Princípio da Inocência como Garantia

Com a promulgação da Constituição de 1988, o direito administrativo militar, que trata das questões disciplinares relacionadas com os integrantes das Forças Armadas e Forças Auxiliares, vem passando por transformações em decorrência do disposto no art. 5o, da CF (direitos e garantias fundamentais do cidadão).

O militar (federal ou estadual) possui os mesmos direitos que são assegurados ao civil, quando é levado a julgamento perante seus pares em decorrência da prática de um ato ilícito (administrativo, penal ou civil). Existem certos postulados previstos na CF que não são observados pelas autoridades administrativas quando da realização dos julgamentos.

O art. 5o, inciso LV, da CF, assegurou aos acusados em processo judicial ou administrativo a ampla defesa e o contraditório, o que significa que o militar não poderá ser punido ou perder seus bens sem que lhe seja assegurada a observância dos princípios constitucionais.

A defesa prevista na CF impede a existência de um processo meramente formal, que tenha por objetivo apenas dar uma aparência de legalidade. O processo deve ser efetivo com a participação do defensor e do acusado em todos os atos, sendo que a presença do militar não é facultativa, mas obrigatória sob pena de nulidade do ato.

A legalidade é um princípio que deve ser seguido pela administração pública, art. 37, caput, da CF, sendo que este dispositivo em nenhum momento excluiu a administração pública militar. As normas administrativas militares (decretos, portarias, resoluções e outras) foram recepcionadas pela CF de 1988, mas existem dispositivos (artigos, incisos, alíneas) que não foram recepcionados por contrariarem as garantias previstas no art. 5o, da CF.

A defesa da aplicação dos princípios do devido processo legal e da inocência no direito administrativo militar ainda é uma novidade. Nesta área, existe o entendimento segundo o qual a autoridade administrativa militar possui discricionariedade no julgamento dos seus subordinados. Na dúvida, quando da realização de um julgamento administrativo onde o conjunto probatório é deficiente, não se aplica o princípio in dubio pro administração, mas o princípio in dubio pro reo, previsto na Constituição Federal e na Convenção Americana de Direitos Humanos, que foi subscrita pelo Brasil.

No direito penal, ninguém pode ser condenado sem a existência de provas concretas que demonstrem a autoria e a culpabilidade. O jus libertatis é um direito fundamental do cidadão, não admitindo meras ficções para ser cerceado. A prova é feita de forma dialética, devendo existir igualdade entre defesa e acusação na busca da verdade dos fatos. No campo disciplinar, assim como ocorre no direito penal, vige o princípio da verdade real, e não formal, como ocorre no processo civil.

O direito administrativo militar é um ramo autônomo do direito, e possui seus próprios fundamentos e princípios, mas estes guardam estreitas relações com o direito penal, sendo que muitas faltas administrativas podem levar a um processo crime perante as auditorias militares. O militar que cometer uma transgressão disciplinar poderá ter o seu jus libertatis cerceado por até 30 dias em regime fechado, devendo permanecer no quartel até o cumprimento da punição.

No processo administrativo, a prova da acusação é feita pelo próprio órgão julgador, o que lhe retira a imparcialidade necessária para a realização da Justiça. Para aplicação do devido processo legal seria necessário a instituição da figura do oficial acusador, que ficaria responsável pela colheita dos elementos de prova da culpabilidade do agente, o que permitiria ao oficial julgador ter isenção no momento do julgamento.

No curso da instrução probatória, podem surgir dúvidas quanto aos depoimentos colhidos, que não levam à certeza da autoria ou materialidade da transgressão disciplinar, o que não autoriza a prolação de um seguro decreto condenatório. A transgressão disciplinar exige a comprovação da autoria e materialidade, sob pena de se estar praticando excesso ou até mesmo uma arbitrariedade. A manutenção da hierarquia e da disciplina deve ser feita em conformidade com os princípios da legalidade e do devido processo legal, para que o Estado democrático de Direito não seja violado.

A ausência de provas seguras ou de elementos que possam demonstrar que o acusado tenha violado o disposto no regulamento disciplinar leva à sua absolvição com fundamento no princípio da inocência, afastando-se o entendimento segundo o qual no direito administrativo militar vige o princípio in dubio pro administração, que foi revogado a partir de 5 de outubro de 1988.

A Constituição Federal, no art. 5o, inciso LVII, dispõe que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Deve-se observar que o art. 5o, inciso LV, preceitua que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Com fundamento nos dispositivos constitucionais, fica evidenciado que o princípio da inocência é aplicável ao direito administrativo militar. A ampla defesa e o contraditório pressupõem o respeito ao princípio do devido processo legal, no qual se encontra inserido o princípio da inocência. As questões administrativas que envolvem punições (sanções) não são mais meros procedimentos mas se tornaram processos. A CF igualou o processo judicial e o administrativo e assegurou as mesmas garantias processuais e constitucionais aos litigantes em questões administrativas (civis ou militares).

A autoridade administrativa militar (federal ou estadual) deve atuar com imparcialidade nos processos sujeitos a seus julgamentos, e quando esta verificar que o conjunto probatório estampado nos autos é deficiente deve entender pela absolvição do militar. A precariedade do conjunto probatório deve levar à absolvição do acusado para se evitar que este passe por humilhações e constrangimentos de difícil reparação, que poderão deixar suas marcas mesmo quando superados, podendo refletir nos serviços prestados pelo militar à população, que é o consumidor final do produto de segurança pública e segurança nacional.

Devido à estrutura adotada nos processos administrativos militares, onde existe uma mistura entre a figura do acusador e a do julgador, fica difícil a absolvição do acusado com fundamento no princípio da inocência. Além disso, em muitos casos, ainda existe uma confusão entre discricionariedade e arbitrariedade. A primeira fica sujeita ao princípio da legalidade e da moralidade previstos no art. 37, caput, da CF. A liberdade do administrador deve se pautar pelo respeito à lei, porque este foi o sistema adotado no país. Para se evitar possíveis arbitrariedades no campo administrativo militar se faz necessária a edição de uma lei que trate dos princípios e normas que devem ser observadas nos julgamentos.

O princípio da inocência é uma realidade do processo administrativo militar e deve ser aplicado pelo administrador quando o conjunto probatório impeça a prolação de um seguro decreto condenatório. A justiça é elemento essencial de qualquer instituição, pois somente com a observância do devido processo legal e das garantias constitucionais é que se pode alcançar os objetivos do Estado Democrático de Direito. O respeito à lei em todos os seus aspectos é condição essencial para a construção de uma sociedade justa, fraterna e livre da violência e das desigualdades sociais.

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