Mudança

A peça teatral “Cuida bem de mim”, estreou em 1996 no Teatro Solar Boa Vista, e hoje já tem onze anos, mais ou menos, de apresentação. Ela tem como direção o trabalho de Luiz Marfuz e como autores dos textos o próprio Marfuz e Filinto Coelho. O elenco é composto pelo grupo de Teatro do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, e a maioria desses artistas é oriunda da escola pública desse estado. Portanto, conhecem de perto a realidade que eles estão encenando.

O espetáculo teatral “Cuida bem de mim” vai tratar de mostrar esteticamente as condições da escola pública baiana. A escola encenada é dividida em dois grupos: o grupo dos alunos comportados, que têm como liderança a aluna Rita; e do outro lado, os do mal comportado, que são liderados por Sinval. A estudante Rita lidera o grupo composto por Das Dores e Raimundo. E Sinval lidera o grupo composto por Mirinha e Bactéria, filho da diretora da escola. Assim é dividida a turma: os comportados, os alunos que querem o bom funcionamento da escola e do outro lado os que a depredam. A relação entre os discentes na sala de aula é constantemente hostil, falta de respeito para com os colegas, com os professores e para consigo próprio. Mas, vai haver um fato transformador que será o ápice para modificar essa instituição: o romance entre Rita e Sinval. Esse namoro vai servir, de certo modo, para unir a escola. O romance é uma alegoria que o autor usa para dizer que se a escola não se unir, continuará como está. E essa união é para ser feita entre alunos e professores, professores e diretores, toda a comunidade, principalmente entre professores e alunos, pois se não recuperar a relação professor -aluno na escola pública, não tem porque continuar a existir o espaço físico infelizmente.

Assim como o espaço físico (a escola) e os estudantes são protagonistas, do mesmo modo, os professores possuem um lugar de destaque. A peça ilustra que a atuação do educador não deve ser só de passar o conteúdo. Ele deveria ter a consciência crítica da sua prática educacional e perceber que o seu papel não estava sendo efetivado de maneira correta.

A questão fundamental, entre outras coisas, que o espetáculo traz para refletirmos, é que se os professores não se preocuparem para quem estão ensinando, sua atuação continuará sendo em vão. Isto é, se os docentes continuarem, exclusivamente, preocupando-se em formar os conteúdos programáticos que irão desenvolver em sala de aula, as coisas continuarão imutáveis. O papel fundamental do professor é ter uma consciência filosófica e política da sua realidade, para assim, poder ser sujeito da sua história. Todavia, isso só irá ocorrer se houver comprometimento ético com seu papel.

Na peça, o professor de matemática sempre chega atrasado para dar a sua aula. Ele tem outro emprego para se manter, porque o salário de professor não é suficiente para sua sobrevivência: uma crítica feita ao descaso que há com a educação. O espetáculo teatral mostra a educação solitária e usa como metáfora as suas paredes e banheiros sujos, mesas e cadeiras quebradas. É uma denúncia ao descaso social pela qual a educação pública está imersa, e à crise psicológica que os estudantes passam dentro desse espaço físico condenado.

Esse ambiente, invariavelmente, também condena os alunos a não terem o seu direito fundamental: o acesso ao conhecimento (o respeito à sua dignidade). A professora de Português vive para ser professora, tenta até o último minuto, mas quando toma consciência que aquela situação não tem jeito de mudança, ela desiste e pede sua demissão. Nesse momento a peça atinge o seu clímax: um transforma o outro. Por conseguinte, há uma revelação de que é possível transformar a escola pública. E essa possibilidade vai ser dada através do resgate da responsabilidade de cada cidadão.

O resgate da educação pública apresentada pela peça, como já foi dito, é responsabilidade de todos. A diretora da escola é a mãe do aluno “Bactéria” um dos alunos problemáticos, pois a mãe/diretora negava o filho/estudante e, ele para chamar a atenção dela depredava a escola. Portanto, a sociedade como um todo deve se sensibilizar com a real situação do ensino público.

Todo indivíduo desse espaço teve que reconhecer sua responsabilidade como sujeito da sua história e executá-la. Por isso que o grito de guerra dessa peça é: “Eu estou aqui”. Essa frase, primeiramente, pode ser entendida como um pedido de socorro. Os estudantes pedindo para serem vistos como tal, e juntos mudarem essa realidade da escola depredada. A outra interpretação da afirmação “eu estou aqui”, é que cada um é sujeito da sua história e tem a responsabilidade moral para mudar esse fato vergonhoso. O futuro educador deve reconhecer seu compromisso ético enquanto professor e construir junto com o educando uma nova realidade do seu tempo.