A utilidade do inútil - Nuccio Ordine

São pequenos textos e citações de grandes humanistas que ensinam que o importante não é ter, mas ser

Nuccio Ordine - A utilidade do inútil: Um manifesto, Rio de Janeiro, Zahar, 2016

O filósofo e professor italiano Nuccio Ordine (1958-2023) esteve no Brasil em 2012 e recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ele diz que foram alguns professores dali e o então reitor na época que o estimularam a aprofundar o tema da utilidade do inútil, que acabou resultando neste livro. Seu título faz um jogo de palavras, pois no mundo utilitarista em que vivemos fica difícil encontrar utilidade naquilo que a todos parece inútil como, por exemplo, um relógio antigo quebrado.

No entanto, como observou alguém, esse mesmo relógio com os ponteiros parados está certo ao menos duas vezes por dia. Desse modo, nem sempre “jogar conversa fora”, como costumamos dizer, significa uma conversação inútil, pois dependendo com quem se conversa, podemos aprender alguma coisa nova ou obter uma informação que um dia poderá tornar-se útil. Jogando conversa fora também podemos ensinar algo a alguém, não apenas aprender.

Infelizmente, a maioria das pessoas continuará pensando que o que move o mundo é o dinheiro, então aquilo que não dá lucro se torna inútil e essa ideia é cultivada em praticamente todos os setores da vida humana. Elas não percebem o que percebeu o filósofo e historiador francês Pierre Hadot (1922-2010), especializado em filosofia helenística e platonismo, citado por Ordine logo no início do livro: “(...) a tarefa da filosofia é mesmo a de revelar aos homens a utilidade do inútil ou, em outras palavras, ensiná-los a distinguir entre os dois sentidos da palavra “útil”.”

Isso porque, segundo Ordine, “No universo do utilitarismo, um martelo vale mais que uma sinfonia, uma faca mais que um poema, uma chave de fenda mais que um quadro: porque é fácil compreender a eficácia de um utensílio, enquanto é sempre mais difícil compreender para que podem servir a música, a literatura ou a arte.” Na sua luta para que as pessoas compreendam isso, que é útil tudo aquilo que torna nossa vida mais plena e o mundo um lugar melhor para se viver, Ordine se manifesta através de pequenos textos e citações de alguns dos pensadores e autores mais importantes da História.

Assim é que temos as contribuições de Platão, Aristóteles, Montaigne, Kant, Shakespeare, Victor Hugo, Cervantes, Dickens, Baudelaire, García Lorca, Italo Calvino, Gabriel García Márquez, todos citados pelo autor, além de outros. Para ele, “Não nos damos conta, de fato, de que a literatura e os saberes humanísticos, a cultura e a educação constituem o líquido amniótico ideal no qual podem se desenvolver vigorosamente as ideias de democracia, liberdade, justiça, laicidade, igualdade, direito à crítica, tolerância, solidariedade e bem comum”, ou seja, tudo aquilo que torna uma sociedade democrática, voltada para todos os cidadãos, não apenas para um estrato social ou político.

Ordine também trata dos sentimentos humanos, e num tempo em que muitos querem possuir tudo, no entanto, não conseguem possuir o amor. Primeiro cita Montaigne, “É o gozo, não a posse, o que nos torna felizes.”, depois, Antoine de Saint-Exupéry, dizendo que não devemos confundir o amor “(...) com o delírio da posse, que acarreta os piores sofrimentos. Porque, contrariamente à opinião comum, o amor não faz sofrer. O instinto de propriedade, que é o contrário do amor, esse é que faz sofrer”. Alimentado pelo desejo de possuir, o ciúme acaba matando o amor, quando não, pior ainda, acaba matando a pessoa que não se permitiu ser transformada em propriedade do outro. Quem ama de verdade não mata...

Finaliza o volume um apêndice, um texto do educador americano Abraham Flexner (1886-1959), A Utilidade do Conhecimento Inútil, que também estimulou Ordine a escrever o presente livro. Aprendi bastante lendo esse autor, daí que não perdi tempo com ele, ganhei.