Dois sonetos marginais (e antigos também, como eu)

I

A noite tem janelas e amplidões,

tem passos ébrios, fortes, impassíveis.

É um reino de estúpidas diversões,

um circo de acrobacias falíveis.

Tem antenas atentas em seus plantões

que captam poemas taquicardíveis.

Os bares guardam bêbados foliões

e leões de corações comestíveis.

Eu bebo à noite e a este vão momento,

na minha embarcação subjetiva

que naufraga em árduo questionamento.

Saúdo aos que erguem o copo e bradam um viva,

depois mergulham em um negro pensamento,

reféns da existência sempre à deriva.

II

Passamos em silêncio além da ponte,

a tarde nos sussurra outros caminhos.

Não esperamos que um deus nos aponte

um lugar, abandonamos os ninhos.

Nossa missão é nunca mesmo estar,

é ir seguindo sem portos seguros

e inventar o nada, e reinventar

projetos, amanhãs e outros futuros.

Heráclito não mergulhou no rio

por duas vezes, pois tudo é incerteza.

O ser também é puro desvario

e vai na onda impetuosa e tesa,

e vai passando, e segue anos a fio,

nadando sim, mas contra a correnteza...

Vagner Rossi
Enviado por Vagner Rossi em 20/03/2017
Código do texto: T5947158
Classificação de conteúdo: seguro