Metapoetrix

Estudo o Metapoema há algum tempo. Ele consiste na construção da poesia sobre a poesia, em sua essência. Podemos dizer que é o conhecimento do fazer poético e de suas intrincadas engrenagens. Ou ainda, poema onde o autor reflete sobre a sua poesia e o processo de criação.

Vejamos um fragmento do poeta João Cabral de Melo Neto.

“Eu penso o poema

da face sonhada,

metade de flor

metade apagada.

O poema inquieta

o papel e a sala.

Ante a face sonhada

o vazio se cala.”

Poema da Desintoxicação. “Eu penso o poema da face sonhada, metade é flor, metade apagada”. Parece que o autor tinha à mão, um rosto definido, íntimo. Talvez o próprio.

É interessante o contraponto entre metade é flor, metade apagada. É como se ele o visse no lusco-fusco; ora cara, ora coroa. O poema fala por ele e não o contrário.

As rimas caminham como uma marcha batida, marcada. Ecoam em nossas mentes, reverberam numa arquitetura poética pensada no todo e não apenas nos versos.

Outro fragmento. Agora, de Fernando Pessoa.

“O poeta é um fingidor

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.”

O poema “Autopsicografia” nos intui a questionar a intenção do autor ao escrevê-lo. Ele nos obriga a refletir sobre a criação da própria arte. Parece-nos que o autor sugere a dor da criação, aquela que sente ao ter que fingir algo que não sente, no seu processo criativo. Estes versos nos levam a questionar a intenção do autor ao escrevê-los. Nos impulsionam a questionar sobre a criação da própria arte. Ele espelha, de forma explícita, o que seja Metapoesia.

Estou trazendo para o Poetrix a novidade, sobre a qual falarei a seguir, porque acredito que seja uma ferramenta interessante que poderá auxiliar neste processo de crescimento e popularização do Poetrix como arte minimalista. Além de ser um grande desafio, por se tratar de um terceto tão conciso.

Os dois exemplos que acabei de mencionar, de Fernando Pessoa e João Cabral, vão embasar a minha ideia, porque ela foi inspirada e está contida, de alguma forma, na teoria da Metapoesia.

Pois bem, sempre digo que o Poetrix está longe do seu apogeu, ainda que já percorridos quase 25 anos desde o seu nascimento. Por costume, estudo e pesquiso novas formas e estruturas para divulgá-lo, inclusive, nas redes escolares de primeiro e segundo graus.

Ainda que, experimentalmente, quero apresentar o que ouso chamar de Metapoetrix. Uma construção poética que sempre incluirá uma avaliação ou exame do próprio poetrixta. O autor nos falará sobre o poema, sobre ele mesmo e/ou o seu processo de criação.

Para mim, este é um processo delicado, pois a maioria dos autores não é afeita a falar de suas criações. Acham eles que as avaliações devem ser feitas por críticos literários, ou pelo leitor. Penso que, no Metapoetrix, o autor pode analisar o próprio poema, pode se tornar até um atrativo especial.

Na minha avaliação, a nova fase do Poetrix é uma demonstração cabal da evolução e crescimento do terceto de modo geral. Penso também que a modalidade, que agora proponho, difere sim do que é proposto pelas Novas Diretrizes, porém, pode ser, ainda mais, instigante e criativa para o nosso dia a dia. Em um processo evolutivo… muitos caminhos podem ser possíveis. Reitero a minha visão de que o Poetrix ainda não atingiu o seu ápice.

É cristalino dizer que no Poetrix, como um terceto conciso por natureza, esse processo deve ser bem mais complicado, até pela condição de que não podemos ultrapassar as 30 sílabas poéticas, sendo um dos pontos que o caracteriza e lhe dá forma.

Abaixo, dois exemplos, dos Poetrix que chamo de clássicos, de minha autoria. Vale esclarecer que chamo de clássicos os Poetrix que seguem as regras da Bula Poetrix e não das Novas Diretrizes.

Natal

de um lado, eu - do outro

negros vultos - meninos

estendem as mãos e nada!

Do processo criativo.

Vejam como os versos estão contidos no terceto em questão. Percebam como eles se entrelaçam e se completam de forma harmônica e delicada.

1º) verso -> de um lado, eu

2º) verso -> do outro negros vultos

3º) verso -> meninos estendem as mãos e nada!

Reconheço que esse arranjo não é comum em tercetos. Ele não é usado como se faz em um Poetrix atual.

É mais delicado, porém os versos se entrelaçam como se formassem uma rede.

Ainda assim, na sua essência, este poema nos oferece uma linguagem intimista, seja através dos seus versos ou dos significados que eles representam.

Colombo

deserto - alto mar - santa

maria, pinta e niña - caravelas

Salvador, Dalí, não as viu

Outros exemplos de Metapoetrix de minha autoria. Agora conforme as Novas Diretrizes.

Embaçados

olhos esmanecidos - nus

eu e ela, frente e verso

desejei, apenas, roçar os seios

 

Foto

beijo colado na boca - menina

lábios de mel - Flor de Lis

garota presa na moldura

Lar-doce-lar

no silêncio da rua - vago -

entre uma casa e outra - sigo -

de pé em pé… até o brejo

Algumas considerações sobre o Metapoetrix Lar-doce-lar.

No primeiro verso digo “no silêncio da rua - vago”.

O segundo verso pode, inclusive, ser lido como: “- vago entre uma rua e outra - sigo”. Isto para reafirmar o que disse no primeiro verso. Mas não precisa ser, necessariamente, lido assim, em "conjunto".

É importante observar que a palavra “vago” pode ser lida duas vezes, ela tem dupla função no texto. Mas também posso ler: “entre uma casa e outra - sigo”.

O terceiro verso também pode ser lido, assim: “- sigo de pé em pé… até o brejo.  Mas também pode ser lido de forma independente.

Vejam que não se trata de uma leitura ao pé da letra e sim uma leitura como eu gostaria que fosse. Por isso digo: “Não basta haver uma poesia, e sim, é necessário haver imaginação para encaixá-la na forma artística e ser considerada arte.”.

Também pode ser entendido/lido de uma forma mais usual.

Lar doce lar

no silêncio da rua vago

entre uma casa e outra sigo

de pé em pé até… o brejo

Veja que não mudei a grafia, e sim, o processo criativo. No mais, a essência do poema não foi alterada em nada.

Em tempo… O Metapoetrix exige que os poetrixtas compartilhem em suas narrativas poéticas os seus anseios pessoais e/ou o seu processo criativo, o que pode ser feito de forma explícita ou não. Ele estabelece uma conexão firme entre o autor e o leitor. Essa ligação tende a ultrapassar os limites da linguagem usual, porque às vezes uma determinada palavra precisa ser lida mais de uma vez para que a narrativa faça sentido. Essa leitura pode acontecer, também, na mente do leitor, sem precisar ser verbalizada, pode ficar armazenada no subconsciente.

O Metapoetrix se torna mais complexo, como já disse, por se tratar de um poema minimalista por excelência. A obrigatoriedade dos três versos restringem a trama. Outro grande problema que vejo é a limitação das trinta sílabas poéticas permitidas no Poetrix, o que não ocorre nos poemas mais longos. Isto dificulta a elaboração da argumentação poética. Para complicar ainda mais, o autor tem que estar atento às seis propostas para o próximo milênio, de Ítalo Calvino. Com tudo isto, quero acreditar que o Metapoetrix traz em seu bojo uma oportunidade ímpar para o autor de expressar, de forma poética, suas alegrias, suas crenças, os seus medos e até, quem sabe, suas frustrações, como também o seu processo criativo.

Creio que quase todos querem saber como são os processos criativos de cada autor.  E que cada autor, de alguma maneira, queira falar de si....

Desafios lançados.

… E viva a poesia!!!

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 07/02/2024
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