Meshugá - Jacques Fux

Jacques Fux - Meshugá: Um Romance Sobre a Loucura, RJ, José Olympio Editora, 2016

“É difícil ser judeu. Também é difícil deixar de ser.”

Meu primeiro contato com o escritor e matemático mineiro se deu há alguns anos já, com Antiterapias (Scriptum, 2012), depois li Brochadas (Rocco, 2015), dois livros que apreciei bastante. Ambos são cheios de humor e ironia, misturam ficção e realidade e trazem curiosas observações sobre o comportamento humano, especialmente dos judeus. Meshugá, em sua concepção, não é muito diferente desses dois livros, embora nele Fux se mostre mais preocupado em tratar de um aspecto atribuído ao longo dos tempos à cultura judaica: a loucura. Assim é que ele menciona, entre outras pérolas (atiradas aos porcos) um absurdo estudo do inglês Houston Stewart Chamberlain (1855-1927), que dizia que os judeus eram “descendentes de incestos e das prostitutas.” E emendava que era preciso livrar a Inglaterra dessa peste. Sem comentários...

Entrando de vez na onda de Fux caberia perguntar: de gênio e de louco, todos os judeus teriam um pouco? Pois Meshugá significa exatamente louco em hebraico. Fux examina então o comportamento de diversas personalidades judaicas (algumas geniais, outras geniosas) usando dados biográficos e históricos, mas também se valendo da ficção para reinventar suas vidas. Daí que Meshugá tem o subtítulo de Um Romance Sobre a Loucura. Porque o autor “entra” na mente dessas pessoas e procura decifrar suas loucuras, quer dizer, seus medos e angústias, descobrir como elas se viam e viam o mundo. E isso torna a leitura da obra muito interessante. Justamente porque Fux vai além de simples biografias.

Acertadamente, ele logo de início cita Freud, que escreveu “(...) eu não sei se existem outros povos capazes de zombar de si próprios, com tamanha intensidade, como os judeus.” O primeiro texto, ou capítulo, O judeu louco no jardim das espécies, pode ser entendido como uma espécie de prefácio, onde Fux, colocando-se no papel de um escritor, ele mesmo, diz que imaginava que escrever Meshugá, o livro, seria uma coisa divertida, “(...) que todos os mitos, as crenças e as falácias atribuídos ao louco judeu — meshugá — poderiam ser discutidos ludicamente.” E prossegue: “Vislumbrava demolir esses absurdos argumentos, credos e teses através da ironia. Esperava que toda a questão da loucura fosse uma mera brincadeira, mas se enganou redondamente.” Porque ao tentar conhecer a fundo vários desses judeus loucos (de algum modo quase sempre intelectuais, como Allen e Freud, por exemplo), “enlouqueceu” junto com eles.

Passam pelas mãos de Fux, num capítulo intitulado Woody Allen através de um espelho sombrio, o conhecido diretor de Manhattan e outros ótimos filmes e a rumorosa história da sedução de Soon-Yi Previn, filha adotiva de sua então mulher, Mia Farrow, enquanto a garota ainda era menor. Além dele, temos as histórias da filósofa Sarah Kofman, do ator pornô Ron Jeremy (que Fux diz que ele poderia ser um personagem de outro judeu famoso, o escritor Philip Roth), do enxadrista Bobby Fischer, do matemárico Grisha Perelman etc.

Alguns textos se enquadram exatamente naquilo que a editora José Olympio destacou ao lançar o livro: “(...) além de envolver alguns temas clássicos (neurose, hipocondria, mães invasivas e superprotetoras etc.), [Fux] desvela os mistérios da insanidade, do auto-ódio, do olhar perverso do outro e do erotismo tão característicos da produção intelectual desses judeus geniais.” Então temos a história de não um judeu genial, mas a de um verdadeiro antimessias, Daniel Burros, cuja vida daria um ótimo filme hollywoodiano, pois esse judeu foi simplesmente um dos “intelectuais” de uma das maiores organizações racistas de todos os tempos, a Ku Klux Klan. Dá para acreditar? Dá, sim.

Judeus geniais de fato como o já citado Philip Roth, e outros comparecem às vezes como coadjuvantes, como Freud e até mesmo nossa Clarice Lispector, escritora mundialmente reconhecida por seu talento, mas para Fux um tanto estranha (antes, Chico Buarque já pensava isso sobre Clarice), e Meshugá termina com Pertencer: a verdadeira morte, texto que pode ser lido como Posfácio e que remete, de volta, para o primeiro texto. Cumpriu o escritor sua tarefa? Ou simplesmente enlouqueceu no caminho? Leia Meshugá e descubra o que aconteceu.