Perda do Posto e da Patente dos Oficiais e da Graduação das Praças

Palavras chave – Militares – Perda do Posto – Patente – Graduação das Praças – Perda da Função.

Resumo – A perda do posto e da patente do oficial, Forças Armadas ou Forças Auxiliares, e a perda da graduação das praças, somente pode ocorrer por decisão transitada em julgado de Tribunal competente conforme expressa disposição da Constituição Federal de 1988.

1. Introdução

A Constituição na lição de Rui Barbosa é considerada a rainha das leis e a verdadeira soberana dos povos. Uma leitura atenta da obra de Hans Kelsen evidencia os fundamentos deste entendimento, em razão da hierarquia das leis e da teoria pura do direito, que foi desenvolvida pelo jusfilósofo alemão com base nos princípios da norma fundamental.

A Constituição Federal de 1988 é ainda uma Constituição jovem quando comparada com a Constituição de 1824 que vigorou até 1891, e extremamente recente quando comparada com a Constituição Americana que data do final do século XVIII. Apesar destas particularidades, até o mês de dezembro de 2004, a vigente Constituição da República já foi alterada por intermédio de 45 Emendas, sem contar as Emendas de Revisão.

Na realidade, uma nova Constituição está sendo escrita por intermédio do poder constituinte derivado, que somente conhece um limite, pelo menos por enquanto, o das cláusulas pétreas, que não podem ser objeto de Emenda Constitucional, sob pena de quebra do Estado de Direito .

A edição reiterada de Emendas Constitucionais demonstra que o país ainda não encontrou uma maturidade constitucional, sendo necessário que a norma fundamental seja modificada para atender ao denominado princípio de governabilidade, que está intrinsecamente relacionado com os princípios que devem reger a política como Ciência na lição dos pensadores socráticos.

As várias modificações realizadas no texto constitucional tem produzido reflexos na legislação infra-constitucional, e também nas decisões proferidas pelo Poder Judiciário, guardião dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, e órgão com competência para dizer o direito no caso concreto, prestação jurisdicional .

Em razão da dicotomia que ainda existe entre civis e militares, vários questionamentos têm sido apresentados aos direitos assegurados a estes servidores, que possuem seus direitos e deveres estabelecidos no texto constitucional .

As prerrogativas que são estabelecidas a determinados estamentos da sociedade tem por objetivo assegurar a autonomia dos servidores, para que estes possam bem desenvolver as suas funções, sem que isso signifique que não estejam sujeitos a um controle rígido dos órgãos competentes.

O Estado moderno deve buscar a eficiência na prestação dos serviços que são colocados a disposição da população, mas isto não significa que não deva possuir um estamento burocrático, que permita a prestação de serviços público por pessoas qualificadas, as quais o governo deve assegurar determinadas garantias para que possam desenvolver suas funções com independência e imparcialidade.

2. Perda do Posto e da Patente

Os militares segundo a Constituição Federal de 1988 dividem-se em duas categorias: militares federai, que são os integrantes das Forças Armadas, e militares estaduais, que são os integrantes das Forças Auxiliares . Na seara do direito militar, os integrantes de uma Corporação podem ser divididos em dois círculos: praças e oficiais. Nas Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, os oficiais chegam

até o posto de Coronel , enquanto que nas Forças Armadas podem alcançar o posto de Oficial General.

A estabilidade destes servidores públicos não é adquirida de forma semelhante a dos servidores civis. Nas Forças Armadas, as praças adquirem a estabilidade com 10 (dez) anos de efetivo serviço prestado, por força do Estatuto dos Militares, enquanto que nas Forças de Segurança (Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) a aquisição da estabilidade dependerá da legislação estadual. No Estado de Minas Gerais , a estabilidade é adquirida com 3 (três) anos de efetivo serviço, enquanto que no Estado de São Paulo esta é adquirida com 10 anos de efetivo serviço.

Os oficiais adquirem a sua estabilidade, ou na melhor técnica jurídica, vitaliciedade, após serem declarados 2º ou 1º Tenente, dependendo do curso freqüentado pelo aluno ou cadete. Enquanto encontra-se na condição de aspirante-a-oficial ou na de aluno, cadete, o militar fica sujeito as mesmas disposições que são aplicadas as praças.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu nos arts. 42 e 144 os direitos e prerrogativas que são assegurados aos oficiais das Forças de Segurança e também das Forças Armadas. No art. 125, 4 º, última parte, também foi estabelecida as prerrogativas que são asseguradas as praças, e a maneira que estas e os oficiais poderão perder a sua graduação, posto ou patente.

Em nenhum momento, a Constituição Federal estabeleceu que os oficiais poderão perder o seu posto ou patente por meio de um procedimento que não seja por decisão proferida por Tribunal Militar em tempo de paz e Tribunal Especial em tempo de guerra.

Os juízes e Tribunais Militares também possuem expressa previsão na Constituição Federal, o que significa que somente este órgão do Poder Judiciário é que poderá decidir sobre a perda do posto ou da patente dos oficiais.

A natureza do ilícito, comum ou militar, previsto em Lei Especial, Código Penal, ou Código Penal Militar, não afasta a competência do Tribunal Militar para decidir sobre a perda do posto ou da patente do militar, federal ou estadual.

A garantia assegurada a esta categoria de militares já era prevista nos textos constitucionais anteriores, o que demonstra que a Constituição Federal de 1988 apenas deu continuidade a uma tradição já consagrada no ordenamento jurídico nacional, acompanhando o direito comparado, como o que vigora em Portugal.

Neste sentido, se um militar, oficial, for condenado pela prática do crime de tortura caberá ao Tribunal de Justiça Militar, Estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, ou Tribunal de Justiça, nos demais Estados, decidir sobre a perda do posto ou da graduação do infrator.

O art. 142 da CF é expresso a respeito desta matéria, não existindo lacunas quanto as disposições que se aplicam à espécie. O mesmo acontece, caso o militar venha a praticar um crime comum ou militar. Se condenado a uma pena superior a dois anos, ou caso seja considerado incompatível com oficialato, somente o Tribunal competente é que poderá decidir sobre a perda do posto ou da patente.

Apesar da clareza do texto constitucional existem decisões judiciais entendendo que o Juiz da Justiça Comum ou mesmo a autoridade administrativa, Comandante Geral, poderá demitir o oficial dos quadros da Corporação Militar a qual pertence.

A maioria da doutrina, Eliezer Pereira Martins, Ronaldo João Roth, Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, não tem dúvidas quanto as disposições constitucionais. Somente o Tribunal competente é que poderá mediante devido processo legal decidir sobre a perda do posto ou da patente dos oficiais.

3. Perda da Graduação das praças

As praças segundo o art. 125, § 4º, da CF, somente perderão a sua graduação mediante decisão a ser proferida por Tribunal Militar competente. Neste aspecto, existem vários questionamentos e interpretações ao dispositivo constitucional.

A princípio as mesmas garantias asseguradas aos oficiais foram asseguradas as praças. Depois, passou a ser aplicado o entendimento segundo o qual no somente no caso de crimes é que as praças ficaram sujeitas a uma decisão a ser proferida pelo Tribunal Militar.

O S.T.F e o S.T.J firmaram entendimento que o Comandante Geral possui competência para demitir as praças das Forças de Segurança. O art. 125, § 4º, não fez esta diferenciação, em que pese o entendimento do Pretório Excelso e S.T.J. No mesmo sentido, pode-se afirmar que o artigo do texto constitucional não fez nenhuma diferenciação quanto a natureza do ilícito, comum ou militar.

A respeito do assunto, destaca-se o acórdão proferido na apelação cível n.º 202.087-1/2 (v. u) pela Colenda 1.ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que teve como relator o Desembargador Álvaro Lazzarini, onde este observa que, “a igualdade buscada pelo artigo 125, § 4.º, da C.F, teve origem na Emenda nº 2P01407-1, de 13 de janeiro de 1988, de autoria do Deputado Constituinte Paulo Ramos, Major da Reserva da Polícia Militar do Rio de Janeiro, que buscava com este projeto colocar um término a desigualdade existente entre membros de uma mesma Corporação”.

Deve-se observar ainda, que Álvaro Lazzarini com fundamento no precedente do Supremo Tribunal Federal, Recurso Especial n.º 121.533-0, que teve como relator o eminente Ministro Sepúlveda Pertence, e que declarou por unanimidade a vitaliciedade das praças, reconhece que o Comandante Geral das Polícias Militares não mais possui competência para demitir as praças de suas Corporações, cabendo ao Tribunal competente decidir sobre esta questão após procedimento onde será assegurado ao acusado a ampla defesa e o contraditório com todos os recursos a ela inerentes.

Nos embargos declaratórios n.º 202.087-1/4-01, julgados em 14 de junho de 1994, a Colenda 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu que, “POLICIAL MILITAR - Perda da Graduação de praça e demissão - Competência - Ato do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo e não do Comandante Geral da Polícia Militar - Inteligência do art. 125, § 4.º, da CF”. RT n º 708/78-80.

Neste sentido, a Justiça Comum não tem competência para impor a um militar, praça, condenado por violação a Lei de Tortura, ou mesmo, em razão de violação de tipo penal previsto em lei especial, a perda da graduação. A competência desta decisão pertence ao Tribunal Militar, ou nos demais Estados da Federal ao Tribunal de Justiça.

Novamente, apesar da clareza do texto constitucional, os Tribunais Superiores não têm compartilhado deste entendimento. No entender dos Pretórios, a Justiça Militar, Tribunal Militar, somente poderá decidir sobre a perda da graduação das praças no caso de crimes militares. A prática de crime comuns autoriza que o Juiz de 1ª instância possa decidir na forma de pena acessória ou até mesmo principal pela perda da função do servidor militar. A leitura atenta das lições de Álvaro Lazzarini evidencia que esta não foi a intenção do legislador constituinte originário.

Além disso, esta garantia restrita pelos entendimentos dos Tribunais não tem sido estendida aos militares das Forças Armadas, que em atendimento as disposições do art. 5 º, caput, da CF, princípio da igualdade, deveriam receber o mesmo tratamento.

4. Considerações finais

A questão exposta deve ser analisada em conformidade com a pretensão do legislador constituinte, que teve por objetivo assegurar ao militar, que fica sujeito ao tributo de sangue, ou seja, que deve cumprir suas funções até mesmo com o sacrifício da própria vida, prerrogativas que são necessárias para se evitar influências políticas ou mesmo pressões que possam prejudicar o cumprimento das missões estabelecidas pelo texto constitucional.

Por fim, deve-se esclarecer que as prerrogativas não significam guarida a impunidade, uma vez que os Tribunais Militares tem decidido pela perda do posto ou patente e mesmo da graduação das praças no caso em estes militares violaram os preceitos que juraram cumprir.

O respeito a competência estabelecida na CF é fundamental para se evitar decisões contraditórias que possam no futuro trazer prejuízos para o erário público, ou mesmo para a população, destinatário dos serviços de segurança púbica e nacional.

A paz social somente poderá ser preservada com a resolução dos conflitos em conformidade com o devido processo legal, que é uma garantia estabelecida na Constituição e nos Instrumentos Internacionais que foram subscritos pelo Brasil.

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