"PRISIONEIRO DA EUTANÁSIA" De:Flávio Cavalcante e Fábio Aiolfi

PRISIONEIRO DA EUTANÁSIA

Peça teatral

de:

Flávio Cavalcante & Fábio Aiolfi

ROLL DO PERSONAGENS

FLÁVIO

FÁBIO

Sinopse

A profundidade do sentimento mais nobre no ser humano é algo estupefato, pelas formas que ele germina em cada ser e se ramifica diferentemente fazendo cada um sentir a mesma coisa, mas com reações variadas. O que impressiona é que este sentimento é único de várias formas em vários corpos humanos e provoca reações de adversidade temerária e contumaz.

Trata de uma briga eterna do eu exterior com o eu interior, onde o vencedor não existe e resulta nas reações vis e perturbadoras que vai aos poucos criando um mundo á parte de destruição de si próprio. Uma guerra sem fim.

Somos uma ilha que ninguém mais tem acesso. O equilíbrio de estar inundada ou não, depende da maneira de enxergar além do horizonte. Nesse lugar é o âmbito de nosso eu, onde existe o baú de nossa vida e onde podemos ter acesso a todos o sentimento da alma.

Contamos a história de um homem, vítima de sua própria insensatez, que mora nesse mundo próprio e desolado, onde sua briga é constante com o seu eu, movido por vários motivos que envolvem também o grito de uma sociedade hipócrita, crucificando-o por um ato de sentimento homossexual. De viver escondido acusando ele mesmo de um crime que não cometeu. Ou será que cometeu?

As grades de uma prisão quase deixando-o em estado de loucura é amenizada com a ajuda de seu companheiro que discordando dessa guerra interior, tenta ajudá-lo, fazendo-o lembrar de momentos inesquecíveis na vida dos dois.

É uma peça teatral onde mostramos uma bela história de vida entre duas pessoas do mesmo sexo que compartilham momentos de amor. Sendo que nem tudo na vida é feito de flores e há momentos em que mesmo com todo amor acumulado dentro do peito, temos que tomar atitudes, sabendo-se consciente de que irá atingir a toda uma estrutura hipócrita e mesquinha, refletindo em cobranças homéricas, levando a vítima dos falatórios á um calvário e crucificando-o, fazendo com que se sinta culpado por um ato que não tinha outra forma que viesse trazer toda uma felicidade para ambas ás partes.

PRISIONEIRO DA EUTANÁSIA.

Essa história vai mexer com você

BOM ESPETÁCULO PARA TODOS

Cena escura, a sonoplastia libera uma música de tensão. Murmúrios incompreensíveis e gritos tomam conta cena. A iluminação joga fachos de luz, mostrando o Fábio deitado se contorcendo em várias posições como em um pesadelo. Várias luzes de cores variadas inundam a cena como em loucura. Um foco de luz recai sobre o Fábio. A luz vai clareando gradativamente

FÁBIO

(Expressão de revoltado). A vida cortou um sonho... Um sonho apagado diante de mim... Destruí todo o meu sonho que ainda restava e também a minha vida... (Transição). Cadê Deus nessa história de vida? Aliás, nesta merda de vida que eu tenho e não consigo ter uma concepção digna de um tal criador que não quer me ouvir... Pra que da minha existência, se hoje tenho a incapacidade de ser um ser humano igual a um porco que vive na lama fuçando dejetos... (Pausa. Transição). Como pode empunhar dentro deste peito a vontade de amar ao próximo se me vejo cara a cara diante da morte? Sinto-me fraco, sem alma, sem perdão. E será que existe mesmo um Deus? (Ri contido). Um Deus que esquece um verme bastardo que ele chama de filho? (Revolta). Tiro minhas palavras de um vernáculo chulo e sem conteúdo que eles dizem que foi escrito por este tal criador e que contém amor... (Dá uma gargalhada). E no entanto esta merda de destino me põe nesta situação e agora estou me deparando com a morte querendo me abraçar. (Transição. Sério). Com um abraço gelado, e doloroso... (Berra) Cade você oh, Deus? Me crucifica e me condena por causa desse destino que você pôs em minhas mãos... Onde eu tenho que me prender nessa punição. Onde serei punido por não ter escolha! (Acende uma barra de ferro. Transição. Fábio olha espantado. Transição). O que é? Tá querendo me aprisionar? (Acende outra barra). O que é isso? (Fábio olha assustado. Transição ameno e com medo). Não! (Com expressão de quem vai chorar) Não pode ser assim! (Desesperado põe a mão na cabeça) Não! Eu não tenho culpa de ter que viver num mundo de ilusões, onde eu fui o autor e agora estou sendo o réu, devido a este fardo que você chama de destino... (Acende outra barra. Transição revoltado). Pode me prender... Estou vazio para o mundo que você criou... Não estou nem aí pra este povo que se diz amigo e foi fruto de sua criação... Uma corja... (Aos berros). Porcos imundos...(Acende outra barra. Transição começa a urrar). Um destino desgraçado que quer me consumir. (Chorando) Quer me matar! (Transição. Humilde e choroso). Você pode até me destruir... Me aprisionar... Mas você nunca vai conseguir tirar esse amor plantado... (Bate nos peitos). Aqui, oh... (Transição em prantos). Posso ficar aprisionado o resto da minha vida... Uma condenação justa pelo ato bruto que cometi... (Transição limpando as lágrimas do rosto com as mãos). Só quero que me ouça em um último apelo... Não quero ficar sozinho nessa grade... Nem quero virar mulherzinha desses bandidos periculosos sedentos de sexo. Apenas quero o homem que eu amo do meu lado... (Transição). Olha pra eles, não ta vendo? (Transição). Querem cheirar a carne nova e querem me devorar... Estou com medo... Não posso ficar sozinho! Sinto um vazio... Uma dor... E sem o homem que amo, não seguirei adiante. Já sou culpado, e fui aprisionado... O que quer mais? Me foder? (Transição como um louco) Sai daqui... Sai de perto de mim! (Em estado de loucura). Eu tenho medo... Aqui tem ratos e baratas... Me deixa em paz... sai daqui... sai daqui me deixa em paz, já pedi... sai , (Berra) Sai daqui... sai... sai... sai... Saaaaiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii... (Cai em prantos. A sonoplastia libera uma música que vai aumentando gradativamente até cobrir a voz do Fábio. A luz vai diminuindo em resistência até em black-out. A luz vai clareando também em resistência. Gelo seco inunda o ambiente e o cenário é uma conotação de prisão, onde as barras de ferro da cela são mostradas por lanternas distribuídas de 20 em 20 cm e acesas para cima, o efeito da prisão sé dá com uma leve fumaça de gelo seco no ambiente. Em cena está o Fábio meio que alucinado e ouvindo várias vozes em tumulto. Fábio procura de onde vem as vozes).

FÁBIO

(Alucinado com expressão de louco). Não... Não... Não... (Em um canto de parede está o Flávio, seu companheiro sentado fumando um cigarro).

FLÁVIO

Pára, Fábio...

FÁBIO

(Colocando as mãos no ouvido e andando de um lado para o outro). Não... Não... Não...

FLÁVIO

Pára, Fábio... Não vai adiantar ficar assim andando de um lado para outro... (Vozes povoam a mente do Fábio, acompanhado de sonoplastia e uma luz vermelha dando vários flashs).

FÁBIO

(Com o nada). Vocês não existem... (Transição). Por acaso, você está ouvindo o que eu estou ouvindo? Eu vou fugir... Eu vou fugir... (Transição). Vai me ajudar?

FLÁVIO

Não...

FÁBIO

(Espantado). Não? Como não? É assim que você diz que me ama, Flávio...

FLÁVIO

(Alterado). Sim... Por lhe amar demais, não estou aqui pra ver você do jeito que tá... Só porque deu ouvidos a essa sociedade hipócrita e mesquinha, que ainda carrega a barbárie de uma mente retrógrada. (Transição. Amável). Tinha que ser feito... Não tinha outra forma... Ou você via outra forma? Uma luz no fim do túnel... (Transição). Fala, Fábio! (Pausa. Fábio por um ínfimo momento se cala. Transição). Não tinha outra forma a não ser... Abrir os caminho para serem seguidos... Uma espécie de Liberdade... Sair do tormento da dor e voar como um passarinho até a eternidade. Você fez mais do que certo...

FÁBIO

(Quase em choro). Eu não fiz nada de certo... Meu amor... Não dá pra você entender que eu fui contra ás leis de Deus?

FLÁVIO

Você é quem está falando... Sendo ele o criador... Ele já te perdoou por causa disso... Com muita certeza, ele não ia admitir que houvesse tanto sofrimento num fruto de sua criação...

FÁBIO

Mas Deus é claro, Flávio. E o homem não pode querer ser Deus. Ninguém tem o direito de tirar a vida de ninguém... Por mais que o enfermo faça esse pedido... Você não entende isso que eu tou falando, Caramba? Não posso admitir que eu fiz uma façanha tão macabra, na vida... (Transição). Eu sou uma pessoa do bem... A vida é como em um tabuleiro de xadrez! Somos as peças, e por um passo do destino: Boommm... Xeque Mate!

FLÁVIO

Tudo bem... É a sua opinião... Deus não iria se incomodar por você ter aliviado o sofrimento de um infeliz. Agora o que não dar é você ficar choramingando por causa de uma situação que era insustentável...

FÁBIO

Insustentável? Como pode saber se era insustentável ou não? O próprio Deus, agonizou na cruz até o último minuto de sua vida. Temos que lutar até o fim pra viver,assim como ele fez... Até o último momento. (Transição). Claro que Deus se incomodou com a minha falha. Estou aqui me castigando até agora por isso. Se ele não se incomodasse, ele teria levado o infeliz na mesma hora... Mas eu tomei a atitude primeiro que ele... (Transição). Olha! As vozes estão sumindo dos meus ouvidos... (Transição). Deus ama seus filhos, Flávio... Se tava existindo um sofrimento na hora que provoquei tudo aquilo, como poderemos saber se não era um castigo vindo dos céus?

FLÁVIO

(Aos berros). Isso é o que essa igreja mesquinha prega pros seus fieis... (Transição). E o pior é que eles acreditam... (Transição). Espere aí... Finalmente você está de qual lado, Fábio?

FÁBIO

(Bota as duas mãos na cabeça como quem está sentindo alguma agonia). Você não entende, Flávio... Deus ama seus filhos e nos manda ser assim... Ele deu a vida pra ser vivida, não pra ser tirada por qualquer um de nós... Eu não podia ter desligado aparelho nenhum...

FLÁVIO

Mas não tinha mais jeito... Era um paciente em estado terminal... Você apenas atendeu as lamúrias da agonia...

FÁBIO

Mas eu fiz errado... Eu sei lá se uma pessoa que passa por todo este sofrimento é porque tem que passar por causa de algum débito com Deus, sei lá... Os desígnios de Deus a gente desconhece.

FLÁVIO

(Ameno). Tudo bem... Então escute apenas a voz de um amigo...

FÁBIO

(Com expressão de quem não gostou). Amigo? Você me considera assim? Amigo?

FLÁVIO

Acho que é dessa forma que você está me vendo... Estás falando como a pessoa que mais te ama neste mundo... E você não quer me ouvir... Pois eu digo pra você aqui... Por te amar demais... Se você tivesse num estado terminal em cima de uma cama, pedindo que a morte viesse logo... Eu não contaria duas vezes...

FÁBIO

O que você faria?

FLÁVIO

Eu desligaria a porra desses aparelhos, por que eu não ia agüentar ver o homem da minha vida naquela merda de sofrimento, dá pra enfiar isto na sua cabeça, Fábio?

FÁBIO

Então você seria um assassino como eu?

FLÁVIO

(Aborrecido). Você não é assassino, Cacete... É tudo uma forma de enxergar... Você está numa guerra sem fim, Fábio... Uma briga sem vencedor... Aceite a realidade... Bote na cabeça que tudo que aconteceu tinha que ser daquela forma... Não podia ser diferente...

FÁBIO

(Andando de um lado para o outro). Loucura... Você é louco, Flávio... Só pode ser louco... Que loucura essa sua... (Transição). Não... Não, não e não... (Começa a tirar a roupa. Flávio acha estranho).

FLÁVIO

(Sem entender). O que você está fazendo?

FÁBIO

Tirando a roupa, não tá vendo? Quero me livrar desta culpa. Quero tirar isso de mim...

FLÁVIO

E pra isso precisa tirar a roupa? (Dá uma gargalhada).

FÁBIO

Não! Vou me lavar... Voltar a ser puro como a água que vou me banhar! (Vai se despindo).

FLÁVIO

(Repreende). Deixa de bobagem... Eu acho melhor você assumir a realidade da vida...

FÁBIO

Preciso tirar essa culpa de dentro de mim, que está me consumindo aos poucos... Preciso de perdão a realidade é essa... Eu preciso saber que fui perdoado e também condenado...

FLÁVIO

(Outra gargalhada). Vai pedir perdão pra quem?

FÁBIO

Pra Deus... (Fábio olha para o Flávio e interpreta como se tivesse com deboche).

FLÁVIO

(Solta outra gargalhada de deboche). A Deus? Você ta de brincadeira, meu amor...

FÁBIO

(Tenso). A Deus sim... Estou sujo por dentro e por fora... Será que você não consegue enxergar? (Chorando) Estou sujo, Flávio! Sujo! Não quero ser um pecador. Preciso que Deus me perdoe pelo que eu fiz. Eu sei que blasfemei contra ele... Mas será que não percebe que foi por conta de um desespero? (Flávio continua sorrindo). Pode rir de mim... (Pega uma bacia e começa a por água). Quero ser como esta água... Pura... Ela vai ser como remédio e acabar com a minha dor... (Transição. Flávio Ri sem parar). Não consigo te entender, Flávio... Por que ta rindo de mim? (Flávio ri contido, mas ainda em deboche). É assim que me ama? (Querendo ficar tenso). Não faz assim... Não me faça sofrer mais do que já estou sofrendo! Eu preciso de ajuda e a forma de ajuda que você vem me oferecer é o deboche? (Flavio não consegue parar e o Fábio se descontrola). Se é assim, some daqui... Vai para puta que o pariu. Some da minha frente! Some! (Transição como louco) Some! Some, Flávio! (Flávio se contém e faz menção que vai abraçar o Fábio. Transição recuando). Me deixa... Sai daqui, sai daqui! (Música envolvente sobe. Transição). O que foi que eu fiz, meu Deus? (Se lavando. Pega o sabonete e olha para todo o ambiente). Eu sou um prisioneiro de mim mesmo... O que farei pra me livrar destas grades que me cercam? Me purifique, água. (Passa o sabonete pelos braços). Preciso me livrar destes pensamentos que ta crucificando a minha alma . (Com um pouco de água lava a cabeça) Preciso de paz. Preciso de ajuda. (Fica de pé perto da bacia. Começa chorar como se sentisse muitas dores. Transição gritando). Deus... Se na tua casa tem várias moradias... Por que não me levas pra uma delas... Não estás vendo que esta prisão está me matando aos poucos, assim como matei aquele homem em seu leito de morte???? (Urra). Tira de mim essa angustia. Não me faça viver pensando que matei, não me deixe sofrendo aqui. Essa cela é mais gelada que a morte. Eu preferia morrer do que ficar aqui. Eu mesmo me prendo. (Grita) Sou o prisioneiro dentro da minha própria casa!! Não me deixe só como deixei aquele pobre morrer, por atender as suas lamúrias... (Transição). Oh Deus... (Cai chorando. A música aumenta gradativamente. Cai chorando. Música branda).

FLÁVIO

Comovente...

FÁBIO

(Escandalizado). Comovente? Acha que estou em um show dramático, Flávio?

FLÁVIO

Comovente... Eu já cansei de lhe dizer que não foi culpa sua, Mas você insiste em dizer até para os céus, que você é o culpado...

FÁBIO

Mas eu sou o culpado sim...

FLÁVIO

O que você quer? Aplauso é isso? Se for, não seja por isso... (Flávio Aplaude o Fabio).

FÁBIO

(Em tom de revolta). Como pode ser tão calculista? Você não pode ser tão frio a ponto de usar tamanho cinismo pra cima de mim. Flávio, o que está acontecendo com você? Se acha que estou encenado uma tragédia, muito bem... Aplauda mesmo. Nunca vai conseguir entender a culpa que eu carrego dentro de mim. Você nunca me amou mesmo... Acho que você nunca amou nem a você mesmo...

FLÁVIO

(Repreende). O que é agora? Ta querendo dar uma de vítima em cima dos meus sentimentos? Eu sempre te amei sim... Não precisa eu ta aqui repetindo isto o tempo todo, ta ouvindo?

FÁBIO

(Em tom de duplo sentido). E por que no momento em que preciso de ajuda, você me vira às costas!! Eu tenho outros significados de amor!

FLÁVIO

Tudo bem... Agora vista a roupa... Vamos conversar como dois homens adultos! (Fábio se veste. Transição).

FÁBIO

Estou me sentindo mais leve depois desse banho...

FLÁVIO

Assim está melhor... Espero que esta água tenha levado pro ralo tudo que está lhe atormentando...

FÁBIO

Pronto estou aqui! E agora? Vem dizer que me ama!

FLÁVIO

Eu quero que saiba... Nunca em momento algum, eu quis fazê-lo infeliz! Amar você não precisa nem falar, isso você tá cansado de saber que é um fato...

FÁBIO

Mas será que você não entende que eu não feliz e o problema não é com você... Eu não estou feliz comigo mesmo! Minha vida está acorrentada para sempre, Flávio! Não tenho saída... Entrei em um labirinto... Não sei como sair... As saídas estão todas fechadas...

FLÁVIO

E eu pensei que a água tivesse curado... (Transição). Mas você precisa se libertar... Solte estas correntes da sua vida... (Flávio põe a mão no ombro do Fábio. Fábio olha para a mão do Flávio e olha no olho dele. Fábio se emociona. Música romântica de fundo. Os dois se abraçam em prantos. Música sobe. Momento romântico e envolvente. Flávio limpa as lágrimas, segura no rosto do Fábio e o beija loucamente. Música sobe com mais intensidade e a luz vai diminuindo em resistência até o black-out. A cena clareia e está apenas o Fábio em cena na mesma posição do beijo e continua chorando).

FÁBIO

Flávio... Me perdoa... Eu não podia ter provocado a sua morte... Meu mundo acabou naquele dia... Você estava pedindo pra dar um fim na dor... Mas eu não tinha esse direito. Estou aqui preso a este passado. E cadê você, que nessa hora some da minha vida? Eu pratiquei a Eutanásia por amor. Somente por este sentimento que agora me atormenta a alma. E agora, com esse julgamento que insiste em permanecer em minha cabeça, não me faz refletir em mais nada. Me julgue então... E onde você está? (Transição). Cadê você, Flávio? Onde está você? Venha me julgar! Esquece que sou seu amor, esquecer que sou eu... Me julgue como um ser humano. Tenha essa coragem de aparecer... (Vê o Flávio em algum ponto) Você aí? Não fala nada? (Berra) Fale alguma coisa! (Chorando) Por favor.

FLÁVIO

Eu não sou Deus pra julgar a ninguém...

FÁBIO

Mas preciso do seu julgamento... Foi por você que eu fiz isso e nada mais justo ter a justiça vinda de você mesmo... Eu não agüentava ver você sofrendo daquele jeito... Não tinha outra forma a não ser desligar aqueles aparelhos...

FLÁVIO

Então... Por que o tormento? Como já disse... Você fez o que tinha que fazer, meu amor...

FÁBIO

(Desespero). Nãooo... Não fale assim... (Transição). Não tem coragem de me julgar, é isso?

FLÁVIO

Não me faça um pedido deste...

FÁBIO

(Revoltado). Desgraçado!

FLÁVIO

Não posso ser cúmplice da dor de sua consciência, Fábio...

FÁBIO

(Expressão de ódio). Canalha... (Tenta avançar mas o Fábio não consegue tocá-lo).

FLÁVIO

Não fale assim comigo, me entenda!

FÁBIO

Me deixa só agora, se não quer me ouvir... (Em tom alto) Não entendo! Não posso te entender!

FLÁVIO

Claro que dá pra entender... Como posso condenar a pessoa que eu mais amo neste mundo? E se tudo que aconteceu fui eu quem quis assim...

FÁBIO

(Sem fôlego) Eu fiz o que fiz por amor, e você não me julga por amor?? Condene! Eu preciso que você me condene... Faça isso!!! (Chorando) Faça, Flávio... Me salve desta culpa... (Quase em prantos). Eu te peço... Pelo amor de Deus...

FLÁVIO

Não faz isso comigo

FÁBIO

Só você pode fazer isso... Flávio... Se me ama... Faça o que te peço.

FLÁVIO

Não, não e não... Meus sentimentos estão agora me torturando... Eu não vou lhe condenar por um ato que foi culpa minha...

FÁBIO

(Em prantos). Mas fui eu quem desligou aquela merda de aparelho... Eu tirei a sua vida, Flávio... Se não tivesse feito, talvez hoje, você seria realidade na minha vida... Aiii... Essa saudade me tortura cada vez mais...

FLÁVIO

Se alguém aqui tem que ser condenado este alguém sou eu... Você está sofrendo por minha culpa... Tão somente culpa minha... (Transição). Você era quem deveria me condenar... Não, eu a você... (Transição). Então vou deixar que você me condene... Me mande pro inferno... Já que você sofre com o feito...

FÁBIO

Sofro demais...

FLÁVIO

Então se é isso mesmo que você quer... Vamos fazer o seu julgamento... Deus vai ter piedade você... Vamos deixar que o povo nos julgue então... Assim não há culpado entre nós... (Os dois se abraçam). Eu te amo... Eu poderia julga-lo sim, Fábio... Mas seria eu condenado pela consciência se fizesse tal façanha... Sou suspeito nesse assunto... Vou deixar que os jurados aqui presentes tomem posição de sua condenação... (Fábio se afasta e o Flávio some).

FÁBIO

Agora preciso de uma palavra tua. Estou aqui preso... E preciso que você condene, não os jurados... (A Luz começa a apagar e a acender). Assim como a minha vida conturbada... Apagando e acendendo. (Pega um espelho e de costas focaliza o Flávio). Quero olhar pra você diante do espelho... E vou aceitar toda a pena que me der... (Transição não vê mais o Flávio através do espelho). E cadê você? Flávio... Flávio... (Procurando). Flávio cadê você? De novo não... Eu pratiquei a Eutanásia por amor. Somente por este sentimento. E agora, com esse julgamento que insiste em permanecer em minha cabeça, não me faz refletir em mais nada. Me julgue então... E onde você está? Cadê você Flávio? Onde está? Venha me julgar! Me julgue como um ser humano. Tenha essa coragem de aparecer... (A luz começa a dar efeitos de flahs, acompanhado de sonoplastia) Não fala nada? (Berra) Fale alguma coisa! (Chorando) Por favor. O que você ta querendo? Que o povo me julgue com fizeram com cristo o condenando a ser açoitado e pregado naquela cruz como um bicho onde sangraram até a morte? (Transição). Você não vai sair da minha vida assim de uma hora para outra... Cadê você? (Sai procurando). Cadê você.. (Transição). Eu sei que você está por aqui em algum lugar... (Transição. Fábio vê o Flávio na platéia). Ah, você ta aí... Eu pratiquei a Eutanásia... você me pediu... Não consigo ficar mais assim... Esta angustia está me matando pouco a pouco... Você precisa me julgar... :Você agora some de perto de mim... Eu preciso ser condenado... Só você pode me condenar...

FLÁVIO

Você fez o que tinha de ser feito...

FÁBIO

Não... Eu não tinha o direito de fazer aquilo... Eu fiz errado... Eu não agüentava ver você sofrendo daquele jeito, meu amor... Não tinha outra forma a não ser desligar aqueles malditos aparelhos... (Transição). Como é que é? Você não vai ter coragem de me julgar?

FLÁVIO

Eu não vou julgar ninguém, ora bolas... Eu já falei e torno a repetir... Você fez o que tinha de fazer...

FÁBIO

Então, eu estou acabado... (Transição em estado de loucura). Desgraçado... Covarde... Calhorda...

FLÁVIO

(Tentando acalmar o Fábio). Você está nervoso... (Transição). Não me peça uma coisa dessa! Eu não posso ser cúmplice da dor da sua consciência...

FÁBIO

(Aos berros). Me condena, merda...

FLÁVIO

E não fale neste tom de voz comigo... Me entenda por favor, Fábio...

FÁBIO

Eu não posso te entender! Eu fiz o que me pediu, não fiz? Eu só quero que me condene... Eu sou um assassino... Dá pra enfiar nessa cachola?

FLÁVIO

Eu não vou te condenar... Eu tenho que lhe agradece...

FÁBIO

(Sem fôlego) Eu fiz o que fiz por amor, e você não me julga por amor?? Condena, porra!

FLÁVIO

Não posso...

FÁBIO

Eu preciso que você faça isso agora...

FLÁVIO

Mas eu não posso fazer... Será que você não percebe que eu estava á beira da morte com uma enfermidade que não tinha a mínima chance de cura? A única coisa que está lhe atormentando é esta merda de consciência... Me desculpa, meu amor, mas eu não posso fazer isto...

FÁBIO

(Chorando) Faça, Flávio! Me salve desta culpa!

FLÁVIO

Não faz isso comigo... Não me pede isso, pelo amor de Deus...

FÁBIO

Só você pode fazer isso... Se me ama... Faça o que te peço.

FLÁVIO

(Meio arrependido pelo estado emocional do companheiro). Meus sentimentos estão agora me torturando... Eu não vou lhe condenar por um ato que foi culpa minha...

FÁBIO

(Em prantos). Mas foi feito... E se você não se presta para me condenar... O meu eu me condena... (Começa a se flagelar).

FLÁVIO

Pára com isso, meu amor... Você vai acabar se machucando...

FÁBIO

(Continua se flagelando e gemendo). A minha carne precisa ser castigada...

FLÁVIO

Fábio, você está me torturando... Pára com esse flagelo...

FÁBIO

(Sem dar ouvidos ao companheiro). Em nome do pai do filho e do espírito santo... (Continua o flagelo com mais intensidade). Aíii... Eu sou um miserável... Aiiii...

FLÁVIO

(Sem querer ver o flagelo do Fábio). Pai, perdoai-o ele não sabe o que está fazendo...

FÁBIO

(Se torturando). Claro que eu sei o que estou fazendo... Eu não mereço o perdão de Deus... A dor do meu espírito entranha na minha carne...

FLÁVIO

(Revoltado). Louco... Como pode ser tão cruel, Fábio? Você precisa se libertar deste mal que lhe atormenta...

FÁBIO

Eu não vou sair daqui até que meu corpo tenha consciência de que minha alma vai estar em putrefação no inferno, por causa desta porra de merda que eu fiz... (Auto flagela novamente. Suas costas estão manchadas de sangue).

FLÁVIO

(Tenso). Olha só o teu estado, meu amor... (Transição). O que você quer com esse sofrimento? Ser crucificado?

FÁBIO

Eu quero ser condenado e que a minha sentença seja uma sentença de morte... (Se flagela). Ai, como dói essas minhas chagas... (Vozes tumultuam a cabeça do Fábio, deixando-o meio alucinado. (EM OFF “EU NÃO VOU LHE CONDENAR! VOU DEIXAR QUE A SUA CONSCIÊNCIA LHE DÊ A SENTENÇA. CONDENA OU ABSOLVE? (O Fábio fala arfando “CONDENA”). Estou sendo condenado pelo meu povo... E não pelo homem que eu amo... Ele acabou de lavar as mãos com o meu sangue... (Surge em algum lugar do palco uma cruz. Fábio começa á se posicionar como se fosse o próprio Cristo). Flávio, você foi o juiz e o promotor... E o povo me condenou a morte... (Transição com a Platéia). Vocês me condenaram... Vocês não tinham o direito de me condenar... Não fiz nada com nenhum de vocês... (Revoltado, olha para o Flávio e o encara com revolta. Flávio se coloca na posição de juiz). Você permitiu... Já estou fodido mesmo... Vão se foder... Essa promotoria é uma bosta... Seu Juiz... Vossa excelência é uma merda, que monta na garupa dessa justiça que não enxerga dois palmos diante do nariz... Vocês jurados... Vão todos tomar no cu... (Aos berros e chorando). Vão se foder... (Pausa. A luz recai sobre a cruz apagando todo cenário). Se o próprio Cristo com toda a sua bondade foi crucificado perante dois ladrões, eu também quero ser crucificado perante a prisão que é minha consciência e na frente do homem que não quis fazer justiça pelo ato escabroso que eu cometi... Flávio por que me abandonaste? Estou com medo da morte... (A sonoplastia libera trovões e a iluminação joga fachos de luz dando idéia de relâmpagos e o Fábio pregado na cruz reage com cada efeito. Repentinamente a tempestade se vai. Entra uma música branda). Tenho sede... Flávio... Onde está você? Eu preciso matar a sede dessa paixão saudosa que está me matando aos poucos... Estou nessa cruz em prova do meu amor e no meio de um prisioneiro que sou eu mesmo... Meu castigo é a morte... Eu sou prisioneiro da Eutanásia... Deus, Oh, Deus! O meu peito está em chagas, como as chagas das tuas mãos naquele calvário... Se quiser pode me entregar nas mãos do diabo, pra que ele me arraste até o quinto dos infernos... (Aos berros). Flávio... É para ti... Que eu entrego o meu espírito... (O Fábio desce a cabeça até o ombro, sob efeito de muitas trovoadas e relâmpagos. Há nesse momento uma fusão com uma música branda e comovente. Flávio Reaparece sob efeito fantasmagórico e o tira da cruz deitando-o em seu colo, como Maria fez com Jesus, segundo alguns relatos bíblicos. Em meio á música, emocionado, Flávio pega um pano e passa no rosto do Fábio de forma que a platéia veja sua face fixada no tecido, assim como Madalena fez como o cristo segundo também relatos da bíblia. Música aumenta e a luz diminui até em black-out. A luz em resistência, mostrando só o corpo do Fábio estendido ao chão. Momento único. Uma luz forte inunda o ambiente e vai fechando até o corpo do Fábio. Uma música apropriada para a cena vai aumentando gradativamente. Flávio entra em cena bem lentamente, estende a mão e o Fábio também estende a mão e vai se levantando. Os dois sorriem um para o outro e se abraçam. Colam uma face na outra e olham pra platéia sorridentes. A música sobe a todo vapor e uma luz brilhante surge do fundo do palco e ambos saem em direção á luz. A Cena vai escurecendo até black-out, chegando o fim do espetáculo “PRISIONEIRO DA EUTANÁSIA).

PRISIONEIRO DA EUTANÁSIA

AUTORES: Flávio Cavalcante & Fábio Aiolfi

MÊS: Janeiro

ANO: 2010

Flavio Cavalcante
Enviado por Flavio Cavalcante em 08/03/2011
Código do texto: T2835216
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