Reforma do Código de Processo Penal Militar – uma necessidade em face da Constituição Federal de 1988 e da Emenda Constitucional nº 45/2004

1.Introdução

A lei no Brasil por força de determinados ensinamentos não pode e não deve envelhecer. A sociedade que se encontra em constante evolução e em atual crise de valores entende que somente uma lei nova é capaz de solucionar os problemas enfrentados pela nação, como por exemplo, à violência urbana, a fome, o trabalho infantil, o tráfico de mulheres, o tráfico de órgãos, a precariedade do sistema de saúde, a alta dos juros, entre outros.

As várias Constituições que o país já conheceu no decorrer dos séculos XIX e XX demonstram a fragilidade das normas jurídicas que são modificadas por força de interesses pontuais. Em menos de duzentos anos, sete foram as Constituições, 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1988 . A atual Constituição Federal do Brasil já passou por mais de 50 Emendas Constitucionais, levando-se em consideração as Emendas de Revisão, o que traz a impressão pelo menos no aspecto gráfico que uma nova Constituição foi escrito pelo poder constituinte derivado. Mas, não se pode esquecer que a Constituição Federal por força de classificação é considerada uma Constituição rígida.

O atual sistema normativo federal possui mais de 11.000 leis que a maioria da população desconhece a sua existência. Nesta conta ainda não estão incluídos os decretos legislativos e os decretos baixados pelo Poder Executivo. Nenhum homem médio, ou mesmo os operadores do direito, tem condições de conhecer todas as leis federais que foram editadas no Brasil desde o surgimento da República.

A imprensa muitas vezes não se sabe por qual motivo acredita que o bom parlamentar é aquele que propõe vários projetos de lei. Afinal, uma nova lei traz a esperança de mudanças e possibilita novas edições, novas impressões e comentários ao texto legal.

O General Napoleão Bonaparte, Imperador dos Franceses, criou as codificações com o objetivo de facilitar a aplicação da lei e permitir que os seus destinatários tivessem a possibilidade de conhecer os textos legais aos quais se encontravam sujeitos no exercício de suas atividades, mas parece que o esforço do Imperador no Brasil não encontrou muitos adeptos em razão do número de leis que tem sido editadas por todos os entes integrantes da Federação.

Os Estados Unidos da América, a Inglaterra, e ainda os outros países do continente europeu, na maioria das vezes são utilizados como paradigmas para a discussão dos problemas brasileiros. Acredita-se por exemplo que o programa tolerância zero aplicado em Nova Iorque pelo ex-prefeito Giuliani, que atualmente é consultor em segurança pública, produzirá os mesmos resultados no Brasil. Mas não se menciona a população destinatária dos serviços de segurança pública que o policial de Nova Iorque recebe em média U$ 3.000 dólares enquanto o policial, civil ou militar, brasileiro recebe em média U$ 500 dólares. Também não é passado para a população que esses países não costumam alterar a sua legislação conforme a necessidade e que muitas leis naquelas nações estão em vigência há mais de cem anos, como por exemplo a Constituição dos Estados Unidos que é do século XVIII.

A solução dos problemas que são enfrentados diariamente pelos brasileiros dos diversos rincões do território não está necessariamente nos modelos que são adotados pelos outros países. A edição de várias Emendas Constitucionais não diminuirá os índices de violência urbana e até mesmo rural, ou colocará o país no primeiro mundo das nações desenvolvidas dos 7 (sete) países mais ricos do mundo .

O melhor exemplo que deveria ser seguido mas que muitas vezes é esquecido é o da estabilidade da democracia americana, que mesmo diante das dificuldades econômicas decorrentes da Segunda Guerra Mundial não deixou de realizar eleições para Presidente da República, e também não enfrentou golpes de Estado com a quebra da estabilidade institucional. A Constituição americana é a mesma desde a independência das 13 colônias, e ainda com uma limitada edição de Emendas Constitucionais .

A lei conforme anteriormente mencionado tem o direito de envelhecer. É bem verdade que o direito não deve ser estático, devendo acompanhar a evolução da sociedade. Mas, a evolução não pressupõe a edição de novos Códigos, sendo que os atuais podem ser aprimorados com algumas alterações na busca de uma efetiva prestação jurisdicional.

2. A reforma na lei processual militar

A Justiça Militar, Estadual ou Federal, é uma realidade que deve permanecer no ordenamento jurídico brasileiro. Os militares são essenciais no Estado de Direito uma vez que são os garantes dos direitos e garantias fundamentais que são assegurados aos brasileiros e estrangeiros que vivem no território nacional .

A vida militar possui as suas particularidades que exigem dos seus integrantes a observância de determinados preceitos, que também estão presentes na Administração Pública, Civil ou Militar, que são a hierarquia e disciplina . Nas Instituições Militares, a hierarquia e a disciplina recebem um tratamento diferenciado, mais rígido, que nas demais instituições. Afinal, as pessoas que devem garantir a soberania nacional e segurança pública de um país devem saber obedecer e respeitar os seus superiores e respeitar as leis previamente estabelecidas .

Nesse sentido, nada mais justo que os militares sejam julgados pelas pessoas que conhecem o seu dia-a-dia, as suas regras especiais . Mas, a especialidade de um ramo do direito não afasta os técnicos de sua discussão. Afinal, cabe ao Poder Legislativo por força da Constituição Federal elaborar as leis e aos estudiosos discutirem a doutrina na busca da edição de normas que estejam de acordo as regras sociais.

A sociedade evolui assim como os costumes. No império romano, os militares ficavam sujeitas a penalidades extremamente severas, dentre elas, a pena de morte, o banimento, as chibatadas, as quais não se aplicam atualmente, salvo a pena de morte em caso de guerra conforme dispõe expressamente o vigente texto constitucional. O direito penal desde Beccaria passou por uma humanização. Afinal, a pena deve corrigir e não contribuir para o perecimento do reeducando.

Os Códigos possuem uma função essencial na legislação infraconstitucional, uma vez que agrupam em um mesmo diploma um conjunto de normas referentes a um determinado assunto. Os países que seguem a tradição da família romano-germânica costumam codificar as suas principais regras.

O Brasil seguindo esta tradição possui entre outros os seguintes Códigos: Código Penal, Código de Processo Penal, Código Civil, Código de Processo Civil, Código Comercial, Código Penal Militar, Código de Processo Penal Militar, Código Eleitoral, Código de Águas, Código de Minas, Código Florestal, Estatuto da Terra, Estatuto do Estrangeiro, Estatuto da Infância e Juventude, antigo Código de Menores, Código de Defesa do Consumidor, Estatuto da Microempresa.

No decorrer dos anos, as pessoas destinatárias das normas materiais e processuais passaram a conhecer as principais regras em razão do grande número de disposições legais. No caso do Código Penal, a maioria da população conhece o

significado das disposições dos artigos, 121, 155, 157, 171, entre outros, como ocorre com as disposições do Código Civil, Código Comercial, entre outros.

Os Códigos Brasileiros em sua maioria foram feitos com uma excelente técnica legislativa e não necessitam ser inteiramente reformulados sob o argumento que devem ser atualizados de acordo com a evolução social. As modificações podem e devem ocorrer de forma determinada mediante o que se denominou segundo os ensinamentos do Ministro Sálvio de Figueiredo do Superior Tribunal de Justiça de micro-reformas conforme vem ocorrendo com o Código de Processo Civil, o Código Penal e o Código de Processo Penal.

3. Modificações no CPPM

A Justiça Militar possui as suas particularidades, mas o Código de Processo Penal Militar segue a semelhança do Código de Processo Penal Comum uma determinada sistemática de princípios e regras. Afinal, todos as leis devem estar em conformidade com a Constituição Federal e também devem seguir regras a serem observadas nos julgamentos, como por exemplo, o a ampla defesa e o contraditório e também o devido processo legal.

O CPPM prevê as modalidades de procedimentos que deverão ser observados no curso de ação penal militar para que o Estado possa exercer o jus puniendi. Afinal, o militar infrator deve ser punido de forma exemplar, mas é necessário que seja observado o exercício da ampla defesa e do contraditório e também que sua culpabilidade fique devidamente demonstrada, sob pena de improcedência da ação penal militar.

O processo militar no tocante ao rito ordinário possui regras que necessitam ser atualizadas em atendimento ao texto constitucional, e também em razão da edição da Emenda Constitucional nº 45/2004, que estabeleceu a competência do Juiz de Direito para o julgamento dos crimes praticados por militares contra civis, mas isso não significa que seja necessária a edição de um novo Código de Processo Penal Militar, tal como pretendido por alguns. As modificações processuais poderão ser realizadas por meio de micro-reformas.

Seguindo esta linha de estudo a primeira modificação que deve ser feita no Código de Processo Penal Militar é no tocante ao prazo de três horas destinados aos debates, o qual poderá ser reduzido para no máximo vinte minutos, com uma maior ênfase na obrigatoriedade do oferecimento das alegações finais. O Juiz-Auditor no âmbito da União tal como já ocorre nos Estados em razão da Emenda Constitucional nº 45/2004 deve presidir o Conselho de Justiça, Especial ou Permanente, uma vez que possui conhecimentos técnicos, que muitas vezes são necessários para se decidir questões de complexidade jurídica.

O número de testemunhas deve ser o mesmo tanto para a defesa como para a acusação, apesar de que a jurisprudência já vem admitindo esta possibilidade. Afinal, não existem motivos para que a acusação tenha determinados benefícios que não sejam estendidos a defesa.

Não se deve esquecer ainda que o exercício da ampla defesa e do contraditório não significa a defesa da impunidade. A impunidade é decorrente da omissão, fato este que tem atormentado a sociedade brasileira. Todos querem Justiça, mas esta deve ser realizada em conformidade com as regras previamente estabelecidas no Estado de Direito.

O Código de Processo Penal Militar também deve prever expressamente a ação penal privada subsidiária da pública em atendimento ao texto constitucional, conforme observa Célio Lobão em sua obra Direito Penal Militar. A vítima, em que pese o sujeito passivo imediato ser a Administração Pública Militar também tem o direito de buscar a condenação do infrator, até mesmo para facilitar se for o caso a busca do ressarcimento pelos danos morais e materiais decorrentes da lesão pratica, e desde que demonstrada a culpabilidade do acusado.

O processo ordinário a ser realizado perante o Juiz de Direito deve ser regulamentado, inclusive no tocante a questão decorrente da conexão, crimes de competência do Juiz Singular e crimes de competência do Conselho de Justiça, que atualmente é uma questão que tem suscitado discussões no âmbito da Justiça Militar Estadual.

No tocante a esta matéria decorrente de um concurso de crimes de competência tanto do Juiz Singular do Juízo Militar no âmbito da Justiça Militar Estadual como dos Conselhos de Justiça, atualmente existem 05 entendimentos doutrinários a saber: a) Os crimes militares devem ser julgados apenas pelo Juiz Singular, entendimento que é defendido pelo Juiz de Direito de Santa Catarina Getúlio Correa; b) Os crimes militares devem ser julgados com base no princípio da atração, ou seja, o crime mais grave atrai o crime menos grave, posição defendida pelo Juiz de Direito de São Paulo, Lauro Escobar; c) A instrução probatória deve ser uma só, cindindo-se o processo apenas no momento do julgamento, com o proferimento de duas sentenças, entendimento defendido pelo Juiz de Direito de Minas Gerias, Paulo Tadeu Rodrigues Rosa; d) A instrução probatória deve ser uma só, cindindo o processo apenas no momento do julgamento, mas com o proferimento de uma só sentença, entendimento defendido pelo Juiz de Direito de São Paulo, Ronaldo João Roth; 5) O processo deve ser dividido desde o início mediante decisão judicial, com recurso de ofício para o Tribunal de Justiça Militar, entendimento este defendido pela Juíza de Direito de Minas Gerais Daniela de Freitas Marques, acompanhada do Juiz de Direito André Mourão e outros.

Todas essas modificações e outras que se fizerem necessárias poderão ocorrer por meio de projetos de lei, sem que estes tenham por objetivo a edição de um novo Código de Processo Penal Militar.

4. Considerações finais

A lei no Brasil deve ter o direito líquido e certo de envelhecer, o que não vem ocorrendo no decorrer dos anos. Existe uma crença que uma lei nova poderá resolver os problemas sociais, que na maioria das vezes possuem a sua origem em deficiências de ordem estrutural.

A violência somente se resolverá com investimentos na área social e um efetivo combate ao crime organizado, em especial ao narcotráfico, que vem correndo o tecido social, causando sérios prejuízos à economia e a estrutura familiar, e até mesmo prejudicando a economia do país no tocante a geração de empregos e ao risco país.

A Justiça Militar, Estadual e Federal, é uma realidade dos países que escolheram o Estado de Direito como forma de governo, e no Brasil esta Justiça Especializada encontra-se prevista na Constituição como Tribunal integrante do Poder Judiciário desde 1934 no tocante a Justiça Militar da União e desde 1946 no tocante a Justiça Militar Estadual.

As regras processuais podem e devem ser modificadas sem a necessidade da edição de um novo Código, como vem ocorrendo com o Código de Processo Civil, Código Penal e Código de Processo Penal, seguindo o que a doutrina denominou de micro-reformas.

O atual Código de Processo Penal Militar é de qualidade e algumas disposições devem ser modificadas em atendimento as garantias previstas na Constituição Federal.

Na realidade, é preferível pequenas reformas do que a edição de um novo texto que possa se afastar dos princípios que devem reger a vida militar. Além disso, a edição de um novo Código significa uma longa tramitação junto ao Congresso Nacional.

O aprimoramento da lei é necessário, mas deve ser realizado pelos técnicos, mediante a participação dos interessados, e mediante uma discussão, que permita a edição de normas que levem a uma efetiva prestação jurisdicional.

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Nota: Texto originariamente publicado na Revista Jurídica, Rio Grande do Sul, n 347, setembro de 2006. Seção Doutrina Penal.

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