A Morte do Caixeiro Viajante, de Arthur Miller.

" Mas Deus lhe disse: Louco, esta noite te pedirão a tua alma : e o que tens preparado, para quem será?" ( Lucas : 12: 20 )

A primeira vez que li A Morte do Caixeiro Viajante, de Arthur Miller, dramaturgo americano falecido em 2005, fiquei fascinada com a dimensão psicológica de Willy Loman, o vendedor que comprou o sonho errado e vendeu produto contaminado para toda família: o sonho americano tornado pesadelo para o homem comum.

Willy Loman retrata toda uma sociedade e sua influência sobre o indivíduo . É uma profunda reflexão sobre como o homem pode investir seus talentos na idéia errada do que é ser feliz e buscar a realização onde encontrará só a morte.

Miller deu um novo formato à tragédia, a tragetória de Willy nos lembra o clássico Édipo Rei, de Sófocles: duas pessoas à procura de sua identidade mas que recorrem à fonte errada ao tentar desvendar seu ‘mistério’, Édipo acaba cego, o mesmo acontece com Willy. Willy, coitado, sequer tentou desvendar o seu, ficou sufocado pela a dura verdade.

Willy Loman é um vendedor, que após 34 anos trabalhando em uma mesma empresa, não consegue mais vender, por isso não tem mais comissões, assim não consegue sustentar a família, nem pagar a hipoteca da casa. Quando ele precisa da ajuda dos amigos, percebe que só valia o que vendia, sem vendas não há salário, nem amigos. Sendo que a última prestação da casa é paga justamente no dia de sua morte.
Os dois filhos Biff e Happy são também dois ‘perdedores’ e infelizes que não encontram seu espaço e sua identidade. A esposa, Linda Loman é o ponto de contato com a realidade, encara os fatos com resignação e paciência.
A atualidade (a peça foi encenada pela primeira vez em 1949) da obra de Miller é pelo impacto de sua crítica ao capitalismo que prega a vitória do sucesso sob pena de morte da identidade. Vale dizer que é o sucesso de uma meia dúzia, sustentado pela alienação de milhões. A tragédia do homem comum, comprado pela ilusão do sucesso, que chega ao fim da vida sem valor algum e por isso mesmo não sabe quem é . A cena em que ele grita “ Eu sou Willy Loman....” é justamente a prova do contrário, ele sabe que não é ninguém. No vazio do seu interior, ele sente-se desintegrado.

A falta de heróis hoje, leva muitos a sonhar apenas com estrelato e fama . Por que tanta celebridade? Por que tanto interesse em fofoca? Por que nossas crianças não se interessam em aprender? Por que nossos jovens não sonham mais? Por que a informação passou a ser mais importante do que o conhecimento ?
Não seria a alienação a tragédia do homem da pós-modernidade? Não estaria a tragédia humana tornando-se apenas mais um ‘reality show’ ?

Há uma mão oculta a nos motivar, e isso nos assusta, Na verdade a motivação de muitos é induzida apenas pelo lucro de um empresário. Vende-se de tudo no mercado: corpos perfeitos, romance , fé, educação, fama, até amigos ’ leais’. Vendem-se personagens ! A mídia está cheia deles : escolha sua máscara.
Em uma entrevista de Miller que assiti no YouTube ele disse:
“Minhas peças falam de uma lei invisível ... Sempre o que não vemos é mais importante do que o que podemos ver.“
Não sei se Miller, ateu confesso, ficaria satisfeito com a dimensão da sua obra em minha vida, mas gosto de Miller, além de outros motivos, porque ele comprova uma das verdades ditas por Jesus , sobre a qual o cristão nascido de novo fundamenta sua fé: “ De que adianta o homem ganhar o mundo inteiro e perder sua alma? ”

Certamente não vivemos o fim da história, mas com certeza precisamos saber o que fazer com a vida que pulsa dentro de nosso coração e interpretar tanta informação que chega diariamente até nós.
Segundo Miller, há uma lei invisível que rege as coisas, ele não conseguiu encontrar Deus nela. Eu e muitas outras pessoas, entretanto O encontramos, esse encontro abriu nossos olhos espirituais, para que pela fé pudéssemos encarar a dura realidade do que somos. Só que com uma pequena grande diferença, o amor de Deus preenche o nosso vazio e dá a dimensão exata da dor, o cristão conhece a cruz, mas também o terceiro dia ... a vida que brota da morte. Um novo homem, identidade resgatada sob a visão do perdão.

O que mais salta aos olhos é o fato de Willy criar um mundo de ilusão, que o leva a não encarar a realidade, culminando com o seu suicídio. Seu sofrimento interior é excruciante. É a tragédia da morte do eu no dia-a-dia da vida que é sustentada por uma mentira. Ele apostou no sonho da prosperidade e acabou um mendigo de si mesmo, quando, na ausência de amigos, precisava de si mesmo , mas não encontrou ninguém.
 
A busca pela identidade é o destino desta viagem a que chamamos vida... O que sou? De onde vim? Para onde vou? Por essas inquietações a humanidade chegou até aqui. A nossa resposta a elas dará formato a nossa vida. A tragédia é o homem não achar-se a si mesmo ao responder a tais perguntas.
Tragédia maior ainda é saber que o amor de Deus está disponível, mas muitos recusam esta oferta maravilhosa de vida, que nos é dada de graça, mas que custou o alto preço do sacrifício de Jesus na cruz.

Referências :
MILLER, Arthur . Death of a Salesman. N.Y: Penguim Books, 1982.
MORTE do Caixeiro Viajante. Direção: Volker Schlondorff. Produção: Robert F. Colesberry.
Arthur Miller, Tribute ( Part 2 ) http://www.youtube.com/watch?v=A_hpELHz2Ws&feature=related