Calmon vai rir ou chorar; e se alguém a apanhar rindo em alguma entrevista de agora por diante, tenham certeza que seu legado de audácia corre nas veias e abanica bem no meio do seu cérebro...

Eu só volto a escrever sobre a Batalhas das Togas em caso excepcional ou após a aprovação da nova LOMAN!

Carlos Henrique Mascarenhas Pires é autor do Blog www.irregular.com.br - Crônicas do Imperador

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Enviado por CHaMP Brasil em 03/02/2012
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