SER INFELIZ NÃO É ILEGAL

* Nadir Silveira Dias

Ser infeliz é um estado de espírito. E não há lei que proíba alguém de ser infeliz.

Ser infeliz é bater de propósito as portas e janelas do apartamento ou casa onde residimos.

Ser infeliz é caminhar no nosso apartamento como se estivéssemos amassando o mundo. Quando o mundo, no caso, é o apartamento, é a residência do seu vizinho do andar de baixo que amanhã poderá ser o único a poder lhe salvar, sabe-se lá do que.

Ser infeliz é arrastar móveis com violência a ponto de perturbar o seu vizinho, atônito em não saber como tal ação não incomoda a quem a produz.

Ser infeliz é deixar cair, ou atirar, coisas ou utilidades que rolam pelo piso do seu apartamento para incomodar de propósito ou não, o seu vizinho do andar de baixo, na mesma posição.

Ser infeliz é não perceber que a porta que batemos, o móvel que arrastamos, o piso que pisoteamos, o que deixamos cair de propósito para prejudicar o nosso vizinho, ainda que o façamos por incompetência, desleixo, negligência ou mero relaxamento, tudo isso são coisas que exteriorizam o que somos, como pensamos, como agimos: Somos gente que presta ou somos gente que não presta!

Gente que se ocupa em bem conviver, sem prejudicar a ninguém, exatamente para ter sob foco, em qualquer momento, que ninguém poderá fazer contra si o que ele não faz contra outrem.

Sim, porque gente que presta não age a prejudicar a outrem. Especialmente os que residem no apartamento embaixo do apartamento em que vivemos batendo portas, arrastando móveis e pisando de tamanco ou tacos como a amassar o mundo. De raso, uma covardia profunda, pois não há defesa contra isso. Não há como devolver o mal produzido.

Mas há algo ainda pior: Esse agir de ser infeliz prova e comprova que esse imóvel, apartamento ou residência em condomínio, esses móveis ou essas utilidades que arrastamos ou atiramos não foram adquiridas com o suor do nosso rosto, como bem o determinou o Criador: Comerás o pão com o suor do teu rosto!

Sim, pois quem suou para comprar apartamento, quem suou para comprar móveis, e as utilidades que dispõe, não as quererá destruir por ação própria, pois sabe o quanto lhe custou adquirir tudo isso.

Como se sabe, ser infeliz não é proibido, ser infeliz não é ilegal.

No entanto, todas as ações antes citadas que exteriorizam esse estado de ser infeliz, estas o são. Proibidas e ilegais.

E mais ainda quando são praticadas em qualquer hora das vinte e quatro horas do dia.

E também porque denotam absoluta falta de respeito com o próximo, e absoluta prepotência do causador do dano a outrem a partir da propriedade, pois excluindo o quanto usa de tempo para dormir, durante o resto do período esse causador faz o que bem entende em qualquer horário.

São atos e ações que estão enfeixadas em um simples e jurídico enunciado, em um simples comando administrativo, numa simples capitulação criminal: O uso nocivo da propriedade, do que são variantes, dentre inúmeras outras, as ações antes citadas, gerando causas em três distintas esferas, administrativa, civil e criminal.

Obviamente que esse estado de ser infeliz não põe ninguém na cadeia, mas a conseqüência que causa àquele que sofre esse dano – que tem absolutamente desrespeitado o seu direito de vizinhança sadia, não-nociva, - esta sim, gera efeitos administrativos capitulados na convenção de condomínio e no seu regulamento interno, gera ação civil de abstenção da prática das ações nocivas à vizinhança e o conseqüente pagamento de indenização pelo incômodo causado e ainda outro pedido de estipulação de multa caso não cessem os danos produzidos.

E gera ainda a ação penal pelo uso nocivo da propriedade que, como afirmado, não vai pôr ninguém na cadeia, mas o seu causador vai ter que responder ao inquérito. Em razão disso, vai ter que ir muitas vezes – ou ser levado – à Delegacia de Polícia para depor e prestar esclarecimentos e por fim ser sentenciado a uma pena tal que será convertida em cestas básicas, que também custa dinheiro, além de ser obrigado a cumprir todas essas formalidades que a lei faz previsão.

E se esses inquéritos e essas sentenças não são mais comuns é por uma única razão: As pessoas prejudicadas são muito melhores do que as que lhe atacam, daquelas que lhe causam dano, das que lhe causam prejuízos.

O problema surge quando essas pessoas, supondo que sempre suportariam o dano, numa dada hora não conseguem mais resistir. Aí a tragédia está feita, criada pelo próprio causador dos danos continuados, que acaba por vitimar-se através das suas próprias ações.

Assim como acontece no achaque por ditos guardadores de veículos, cujos proprietários resistentes ao achaque, num dado momento supondo-se ameaçados, ou verdadeiramente ameaçados, agem em absoluta defesa própria.

Um triste retrato da nossa época que estimo não faça parte você, não faça parte eu.

Para isso, no entanto, é imperativo não praticar o dano, pois ele ocasiona resposta.

E o problema é não saber quando ela pode acontecer.

26.06.2009 – 23h10min

*Jurista e Escritor – nadirsdias@yahoo.com.br

Nadir Silveira Dias
Enviado por Nadir Silveira Dias em 26/06/2009
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