O que é sonetorto

O que é sonetorto?

Antes de entender o que é um sonetorto precisamos entender bem o que é um soneto. Então, sejamos didáticos para evitar confusão (vai ficar grande, mas espero que tenham um pouco de paciência e consigam ler tudo): em linhas gerais, soneto é um poema nascido na Itália, geralmente feito para ser cantado. Variou de forma, até ser fixado pelo florentino Francesco Petarca como um poema de catorze versos divididos em dois quartetos (estrofes de quatro versos) e dois tercetos (estrofes de três versos) que tem versos de dez sílabas poéticas. Exemplifico com um soneto de Gregório de Mattos:

Ao braço do mesmo menino Jesus quando appareceo.

O todo sem a parte não é todo,

A parte sem o todo não é parte,

Mas se a parte o faz todo, sendo parte,

Não se diga, que é parte, sendo todo.

Em todo o sacramento está Deus todo,

E todo assiste inteiro em qualquer parte,

E feito em partes todo em toda a parte,

Em qualquer parte sempre fica o todo.

O braço de Jesus não seja parte,

Pois que feito Jesus em partes todo,

Assiste cada parte em sua parte.

Não se sabendo parte deste todo,

Um braço, que lhe acharam, sendo parte,

Nos disse as partes todas deste todo.

O poema acima é um exemplo da forma clássica do soneto. Surgiram outras. Apareceu o soneto inglês (ou Shakespeariano): três tercetos e um dístico (estrofe de dois versos versos). Há o soneto monóstrófico, em que há uma só estrofe, como o nome diz. Os 14 versos ficam todos juntos. Esses são os sonetos mais conhecidos. Há outros por aí. Alguns reconhecidos como sonetos, outros não. Um deles, de minha autoria, escrito no início da minha briga com as palavras, me levantou um "por quê?"que me atormentou por um tempos considerável. Mostro-lhes o poema antes, explico o porquê depois:

Tec Tecla

tectectectec xiiiiiiiu pá!

Indo e voltando,

pra lá e pra cá.

tectectectec xiiiiiiiu pá!

De novo, mais uma vez

bate aqui e acolá.

Coisa das antigas

é que faz a rima boa

diz a velha poesia

da menina da garoa.

Menina virou moça

e continua o tec tec

as teclas são outras

mas continuam tectec

Dija Darkdija

Esse foi um poema de 2010, quando eu estava começando a me aprumar na poesia (Até que não é tão ruim pra quem tava começando, não acham?). E para deixar provas, o link da postagem está aqui:(clique aqui para ler). Nesse post, como puderam ver os que clicaram no link, recebi o seguinte comentário: "Olá Dija, gostei do teu tectec, um texto hilariante, mas quanto a soneto deves mudar a posição das quadras e dos tercetos e usar a rima, quanto á metrica é outra historia. obrigado pela tua visita e volta sempre. abraço (insiraonomedocomentaristaaqui)". E eu, como iniciante, fiquei simplesmente me perguntando: "por quê?". "Por que eu precisava mudar a posição? Um soneto não era simplesmente dois quartetos e dois tercetos? Ninguém nunca disse que eles precisam ser necessariamente nessa ordem,e eu não gosto de ficar imitando todo mundo, gosto é de inventar minhas próprias coisas. E por que eu devo usar a rima? E se isso tudo é tão restrito e fixo assim por que a métrica é outra história?" e muitos outros porquês. Então, resolvi me agarrar ao argumento de "nunca vi que é necessariamente nessa ordem" e continuei escrevendo os "sonetos esquisitos". Bem, o argumento foi derrubado algum tempo depois. A forma do soneto clássico tem que NECESSARIAMENTE com os quartetos ACIMA dos tercetos, ou pelo menos, é o que dizem os mais entendido de soneto que eu. E então me perguntei: "então, se aquilo não era soneto, o que era? Um soneto torto?" Bem, era um sonetorto, ao menos, foi o que minha mente maluca me respondeu de cara. E saí procurando o neologismo que veio quase naturalmente. Achei-o uma vez na internet, uma única vez, em um único texto (esse aqui) que não tinha nada a ver com o que eu escrevia. O que podemos dizer, então, é que estou batizando uma outra forma de se fazer sonetos como "Sonetorto" e que esta forma já existe há muito tempo, em potencial, rebaixada a "soneto imperfeito", "defeituoso" ou "esquisito" por não seguir as regras clássicas nem as modernas, quando às vezes é uma obra de qualidade e inovação (às vezes, afinal, ninguém é perfeito).

Dito isso, explico-lhes o que é um sonetorto: um sonetorto é um soneto reinventado. Esquisito? Sim. Esquisito, à primeira vista. É soneto e não é soneto. Não é mais um soneto e de dois quartetos, dois tercetos, e sim um soneto sem preocupação com as regras do soneto clássico de quartetos primeiro, tercetos depois, progressão, métrica, rimas e todos os afins que as formas clássicas e já fixadas de soneto possuem. Simplesmente isso. A única preocupação do sonetorto é simplesmente burlar as regras do soneto e manter (ou talvez aumentar) a qualidade poética. Não é preciso burlar isso tudo ao mesmo tempo para se fazer um sonetorto, e talvez isso não seja sempre possível. Revoltado? Desregrado? Sim, e não. Ele tem uma única regra e ela é bastante clara e simples: "entortar" as formas canônicas do soneto, em um ou em vários aspectos, colocando sempre a qualidade artística acima do respeito às regras e dos métodos, que por vezes ajudam, e por muitas outras vezes atrapalham, estrangulam, amputam e acabam matando a arte na criação de um poema.

Querem exemplos? Dou 3 dos meus. O resto é com vocês.

1- "Entortando" a ordem das estrofes, disposição dos versos e progressão do tema.

Sonetorto pseudo-reflexivo

No espelho o reflexo dos meus erros.

É complexo do convexo não ser teu.

É amplexo do léxico dos meus berros.

O desleixo do seu sexo, penso eu

É disléxico fragmento de um breu,

Refletido na aurora penumbral

O limite do inverso do meu eu

O limite do inverso do meu eu

Refletido na aurora penumbral

É disléxico fragmento de um breu,

O desleixo do seu sexo, penso eu.

É amplexo do léxico dos meus berros.

É complexo do convexo não ser teu.

No espelho o reflexo dos meus erros.

O poema progride até certo ponto, mas regride no seu "reflexo". E a ordem das estrofes é diferente da clássica, os tercetos estão entre os quartetos, um de frente para o outro. Reflexos de si mesmos.

2- "Entortando" a métrica

Mancha de Caronte

Em versos mui Quixotescos

Passeio por minhas feras,

Enfrento minhas quimeras

E vejo meus eus grotescos.

Demônios em arabescos,

Restos de antigas eras

Presentes nas multiesferas

Das catedrais e afrescos.

O erro que se desbota

Em si mesmo se esgota.

- Cria antiga do meu eu.

Na lira, canção de orfeu.

Desprende-se a grande nota

Em procura de resposta.

"Simples mente, morreu."

Nesse poema resolvi focar o ritmo próprio no qual o poema foi se configurando. E nessas horas, o poema geralmente não me dá espaço para ficar pensando em decassílabos, tônicas, átonas e enfim, aquela coisa toda. Ele me dá uma melodia a seguir. Eu sigo.

3 - "Entortando" tudo.

SONETORTO

soneto sem ser soneto

torto nas retas dos retos

reto nas retas dos tortos

(sou soneto sonetorto

sendo eu reto ou torto

soneto não sonolento

vim recriar o invento

soneto não sonolento

sendo eu reto ou torto

sou soneto sonetorto)

reto nas retas dos tortos

torto nas retas do retos

soneto sem ser soneto

só posso ser sonetorto

Juntando as duas possibilidades e outras, há muitas formas de entortar um soneto. Essas foram apenas três.

Repetindo: o propósito do sonetorto é libertar-se da forma canônica, já aclamada, vista e revista, "entortando"-a sem perder a qualidade poética. Difícil? Sim, afinal. E não. Afinal, quem disse que a poesia é fácil? E quem disse que é impossível? A poesia depende de cada um. De que forma? Da forma que cada um preferir. Quais são as outras possibilidades? Infinitas, talvez. Delas, só os poetas sabem. E aí, aceita o desafio de sair "entortanto" sonetos por aí? rs

Dija Darkdija

Dija Darkdija
Enviado por Dija Darkdija em 13/06/2012
Reeditado em 13/06/2012
Código do texto: T3721384
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