ALDRAVIPEIA
Aldravipeia
Andreia Donadon Leal
LÁGRIMAS
I
apaixonadas
torrentes
lacrimais
olhos
saudade
poesia
II
compreensão
lacrimais
versos
carpidos
desafinam
linométricas
III
fino
choro
finíssima
lágrima
orvalhada
alma
IV
fio
aquoso
fiapo
sentimental
finíssimo
choro
V
líquido
lacrimal
transborda
dor
ou
alegria
VI
lágrimas
inundação
devastadora
de
alma
transborda
VII
quentes
lágrimas
evaporam-se
verão
finda
primavera
VIII
lágrimas
regam
flores
sobre
solo
pedregoso
IX
seus
olhos
molhados
espargem
alma
ressecada
X
choro
fingido
palavras
molhadas
lágrimas
cenográficas
XI
tristeza
particular
alegria
pública
comunicado
lacrimal
XII
sonhos
lágrimas
vêm
e
vão
?
XIII
lágrima
fala
o
que
voz
embarga
XIV
lágrima
divina
ora
brilho
ora
mistério
XV
lágrima
alma
refletida
espelho
de
espelho
XVI
lágrima
cristalina
sombra
de
mistérios
interiores
XVII
vela
choras
lágrimas
de
ceras
crentes
XVIII
lua
gerânios
ciclos
lágrimas
espinhos
fases
XIX
corpo
sem
pouso
lágrima
sem
rosto
XX
concebida
no
espírito
lágrima
nasce
água
SOBRE A ALDRAVIPEIA:
Imaginando a possibilidade de um relato poético instaurar a construção não de um herói, persona divinizada, mas de um tema heróico, grandioso, capaz de elevar uma palavra da simples condição de palavra simples à de palavra grávida de sentidos heróicos e grandiosos, apresentamos a possibilidade de construção de um conjunto de aldravias temáticas, ao qual se designará por aldravipeia, conjunto de 20 aldravias dedicadas a uma palavra, que deverá aparecer ou ser aludida em todas as aldravias desse conjunto.
Não se trata de uma nova narrativa, mas de uma nova formulação de texto que utiliza um conjunto definido de uma forma poética específica, a aldravia, colocando em destaque um conceito, um nome, um lugar, um sentimento, uma sensação, explorando a polifonia, isto é, a multidão de sentidos que explodem de cada palavra de uma língua.
As possibilidades de exploração de sentidos diferentes de uma palavra são experimentadas cada vez que nós percebemos universos discursivos diferentes. Azul para o universo discursivo de um aeronauta pode ter sentido de céu aberto; mas pode ser possibilidade de emprego, se assumir o sentido de empresa aérea; pode representar a monotonia de uma longa viagem, a estabilidade de um voo sem turbulência, o poder do pássaro, a alegria da vastidão do céu ou a tristeza de ser minúsculo nessa mesma vastidão; o pavor de ter azul acima e negritude na barriga do avião. Que dizer então de multidão de sentidos de azul nas religiões, nos símbolos nacionais e institucionais, nos esportes, nas artes, nos sentimentos. Não importa a palavra; todas são polifônicas; todas têm inúmeros sentidos. Para construir uma aldravipeia, basta experimentar uma palavra em lugares e situações diferentes, compondo 20 aldravias a partir de uma mesma palavra.
O nome aldravia foi sugerido por Andreia Donadon Leal em 2010 e agora, inspirada no livro transmutações de Gabriel Bicalho, construído por aldravias dedicadas à palavra pedra, publicado em Germinais (2011), primeiro livro mundial de aldravias, essa inventora de palavras propõe aldravipeia para designar o conjunto de 20 (vinte) aldravias dedicadas a uma palavra. Em 20 aldravias, uma palavra poderá ser experimentada em 20 diferentes universos discursivos. Bom sempre lembrar que a aldravia é um poema autônomo, de seis versos univocabulares, e deverá manter sua autonomia e unicidade, mesmo quando faz parte de uma aldravipeia. (Dr.J.B.Donadon-Leal)